Foro adequado

Ação da Santa Tereza tem de ser julgada pelo Supremo

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8 de maio de 2008, 21h24

A ação penal aberta em primeira instância na esteira da Operação Santa Tereza é ilegal. É o que argumentam os advogados José Roberto Batochio e José Roberto Leal de Carvalho, que entraram com Reclamação no Supremo Tribunal Federal com o argumento de que a competência da Corte foi usurpada porque há o envolvimento de deputados federais no caso. Logo, compete ao STF presidir o inquérito. A Reclamação 6036 que deu entrada no Supremo nesta quinta-feira (8/5), foi distribúida à ministra Ellen Gracie. Pelo perfil da ministra, são pequenas as chances de que o pleito seja atendido.

“Não é o STF que tem de acatar a decisão de desmembramento do feito, deliberada por autoridades de primeiro grau, mas estas é que devem se submeter à decisão do pretório excelso, único competente, em tema de desmembramento de feito que envolva foro especial constitucional por prerrogativa de função, de sua competência”, afirma a reclamação.

Batochio, que representa o advogado Ricardo Tosto, reclama da abertura do processo penal contra seu cliente e mais 12 pessoas, na primeira instância, enquanto há deputados — com direito a foro por prerrogativa de função no STF — investigados pelo mesmo caso.

No último dia 2, o juiz substituto Márcio Ferro Catapani, da 2ª Vara Federal Criminal de São Paulo, especializada em crimes financeiros e lavagem de dinheiro, aceitou denúncia e abriu processo contra 13 investigados na Operação Santa Tereza. A Polícia investiga “prostituição, tráfico de pessoas, fraudes em financiamentos do BNDES e lavagem de dinheiro”.

No entanto, de acordo com as investigações, também estariam envolvidos na fraude três deputados federais — Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (PDT-SP); Roberto Santiago (PV-SP) e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Para os advogados de Tosto, isso desloca a competência para analisar os autos para o Supremo Tribunal Federal.

O esquema teria sido comandado por Paulinho. A prefeitura de Praia Grande, ao receber parcela de empréstimo do BNDES, repassou parte do dinheiro a intermediários, inclusive a empreiteira que venceu licitação viciada para obras na cidade. Mas tanto a PF como o Ministério Público deixaram de arrolar o prefeito e deputados para manter a 2ª Vara como foro, onde tudo transcorreu em tempo recorde. As investigações levaram 4 meses, a preparação da denúncia e a sua aceitação deram-se em uma semana. Para a defesa, a estratégia foi a de criar um fato consumado e evitar o deslocamento do processo para o foro adequado.

O pedido das prisões fora feito antes na 8ª Vara Federal Criminal de São Paulo, onde não se divisou motivação demonstrada para tirar os acusados de circulação. Para uma segunda tentativa, os acusadores teriam suscitado um crime improvável: lavagem de dinheiro em um prostíbulo. Para os advogados, sendo ilícita a atividade, o dinheiro sairia dali tão sujo quanto entrou. Mas o argumento serviu para tentar novo pedido de prisão — e manchetes para turbinar o processo — agora na 2ª Vara, especializada em crimes financeiros.

Na Reclamação apresentada ao STF nesta quinta-feira (8/5), Batochio e Leal pedem liminar para suspender interrogatórios marcados para o dia 21 de maio. No mérito, pedem que todo o processo seja deslocado para a Corte.

Durante as investigações, a Polícia Federal conta ter capturado escutas que ligam as fraudes aos deputados. Há filmagens no recinto da Câmara que comprometeriam os deputados. Por conta disso, o Ministério Público Federal encaminhou os autos para a Procuradoria-Geral da República examinar se há indícios de envolvimento dos deputados. No entanto, paralelamente, denunciou à primeira instância os acusados que não têm direito a foro especial.

“Não será em primeiro grau de jurisdição que se logrará afastar a competência constitucional do STF para a investigação de membros do Congresso Nacional em fato indivisível que também envolva outras pessoas. Poderá até ser desmembrado, no futuro, o feito, mas essa decisão cabe a esse pretório excelso — e a ninguém mais — proferir!”, alegam os advogados.

Eles consideram também que, em caso semelhante — o do mensalão —, o Supremo reafirmou o entendimento de que, havendo ligação entre os acusados com e sem foro privilegiado, todos devem ser julgados conjuntamente no tribunal chamado pelo foro.

