Justiça na medida

Caso Isabella mostrou funcionamento do sistema legal brasileiro

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8 de maio de 2008, 0h01

Um bárbaro crime praticado contra Isabella Nardoni, uma menina meiga que, à época do ocorrido, tinha apenas cinco anos de idade, chocou o Brasil e fez com que gritos de revolta e perplexidade ecoassem por todos os lugares.

Em meio a esse trágico enredo, estão os familiares, que procuram aplacar a profunda dor de enterrar uma criança, perda irreparável, de ato covarde e vil, do qual não há como todos nós não nos sentirmos diretamente atingidos.

A imprensa, por sua vez, repercute os protestos da população, investiga, instiga, levanta hipóteses, procura explicações, comenta.

A Polícia ouve suspeitos e testemunhas, reúne elementos e os remete ao titular da ação penal, o promotor de Justiça, que analisa esse conjunto probatório, solicita diligências e busca os responsáveis pela execução do ato criminoso.

Os peritos e legistas, de forma exaustiva, trabalham em busca dos fragmentos capazes de desvendar os enigmas, de peças que se encaixem e ajudem a explicar um pouco deste mosaico macabro.

Enfim, cada um desempenha seu papel — e é importante que assim seja. Ainda que o clamor popular exija uma “Justiça imediata”, cabe ao Poder Judiciário garantir a efetivação da Justiça estabelecida pelo Estado Democrático de Direito, pronunciando um julgamento imparcial e seguro, firmado no ordenamento jurídico, de modo a estabelecer sanções proporcionais à gravidade do caso e condizentes com a responsabilidade de cada um dos acusados. Se não há mais espaço para a impunidade, também não existe para o “olho por olho, dente por dente”. A verdadeira Justiça pune com todo o rigor, mas, respeita direitos e age em atenção a estritos limites constitucionalmente erigidos.

Nesse ponto, aos olhos de pessoas que desconhecem o ordenamento jurídico, parece que as investigações não caminham na velocidade necessária. Mais ainda, diante de decisões aparentemente contraditórias, há a falsa percepção de que os suspeitos da autoria do crime são ora condenados e ora absolvidos. Nada mais equivocado. Ainda não há culpados, afinal não se desenvolveu o devido processo legal, único instrumento capaz de, num verdadeiro Estado de Direito, condenar pessoas. Nenhum cidadão brasileiro pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória e esta é a garantia de que a todos nós também será feita Justiça, o que é assegurado pela Constituição Federal (art. 5º, inciso LVII). Entretanto, isso não significa que réus condenados pelo Tribunal do Júri devam sair pela porta da frente com a família da vítima.

Essa tragédia mostrou à população um pouco do funcionamento do sistema legal brasileiro. E os magistrados que se pronunciaram nesse caso não falharam ou hesitaram. Ao contrário, ambos agiram e decidiram diante de suas prerrogativas e com extrema percuciência.

Maurício Fossen, juiz do 2º Tribunal do Júri da Capital, respeitadíssimo por seus predicados de natureza pessoal e profissional, determinou a prisão temporária dos suspeitos, tão logo oferecidas as razões pelo membro do Ministério Público, que entendia necessária a restrição da liberdade para a melhor elucidação do crime.

O desembargador Caio Canguçu de Almeida, um dos maiores expoentes do Judiciário paulista, por seu turno, mesmo diante de enorme pressão da mídia, não titubeou em conceder ordem de Habeas Corpus, porque, segundo sua compreensão, não estavam preenchidos, naquele momento processual, os elementos ensejadores da medida constritiva, apenas excepcionalmente admitida pelo legislador.

As decisões, aparentemente antagônicas, são, em verdade, complementares e fazem parte de uma sistemática que — posso afiançar — levará ao banco dos réus os verdadeiros responsáveis pelo crime. Tudo no tempo oportuno e respeitando os ditames erigidos por um sistema democrático.

Na prática, os suspeitos podem ser novamente presos? Sim. Podem ser libertados? Também. Por quê? Porque isso faz parte do ordenamento legal. E, nesse sentido, não custa lembrar que se concedeu e concederá todo espaço para que as provas sejam apresentadas e confrontadas. Assegurar-se-á que o Ministério Público utilize todos os meios de prova legalmente previstos. Dar-se-á aos suspeitos toda a oportunidade para que exercitem sua defesa com a máxima amplitude. E, tenham certeza, o Judiciário aplicará e fará Justiça!

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