Bola de neve

No Brasil, nada é mais público do que o legalmente sigiloso

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13 de maio de 2008, 0h00

O problema de ter o rabo preso é porque ele nunca se livra. Pode ocorrer a prescrição penal ou cível, mas o favor que se deve só se revolve quando se paga e, assim, um segurando o rabo do outro, a dívida vai crescendo. Há quem tenha medo até de comentar. Como chumbo trocado não dói. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso passa pela pior crise de imagem de todos os tempos, mais sombria até mesmo que aquela que colheu a morte de Leopoldino Marques do Amaral. Não se assuste. Não haverá funestas conseqüências, por se tratar de guerrilha de palavras, cujo alvo é a credibilidade alheia.

Com as janelas quebradas, a sociedade ganhou muito. A informação é essencial não só para formar a convicção sobre as partes que se digladiam, como para entender o funcionamento dessa caixa-preta. Quebra de sigilos, divulgação de dados reservados e até sigilosos são o fermento do escândalo. Pagou-se a revelação de um suposto esquema de liberação fraudulenta de verbas públicas a socorrer entidade privada, com a informação do repasse de R$ 600 mil em verbas especiais. É isso — pau que bate em chico, bate em francisco. Nesse caso, dá-se o oposto da máxima — entre mortos e feridos, não se salvou ninguém.

Contudo, em tempos de investigação de cartões corporativos, não há problema algum em quebrar dados confidenciais. No Brasil, nada mais público do que o legalmente sigiloso. Nessa altura, o contribuinte fica se perguntando em que medida o serviço público compensa. É claro que os julgadores, ganhando alguns 500 mil, outros 300 mil, 450 mil, a título de créditos especiais, comprovam que é excelente negócio passar num concurso como o de magistrado. Penso que aumentará a concorrência, porque uma vez na cúpula, ainda que sobrem arranhões de lado a lado, a liberação de tais verbas é suficiente para engolir certos dissabores. Até os advogados vão saber pautar seus honorários, proporcionais aos ganhos questionados.

É claro que a publicação de documentos oficiais e não abertos ao público, ainda que tenham sido objeto de aprovação pelo Tribunal de Contas, é por conveniência e de encomenda. Essa é a nota deprimente da contenda. Por exemplo, na lista recentemente divulgada de créditos especiais, consta apenas os nomes de letra inicial “m” a “r’, atingindo em cheio, o atual Corregedor-Geral, cujo nome foi sublinhado. O bom mesmo era o TJ divulgar o resto a fim de conhecermos os vencimentos de “a” a “z”. Aliás, precisamos aproveitar o ensejo da meia-transparência para imprimir uma transparência inteira, sem denúncias dirigidas de lado a lado.

Outro fato pitoresco que particularmente admirei ver foi a representação movida contra o Presidente do TJ e respectivo Corregedor, pelo qual há uma mensagem impressa do celular. A petição ficou um primor. Todavia, pendem duas questões, uma pior que a outra. Por que há pedidos de qualquer natureza, mesmo dentro do direito? Ora, ainda que o pedido encontre suporte na legislação, não é nada ético pedir por um velho conhecido. Porque quando o advogado pede, o juiz sabe que se trata de um profissional contratado pela parte, a fim de defender interesses particulares e, portanto, está na função dele, ao contrário do compadre, amigo, conhecido do julgador. É preciso ter muita compostura para manter a linha num Estado quase provinciano. Temos um enorme déficit comportamental em termos institucionais republicanos. Tudo se resolve num boteco, numa padaria, numa varanda, e com a modernidade, num torpedo.

Eis a segunda observação: o pior é guardar a mensagem e, apenas num momento de crise, revelá-la. Tipo dossiê de Dilma Rouseff. Depois dessa, não mando mais mensagens, nem de fumaça. Aliás, não uso celular há mais de dois anos. Primeiro, porque o grampo oficialesco vigora. Segundo, porque agora os amigos de hoje podem bem virar inimigos de amanhã e, enfim, aquele abraço que enviei no passado pode me apertar no futuro. Ora, se o constrangimento do pedido se configura, de fato, uma irregularidade, uma ilegalidade, um crime, qual a razão de não haver imediatamente encaminhado o pedido de providências ao Ministério Público Federal, ao Ministro do STJ, que seriam autoridades para quebrar o sigilo telefônico e apurar o fato?

O problema do rabo preso é esse. Cozinha-se em fogo brando ou na panela de pressão, dependendo da fome, não é mesmo? Ora, se sabiam que o desembargador Orlando Perri ingressou na magistratura a destempo, com idade menor que a exigida, qual a razão de não haver encaminhamento anterior para apuração? Grassa a velha tese da desqualificação pessoal daquele que apura irregularidades. Como dizíamos no preâmbulo, rabo preso é isso: quem tem, não mostra o alheio. Quem tem telhado de vidro, não atira pedras. Neste caso, sobram pedras e faltam telhados. A crise só vai ser resolvida de três maneiras: ou uma das partes aposenta-se, e fica tudo por isso mesmo; ou são todos afastados e aposentados, e fica tudo por isso mesmo; ou, finalmente, fica tudo por isso mesmo e todos se calam.

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