“Não muda esse cenário o fato de haver sido oferecida — e recebida —, estrategicamente, denúncia contra alguns investigados no juízo de primeiro grau pelos mesmíssimos fatos, que são unos e indivisíveis, e que também se inculcam aos parlamentares nas investigações policiais. É que o STF é o único órgão jurisdicional constitucionalmente competente para decidir sobre o desmembramento ou não do feito. A inversão da pirâmide hierárquica é incontornável.”


Reforço de tese

Um experiente julgador de Brasília afirma que a decisão do desmembramento da ação cabe unicamente ao STF, quando há co-autor sujeito a foro privilegiado no tribunal. Um precedente foi relatado pelo então ministro Ilmar Galvão. Um juiz de primeiro grau, em caso semelhante, enviou cópia do processo para o STF e reteve os originais para seguir em frente. Houve Reclamação ao Supremo e a manifestação da Procuradoria-Geral da República foi no sentido de que houvera usurpação de competência da Corte.

Normalmente, o caso passa pela PGR, que pode pedir o desmembramento ou solicitar novas diligências para certificar-se dos indícios de envolvimento do detentor do foro especial. No Supremo, o relator dirá o rito a ser seguido: se pelo desmembramento ou pelo processamento no próprio STF.

Um reconhecido advogado criminalista reforça a tese: “Usurpa a competência do Supremo Tribunal Federal permitir que a ação caminhe quando se tem conhecimento de que um dos personagens centrais da investigação é autoridade federal e tem prerrogativa de foro”.

Um constitucionalista, que também pede o anonimato, pensa diferente. Para ele, o modo como o MP e a PF conduziram o caso da Santa Tereza também está correto. Segundo o especialista, é muito comum, durante a investigação, descobrir a participação de alguém com foro privilegiado. Quando isso acontece, o MP ou a Polícia decide se leva adiante a investigação só contra quem não tem foro e manda o resto pro tribunal competente ou se manda tudo de uma vez para o foro especial. “As duas alternativas são legais e o desmembramento de saída é uma forma lícita de tornar o processo mais rápido”.

Leia a Reclamação

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO EXCELSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

Dr. RICARDO TOSTO DE OLIVEIRA CARVALHO,, brasileiro, casado, advogado, regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, XXXXXXXX, vem, por seus advogados que abaixo subscrevem, com o respeito devido, a Vossa Excelência para, com fundamento nos artigos 13 usque 18 da Lei no 8.038/90 e artigos 156 a 162 do Regimento Interno dessa Excelsa Corte de Justiça, aforar a presente RECLAMAÇÃO, em razão dos motivos fáticos e jurídicos fundamentos a seguir articulados:

1 – BREVE HISTÓRICO DOS FATOS .

Sob o curioso epíteto de “Santa Teresa”, teve curso na Capital de São Paulo operação da Polícia Federal cujo objetivo era a apuração de suposta exploração do lenocínio e agenciamento de prostituição dentro e fora das fronteiras do Estado e do território nacional, perquirição esta em que foram apontados como investigados Manuel Fernandes de Bastos Filho, Washington Napolitano Edson Luiz Napolitano, Celso de Jesus Murad e outros, que estariam se dedicando à infame prática, na “Boite WE”, localizada no “Flat Imperial Residence”, com endereço na Rua Peixoto Gomide, nº. 263, na Capital Paulista.

Com tal objetivo, a Polícia Federal em São Paulo realizou diligências variadas, dentre as quais se destacam a quebra do sigilo telefônico e telemático dos suspeitos, mediante prévia autorização judiciária, além do respectivo monitoramento, em tempo real.

Até aí, nada a se relacionar com o ora Reclamante nem com qualquer autoridade que esteja sujeita a foro especial por prerrogativa de função, nos termos do que vem prescrito na Charta Magna.

Tais diligências tiveram início nos primeiros dias do mês de dezembro de 2007 (e se estendem até os presentes dias, segundo consta, em caráter secreto).

Deu-se, porém, que em fins desse mesmo e último mês de 2007 (mais exatamente em 27 de dezembro), as escutas teriam captado comentários feitos por um dos investigados – que também é empresário do ramo da construção civil – contendo notícia da prática de irregularidades que teriam sido perpetradas quando da celebração de contratos de financiamento de fim específico com o BNDES, bem quando da liberação das parcelas contempladas no instrumento de mútuo convencionado entre aquela Instituição Financeira, entes públicos e empresas privadas. Mais especificamente, Manuel Fernandes de Bastos Filho é quem teria aludido a essas supostas ocorrências.

