Cotas no Supremo

Sociedade brasileira conserva-se discriminadora

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14 de maio de 2008, 11h04

Editorial da Folha de S.Paulo

Grupos favoráveis e contrários à adoção de cotas raciais nas universidades travam uma guerra de manifestos em Brasília. No dia 30, intelectuais enviaram ao Supremo Tribunal Federal, que julga Ações Diretas de Inconstitucionalidade sobre o tema, o documento intitulado “Cento e treze cidadãos anti-racistas contra as leis raciais”.

Ontem foi a vez de defensores da reserva visitarem a corte e a Câmara — onde tramita projeto que institui cotas em todas as universidades federais — para apresentar seu manifesto. A questão é intricada e provoca debates acalorados, mas não a ponto de inviabilizar abordagem serena, respeitosa e racional. A sociedade brasileira, apesar da propaganda em torno da democracia racial, conserva-se discriminadora. Embora seja difícil provar em juízo casos de racismo contra um indivíduo em particular, a divisão emerge clara das estatísticas. Um exemplo recente é a pesquisa do Ibope com o Instituto Ethos, divulgada pela Folha no domingo, mostrando que negros e pardos, que são quase metade da população, ocupam só 3,5% dos cargos de chefia nas maiores empresas do país.

Também é consensual que um maior acesso de negros à educação superior ajudaria a reduzir as diferenças. As disputas se tornam mais acres quando se debatem as formas de ampliar a presença de negros na universidade.

Grupos contrários às cotas argumentam, com razão, que esse tipo de política afronta o ideal republicano da igualdade de todos diante da lei. Também apontam dificuldades intransponíveis para a definição de quem é negro, o que tem gerado “soluções” absurdas, como as comissões de classificação racial, experimentadas nas universidades federais de Brasília e do Maranhão, que recendem a fascismo e devem ser denunciadas.

É possível, entretanto, evitar essas armadilhas teóricas e práticas sem renunciar a medidas anti-racistas. Um dos efeitos do racismo é que os grupos discriminados acabam perenizando-se nos estratos de baixa renda. Uma política que favoreça pessoas mais pobres automaticamente contemplará negros, índios e outras minorias sem o risco de racializar as relações sociais. Uma maneira eficaz e mais isonômica de selecionar essa população é beneficiar vestibulandos oriundos da escola pública, sem distinção de cor.

Já para preservar o acesso por mérito, o melhor é deixar de lado o sistema de cotas, que opera com números predeterminados de vagas a serem preenchidas. Em vez disso, o mais indicado é conceder um bônus na nota do vestibular aos estudantes beneficiados pela ação afirmativa.

[Editorial publicado no jornalFolha de S.Paulo, desta quarta-feira, 14 de maio.]

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