Acelerador penal

Infelizmente não tiveram coragem de acabar com a prisão especial

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16 de maio de 2008, 11h45

Editorial da Folha de S.Paulo

É positivo o balanço das mudanças na legislação penal aprovadas anteontem na Câmara dos Deputados. As peças mais importantes são os projetos de lei que alteram o Código de Processo Penal. Eles já passaram pelas duas Casas legislativas e seguem para sanção presidencial. De um modo geral, tentam dar celeridade aos procedimentos sem sacrificar o direito de defesa dos réus.

As mudanças mais significativas dizem respeito ao Tribunal do Júri. A maior novidade é o fim do segundo julgamento automático nos casos em que a pena é maior ou igual a 20 anos. Essa era uma relíquia dos anos 40, quando as sentenças raramente superavam tal marca, mas que se tornou contraproducente diante da multiplicação e do agravamento dos crimes. Nunca houve muito sentido em anular um júri apenas porque a sentença proferida pelo juiz era tida por dura.

Menos vistosos, mas também relevantes, são a unificação das audiências — hoje elas são três, uma para os réus, uma para as testemunhas de acusação e outra para as de defesa-, a eliminação do libelo acusatório -uma redundância em relação à acusação inicial- e o enrijecimento das regras para adiar julgamentos. Manobras como a ausência de réu solto no dia do juízo já não produzirão efeitos protelatórios.

Simplificações que não prejudiquem o direito de defesa são sempre bem-vindas, embora mudanças no rito não operem milagres. O aumento da demanda pela Justiça, o que redunda em acúmulo de processos, é uma variável difícil de equacionar. É provável, portanto, que na prática as alterações não produzam aceleração na medida desejada.

Outro ponto importante do pacote diz respeito à produção de provas. A nova regra determina que provas ilícitas não poderão ser usadas em juízo. Abre-se a possibilidade, no entanto, de validar algumas provas derivadas da evidência ilícita, desde que a acusação demonstre que foram obtidas por fonte independente e lícita. A expectativa é que o uso diligente dessas inovações legais resulte na diminuição das anulações de processos.

Parte das medidas ainda precisa passar pelo Senado. É o caso da criação de novos tipos penais, como o seqüestro-relâmpago e a facilitação da entrada de celulares em presídios, cuja criminalização é necessária. É preciso, porém, cuidado na fixação das penas, para que não se quebre a proporcionalidade entre os delitos, objetivo visado pelo Código Penal. A previsão de 10 a 17 anos para seqüestro-relâmpago parece exagerada. A pena mínima supera aquela que o legislador reservou para o homicídio doloso (6 a 20), um crime capital.

Lamentavelmente, os parlamentares não tiveram coragem de acabar com a famigerada prisão especial, garantida para os portadores de diploma superior, essa que é uma das mais anti-republicanas invencionices da legislação brasileira.

[Editorial publicado na Folha de S.Paulo, desta sexta-feira, 16 de maio]

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