Desbordando do objetivo e dos limites inicialmente fixados para a investigação, a Polícia Federal passou, então, a sindicar possível tráfico de influência e desvio de finalidades de recursos provenientes de empréstimos feitos com fim determinado.

Quanto a esse aspecto nada a objetar, já que, em tese, as supostas infrações, em tese consideradas, seriam perseqüíveis por ação pública.

Sucedeu, todavia, que logo em meados do mês seguinte, é dizer, em janeiro de 2008, das diligências e escutas levadas a efeito teriam emergido, na condição de suspeitos e, por conseguinte, de investigados (e como tal declarados em relatórios parciais de investigação remetidos pela Polícia Federal ao Juízo da 8ª. Vara Criminal Federal da Capital paulista), três membros do Congresso Nacional que, como assinalado, não só passaram a ser alvo oblíquo das perquirições policiais, como – suprema violação do Poder Legislativo! – fotografados e monitorados no recinto da Câmara Baixa, conforme documentação contida nos autos. Alude-se aqui aos Deputados Federais PAULO PEREIRA DA SILVA (nome parlamentar: PAULINHO DA FORÇA) PDT/SP, ROBERTO SANTIAGO PV/SP, HENRIQUE EDUARDO ALVES PMDB/RN. Além dos congressistas também assim aparecem dois Prefeitos Municipais (ALBERTO MOURÃO, de Praia Grande/SP e FARID MADI de Guarujá/SP), com foro especial por prerrogativa de funções diverso dessa Suprema Corte.


Apenas para ilustrar a indisputável condição de investigados em que a Polícia Federal coloca essas autoridades federais e municipais, que têm foro especial assegurado na Constituição da República, transcreve-se excerto de um desses seus relatórios parciais de investigação:

Na data de 11/02, às 17:52:15 hrs., MANTOVANI confirma com JOÃO PEDRO o recebimento de sua parcela da propina referente ao esquema do empréstimo do BNDES para a cidade de Praia Grande. Foram várias ligações anteriores que caracterizam que MANTOVANI estava esperando o pagamento de sua parte.

MANTOVANI diz que já retirou o envelope ELE (MANUEL) já separou o do RT (supostamente RICARDO TOSTO DE OLIVEIRA CARVALHO, membro do Conselho de Administração do BNDES e representante da CENTRAL SINDICAL na Instituição Financeira) e o do PA (possivelmente seja o Deputado PAULINHO, PAULO PEREIRA DA SILVA). Diz que depois nós vamos levar juntos a parte de RICARDO TOSTO e de PAULINHO…

(grifamos)

(textual do Relatório –Vol. 2)

Se tal não fora suficiente para demonstrar, de modo inconcusso, que as investigações passaram a ter lugar em foro incompetente, transcreva-se mais a conclusão do trecho do relatório seguinte, constante às fls. 372, Vol. 2, daqueles autos. Ali afirma a Polícia Federal que:

Nesse período, além do que já foi transcrito acima, é de relevo salientar que um dos alvos da operação, JOÃO PEDRO, ligado à liberação irregular de verbas do BNDES, em 14/02/08 encontrou-se com os Deputados Federais PAULO PEREIRA DA SILVA e HENRIQUE EDUARDO ALVES, conforme relatório em anexo, certamente para tratar de assunto de interesse da organização criminosa…

(grifamos)

(textual de fls. 372, 2º. Volume)

E mais não se precisaria acrescentar para se concluir qual a condição em que aparecem nos autos essas autoridades…

Se os parlamentares não foram aqui apontados como membros da tal organização criminosa, o que foram então?

Mais provas produzidas pela própria Polícia Federal de que os Deputados estavam – e estão – sendo investigados fora da previsão constitucional, por órgãos incompetentes:

O alvo desembarcou no dia 12 de fevereiro no Aeroporto de Brasília, por volta das 22h10, tendo sido passageiro do vôo 1598 da empresa GOL LINHAS ÁEREAS, proveniente da cidade de Campinas.

Durante todo o transcorrer do dia posterior à sua chega em Brasília, o alvo participou de diversas reuniões e encontros na cidade, os quais estão detalhados a seguir.

Às 9h06, o alvo desembarca de um táxi e entra no Anexo 4 da Câmara dos Deputados e segue direto para o gabinete de nº. 217 do Deputado PAULO PEREIRA DA SILVA. É mister perceber, na foto abaixo, que JOÃO PEDRO DE MOURA desembarca pela manhã levando consigo uma mochila, a qual não é mais vista com ele no decorrer do dia (instruem as conclusões várias fotografias em que aparecem o Deputado em seu gabinete e no corredor do 2º andar do Anexo 4 da Câmara Federal).

