Nova lei de imprensa, com urgência

É preciso evitar condenações abusivas em danos contra imprensa

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9 de maio de 2008, 12h56

A Câmara dos Deputados promoveu a 3ª Conferência sobre Liberdade de Imprensa. Compareceram os grandes empresários da comunicação. E falaram, o que foi bom. Roberto Civita advertiu que, quando se trata de liberdade, quanto menos legislação, melhor. Júlio César Mesquita defendeu a tese de que jornalista, quando abusa, deve ser enquadrado no Código Penal e no Código Civil.

O deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ) prestou ao Brasil grande serviço ao provocar o Supremo Tribunal Federal para dizer o óbvio, isto é, que a Lei de Imprensa da ditadura foi revogada pela Constituição de 1988. Mas, na conferência, insistiu num idealismo irreal, defendendo a ausência absoluta de Lei de Imprensa. A Constituição resolveria.

João Roberto Marinho lembrou que as indenizações exorbitantes nas condenações judiciais contra jornais e jornalistas é uma forma de intimidação. Luís Frias, da Folha de S. Paulo, ponderou que a ausência de regulamentação provocaria um vazio jurídico danoso para os meios de comunicação e para a sociedade. Frias iluminou o túnel todo.

O legislador brasileiro tem a mania de enfiar restrições à imprensa e à publicidade em qualquer norma que edita. Confiram o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Afonso Arinos, o Código de Proteção ao Consumidor, com regras de apreensão de publicação, suspensão de edições ou transmissão de rádio e televisão.

O novo Código Civil, no artigo 20, de redação extensa e propositadamente dúbia, autoriza a proibição de escritos, exposição e utilização de imagem se atingirem a honra, a boa fama e a respeitabilidade de alguém. Esse artigo, conjugado com o artigo 12, também do novo Código Civil, institui a censura prévia contra imprensa, rádio e televisão, além da indenização que couber, e sem limites. Por tratar-se de lei recente é pouco conhecida. Creio que Júlio César Mesquita mudaria de opinião se a conhecesse.

Quanto ao Código Penal, creio ser uma velharia a pena de privação da liberdade por delito de opinião. O direito penal já evoluiu entre nós. Eliminou as sanções penais contra o adultério e a sedução. Por que mantê-las contra abuso de informação ou da liberdade de expressão?

Assim, para evitar as condenações abusivas em danos contra a imprensa, há necessidade de lei especial que as limite e que afaste a incidência do Código Civil e das leis extravagantes. Afaste-se igualmente a incidência do Código Penal, eliminando-se as penas privativas de liberdade, substituídas por penas pecuniárias em limites razoáveis. Mas que seja uma lei sintética, exata, simples, clara, sem dispositivos declamatórios. Enfim, uma síntese do que disseram Roberto Civita, João Roberto Marinho e Luís Frias.

Imprensa é matéria para o direito civil, direito civilizado. O sonho de Miro Teixeira deve ser adiado. A Constituição declara que a honra e a intimidade são invioláveis nos direitos fundamentais, no inciso X do artigo 5º. E a liberdade de imprensa, no artigo 220, no direito das comunicações, é norma hierarquicamente inferior, pois manda observar o disposto “nesta Constituição”. Aí mora o perigo.

Miro Teixeira inspirou-se no direito norte-americano, muito diferente das nossas discurseiras latinas, o que me fez lembrar a sábia advertência de um ex-presidente dos Estados Unidos, John Adams, que, em 1797, nos deixou esta fantástica lição: “Caso algum dia venha a ocorrer um aperfeiçoamento do gênero humano, os filósofos, teólogos, legisladores, políticos e moralistas descobrirão que a regulamentação da imprensa é o problema mais importante, difícil e perigoso que eles terão de resolver”.

Os anglo-americanos não ousaram editar lei reguladora da imprensa, em razão do nunca resolvido desacordo entre filósofos, teólogos, legisladores, políticos e moralistas e pela facilidade com que o direito daqueles povos supre, pelos costumes e pelas aplicações extensivas, a ausência de regramentos específicos. Mas nós, latinos, submetidos a outros tipos de tradições, inclusive a de reformas permanentes das Constituições, podemos e devemos ousar essa empreitada perigosa, segundo a advertência de John Adams.

Que a ousadia, porém, fique na forma nova de tratar o difícil e o importante, jamais na repetição dos velhos erros consagrados no passado como odiosos ou pelo expediente de Pilatos, ao lavar as mãos, que permaneceram sujas pelo resto dos tempos, mesmo diante do discutível aperfeiçoamento do gênero humano.

[Artigo publicado na Folha de S.Paulo, desta sexta-feira, 9 de maio].

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