Julgador que não julga

Juiz tem 90 dias para fazer o que não fez em dois anos

Autor

9 de maio de 2008, 13h48

Depois de permanecer 53 meses sem sentenciar o processo conhecido como Propinoduto IV, o juiz federal Lafredo Lisboa Vieira Lopes, da 3ª Vara Criminal do Rio, será obrigado a dar seu veredicto em 90 dias, encerrando a fase processual na primeira instância. O prazo para que ele conclua esta ação foi determinado, por unanimidade, em sessão secreta do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio e Espírito Santo), na tarde de quinta-feira.

Os problemas de Lisboa, contudo, ainda não se encerraram. O pleno do TRF-2 deixou a cargo do desembargador corregedor, Sérgio Feltrin, a decisão de instaurar uma Correição Extraordinária na 3ª Vara Federal Criminal, para apurar irregularidades levantadas pela corregedoria. Embora o TRF-2 tenha mantido em sigilo todo o debate em torno do trabalho do juiz, sabe-se que no relato feito ontem a seus pares, o corregedor falou em diversas irregularidade.

Um destas irregularidades é a quantidade de processos aguardando sentença. Um levantamento feito em março passado mostrou que, em novembro de 2007, existiam 38 ações conclusas para sentença. Entre janeiro e março deste ano outros 24 processos entraram na fila para uma decisão final.

Pelo menos 14 processos estavam parados há mais de dois anos, entre os quais o caso do Propinoduto (Processo 2004.51.01.514915-0). São autos que eram presididos pelo antigo juiz substituto da 3ª Vara, Flávio Roberto de Souza, que em dezembro de 2005 foi promovido a titular da 2ª Vara Federal de Cachoeiro de Itapemirim (ES). Lisboa vinha alegando não poder despachar nestes casos por eles estarem destinados ao outro juiz. Insistia que uma sentença sua poderia provocar a nulidade do processo, entendimento que não foi corroborado pelo pleno do TRF.

Pelo menos quatro destes autos estão conclusos para sentença desde setembro de 2005. Neles são réus 27 pessoas, acusadas de crimes tributários, falsificação, estelionato, fraudes contra a Previdência, contra o sistema financeiro e falsidade ideológica. Outros oito processos, envolvendo 26 réus, aguardam decisão do juiz desde dezembro de 2005. Entre eles está o Propinoduto IV com 13 réus.

O corregedor Feltrin chegou a propor aos seus colegas a abertura de um processo disciplinar contra o juiz, mas acabou revendo sua posição. Coube ao desembargador Francisco Pizzolante – que esteve afastado do TRF por conta de processos que respondia no Superior Tribunal de Justiça – apresentar a proposta que acabou acolhida. Ele entendeu ser mais construtivo do que uma punição – que ocorreria no caso da abertura do processo administrativo – que o plenário fixasse um prazo para o juiz sentenciar o processo. Desta forma, por unanimidade, o plenário conheceu o processo (aberto por representação do Ministério Público, na qual solicitava uma solução para a falta de sentença) e concedeu o prazo de 90 dias para uma solução final na primeira instância.

Segundo fontes da Justiça Federal do Rio, a instauração de uma Correição Extraordinária, dependendo do que for levantado, pode acabar levando a Corregedoria a propor um processo administrativo contra o juiz Lisboa. Na sessão secreta de quinta-feira só foi apreciada a questão do caso do Propinoduto IV, conforme consta da representação apresentada pelos procuradores da República. Quanto aos demais processos que estão conclusos ao juiz substituto caberá ao titular da Vara dar uma solução, independentemente de manifestação do TRF.

Lado a lado

Na sessão de quinta-feira, que terminou por volta de 20h, os desembargadores não tiveram tempo de apreciar outra representação contra o juiz Lisboa, impetrada pelo advogado José Carlos Tórtima. Por ser um processo em segredo de justiça, o advogado não quis comentá-la. Ele sequer esteve no TRF para assistir ao julgamento, que deveria ter ocorrido naquela tarde. A representação foi apresentada depois que Lisboa impediu Tórtima e o advogado Ricardo Pierre, que defendiam juntos dois irmãos acusados de crime ambiental, de atuarem em conjunto em uma das audiências do processo. Os defensores foram impedidos até de se sentarem lado a lado na bancada da defesa, tendo o juiz chamado o segurança do Fórum para retirar um deles da sala de audiência.

Curiosamente, em outros processos em tramitação naquela Vara, inclusive no famoso caso do Propinoduto I em que um dos réus era o fiscal da receita estadual Rodrigo Silveirinha Correa, as audiências sempre contavam com a participação simultânea de dois procuradores da República, assim como vários acusados tinham ao lado mais de um advogado para orientá-los. Como a sessão de quinta-feira estendeu-se nos debates, o Tribunal decidiu deixar para a sessão de 8 de junho a apreciação deste caso.

A sessão do Tribunal foi secreta a pedido do próprio juiz Lisboa. Ao ser questionado sobre a necessidade do sigilo, ele argumentou que embora o caso seja público, “pois saiu até uma reportagem sobre o mesmo” (numa referência à notícia publicada pelo site Consultor Jurídico), estaria na platéia do plenário um dos réus do processo. “O Tribunal irá me julgar na presença de um réu que depois eu teria que julgar”, questionou Lisboa.

O juiz Lisboa não quis identificar o réu presente. Na platéia estavam apenas seis pessoas, nenhuma delas apresentou-se como o réu citado quando o presidente do Tribunal, desembargador Castro Aguiar indagou. Quem estava presente e à chegada do juiz Lisboa foi até ele cumprimentá-lo não era réu, mas a auditora da Receita Federal do Brasil Maria Tereza Alves, mulher de um dos acusados no processo — o também auditor Francisco dos Santos Alves. No último ano e meio, como noticiou o ConJur, Maria Tereza tem percorrido diversos gabinetes da Justiça Federal do Rio de Janeiro com um pleito inusitado: “Por favor, julguem meu marido”. Ontem, finalmente conseguiu uma resposta ao seu pedido.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!