(cf. fls. 375 e seguintes, 2º. Volume)

Não fora bastante a assertiva expressa dos policiais federais, no bojo dos autos, de que os parlamentares estiveram, e estão sim, sob investigação quanto aos fatos relativos aos financiamentos concedidos pelo BNDES, há, ainda, manifestações explícitas da douta Procuradoria da República local, nesse mesmo sentido (docs. anexos).

Para arrematar, as notícias veiculadas pelos órgãos de imprensa acerca do conteúdo dos autos e do suposto envolvimento dos Parlamentares Federais e Prefeitos Municipais não deixam a menor dúvida de que o tema é de cognição obrigatória desse Supremo Tribunal Federal, por força do que dispõe a Lex Legum. Veja-se:

OS SEGREDOS DA INVESTIGAÇÃO

Relatórios da PF mostram as conversas e os encontros mantidos em casa de prostituição onde eram articulados golpes milionános contra o maior banco do País. Dois deputados estão envolvidos.

Por ALAN RODRIGUES

Nos próximos dias, o Supremo Tribunal Federal (STF) terá que se manifestar sobre uma investigação que desde dezembro vem sendo conduzida pela Polícia Federal. Trata-se da Operação Santa Teresa, que visava inicialmente apurar crime de prostituição e tráfico de mulheres para o Exterior e acabou descobrindo a existência de uma “organização criminosa” que, em troca de milionárias propinas, liberava recursos do Banco Nacional & Desenvolvimento Económico e Social (BNDES) para prefeituras e empresas privadas. ISTOE teve acesso com exclusividade a dois relatórios do setor de inteligência da PF. Nesses documentos estão registradas, em 48 páginas, conversas telefônicas de 17 pessoas, gravadas em 38 aparelhos fixos e celulares durante 45 dias. O conteúdo desses diálogos macula a imagem do maior banco de fomento da América Latina, maior indutor do PAC e tido até os últimos dias como um símbolo de eficiência e de rigor técnico na aplicação de seus recursos.

Segundo o organograma elaborado pela PF, chamado de “Esquema BNDES”, o chefe da organização criminosa é Manuel Fernandes de Bastos Filho, conhecido como Maneco. Ele 6 o dono da Fernandes Bastos Construtora e Incorporadora Ltda. e da Casa Notuma WE, origem da investigação. Abaixo dele está João Pedro dc Moura, um dos principais assessores da Força Sindical, que já assessorou o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), presidente da entidade, e que por indicação da central sindical ocupou um assento no ConseIho de Administração do BNDES. De acordo com a PF, Moura exercia o papel de elo entre o grupo e o banco. Nos relatas gravados, fica evidente coma o grupo atuou para a Iiberação de pelo menos R$ 390 milhões, sendo R$ 126 milhões para obras de urbanização e saneamento em Praia Grande, litoral sul dc São Paulo, e RS 270 milhões para as Lojas Marisa.

Para que possam ter continuidade, as investigações da Polícia Federal sobre o “Esquema BNDES” precisam ter o aval do STF porque esbarraram em dois deputados federais. O primeiro foi Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o Paulinho, presidente da Força Sindical. Segundo os documentos, em 23 de janeiro de 2008, às 14h46, Manuel telefonou para Boris Timoner – consultor das Lojas Mansa e também apontado como membro do esquema, que, além de trabalhar para fraudar os financiamentos do ENDES, agenciava garotas para a casa noturna de Manuel – e detalhou os acertos finais relativos ao repasse de verbas para Praia Grande. Disse que o grupo ficaria com R$ 2,6 milhões, cada vez que fossem liberados R$ 20 milhões. Explicou que matade desse dinheiro (R$ 1,3 milhão) precisava ir para Mantovani, “porque ele assumiu o Paulinho, o Tosto e o José Gaspar”. De acordo com a PF, Paulinho é o deputado do PDT paulista, Tosto é o advogado Ricardo Tosto, membro do Conselho de Administração do BNDES indicado pela Força Sindical, e José Gaspar é o vice-presidente do PDT em São Paulo. Reforça a tese da polícia um telefonema dado em 11 de fevereiro, às 17h52. Nessa gravação, Mantovani informou a Moura que já tinha recebido sua parte da propina referente ao esquema da Praia Grande e que “separou a parte de RT e de PA”, Segundo a PF, trata-se de Ricardo Tosto e de Paulinho.

O outro deputado citado pela PF ó o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN). A polícia tem um video que mostra Moura entrando no gabinete de Alves na Câmara, portando uma mochila. “Isso beira o ridículo. Quantas pessoas passam na liderança e no gabinete. Não tenho nada com isso”, disse Alves. Paulinho também negou qualquer participação no esquema. “Não vou falar sobre o que eu não sei”, afirmou.

Publicamente, o ministro se viu obrigado a dizer que também o deputado Paufínho da Força não está sob investigação. Não poderia ter dito outra coisa. Realmente, a PF ignorou o fato de que os parlamentares têm fórum privilegiado e que, para serem investigados é preciso haver autorização do STF. Na semana passada, o ministro determinou o afastamento do superintendente da Policia Federal em São Paulo, delegado Jáber Saad, tio de um dos responsáveis pela Operação Santa Teresa. Mas, enquanto aguarda um parecer do STF, a Policia Federal trata de investigar as relações dos demais envolvidos principalmente com Paulinho e com o PDT. Todos os já citados participam do esquema no BNDES a partir da Força Sindical, dominada pelo PDT. Pelo menos dois dos envolvidos são diretamente ligados ao deputado Pauilnho: Moura é seu ex-assessor e Tosto é seu advogado e um dos financiadores das campanhas políticas do PDT, inclusive no Rio de Janeiro. “Temos informação de que parte do dinheiro desviado dos financiamentos do BNDES seria usada para montar a Força Sindical no Rio”, diz um dos agentes que trabalham na investigação.

Quando o STF se manifestar, novas investigações deverão ocorrer e tanto Paulinho como Alves terão que explicar suas relações com Manuel e principalmente com Moura. Como Paulinho, Moura também é réu em um processo, acusado de estelionato, falsidade ideológica e falsificação de documentos usados na compra de uma fazenda no interior de São Paulo para a Força Sindical, o que acarretou prejuízo de quase R$ 3 milhões para o Ministério da Reforma Agrária. Nesse processo, o advogado deles é Ricardo Tosto.

(Revista IstoÉ, nº. 2009, Edição de 7 de maio de 2008 – doc. incluso)

Será que ele perde a força?


Uma investigação da Polícia Federal ameaça o poder do sindicalista Paulinho da Força no governo Lula

LEANDRO LOYOLA

Há duas semanas, a Policia Federal prendeu uma quadrilha acusada de exploração de prostituição e de fraudes em empréstimos no BNDES. De acordo com a PF, os integrantes do esquema procuravam políticos e empresários para oferecer acesso privilegiado a empréstimos do BNDES. Pelo suposto favorecimento, ficavam com 2% a 4% do financiamento. Paulinho não é acusado diretamente pela policia. Mas, entre os presos, estão seu advogado, Ricardo Tosto, e seus assessores João Pedro Moura e Wilson de Barros Corsani Júnior. Em conversas telefônicas gravadas pela PF, Moura, Corsani e outros suspeitos mencionam o nome de Paulinho como uma das pessoas que receberiam parte da divisão da propina.

ÉPOCA procurou Paulinho diversas vezes na semana passada. Seu assessores disseram que ele não daria entrevistas sobre o assunto. Para explicar o silêncio do chefe, usaram a declaração do ministro da Justiça, Tarso Genro. Genro afirmara que Paulinho não figurava na lista de investigados pela PF. Isso é verdade. Mas parece impossível isolar Paulinho das suspeitas. O papel dos aliados que ele indicou para o BNDES o compromete. Sócio de um dos dez maiores escritórios de advocacia do país, o advogado Ricardo Tosto está com Paulinho desde 2003. No ano passado, assumiu a vaga que a Força Sindical tem no Conselho do BNDES. Tosto tornou-se também influente no PDT, o partido de Paulinho, a ponto de indicar Eduardo Maffia Nobre, jovem sócio de seu escritório, ao cargo de tesoureiro do partido. Tosto é acusado pela PF de trabalhar pela liberação dos empréstimos sob suspeita dentro do BNDES. Dois foram concretizados: um de R$ 220 milhões para a rede de varejo Magazine Luiza outro de R$ 124 milhões, para a Prefeitura de Praia Grande, no litoral paulista “No meio sindical, isso se chama roedagem”, diz Wagner Cinchetto, um do fundadores da Força Sindical, ex-aliado de Paulinho. O termo é uma alusão a estrago causado por roedores como ratos. “Esse pessoal está há anos fazendo esse tipo de coisa com os recursos do FAT no BNDES e no Ministério do Trabalho.” A assessoria de Tosto informo a EPOCA que ele não daria entrevista porque estava internado no Instituto do Coração para exames.

As investigações da PF pegaram também o antecessor de Tosto no BNDES. Seu nome é João Pedro Moura, assessor de Paulinho em seu gabinete na Câmara dos Deputados e seu sócio numa fazenda no interior de São Paulo. De acordo com a PF, na divisão de tarefas dentro da quadrilha, Moura seria o responsável pela oferta de facilidades em empréstimos do BNDES destinados a políticos. Psicólogo e ex-assessor técnico da Força Sindical, Moura tem uma vida confortável. Comprou uma casa na Serra da Cantareira, bairro de São Paulo com residências de alto padrão, de outro amigo de Paulinho, Luiz Fernando Emediato. Tem dois carros de luxo: um Mercedes e uma picape Toyota Hilux. O Mercedes foi comprado de Marcos Vieira Mantovani, outro participante do esquema e também preso pela PF. Por meio de seu advogado, Tales Castelo Branco, Moura informou que só falará em juízo.

(Revista Época, nº. 520, edição de 5 de maio de 2008 – doc. Incluso)

Ele tinha a força

Assessores cobrando propina, malvadezas contra políticos. A vida não está fácil para o tal Paulinho

O prestígio político do deputado Paulo Pereira da Silva, presidente da Força Sindical e do PDT de São Paulo, sofreu um baque grande o suficiente para afastar dele até mesmo o tucano Geraldo Alckmin, com quem mantinha afinidades eletivas e eleitorais. Isso porque Paulinho, como é conhecido, está às voltas com um escândalo de corrupção desvendado pela Polícia Federal. Escutas telefônicas mostram seu ex-assessor João Pedro de Moura combinando a partilha de uma propina de 2.6 milhões de reais com o consultor Marcos Mantovani, que prestava Serviços a interessados em obter empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O rachuncho beneficiaria oito pessoas. Uma delas, identificada como RT, seria o advogado Ricardo Tosto, indicado por Paulinho para o conselho de administração do BNDES. Outro beneficiário é referido como PA, sigla que, para os policiais, oculta o nome de Paulinho. De acordo com o inquérito, o grupo teria recebido propina pela concessão de três empréstimos do banco oficial: um para a prefeitura de Praia Grande, emSão Paulo, e dois para as Lojas Marisa. Juntos, eles somam 518 milhões de reais. Moura e Mantovani estão na cadeia. Tosto conseguiu um habeas-corpus.

(Revista Veja, Edição nº. 2059, de 7 de maio de 2008)

Imaginam-se os policiais e autoridades que, no caso, operam o Direito em primeiro grau, competentes para julgar sobre desmembramento dos feitos em que surgem, como investigadas, autoridades a quem a Carta Política reserva foro especial…

Tivesse o denominado e célebre “Caso Mensalão” se iniciado em São Paulo e esse Magno Pretório certamente também teria sido usurpado na sua jurisdição no tocante à competência para decidir sobre o julgamento unitário que se deliberou ser mais adequado naquela hipótese, em que nem todos os denunciados têm foro especial por prerrogativa de função…

Bem é de se ver que expedientes processuais rudimentares (e outros houve para afastar o juízo sorteado na distribuição do inquérito 8ª. Vara Federal, que não decretou a prisão temporária almejada pela polícia e MPF, deslocando-se o feito para Vara Especializada, que a seu tempo serão abordados) – como é esse de não se revelar na inteireza o surgimento de suspeita contra autoridades que gozam de foro especial para, ao depois de tudo concluído, revelar a implicação e pretender a cisão do feito de baixo para cima – não podem ser aceitos sem que tenha ocorrido um “by pass” na norma constitucional de incidência.

E não será em primeiro grau de jurisdição que se logrará afastar a competência constitucional do STF para a investigação de membros do Congresso Nacional em fato indivisível que também envolva outras pessoas. Poderá até ser desmembrado, no futuro, o feito, mas essa decisão cabe a esse Pretório Excelso – e a ninguém mais – proferir!

Não muda esse cenário o fato de haver sido oferecida – e recebida –, estrategicamente, denúncia contra alguns investigados no juízo de primeiro grau (2ª. Vara Federal Criminal Especializada da Subseção Judiciária da Capital de São Paulo) pelos mesmíssimos fatos, que são unos e indivisíveis, e que também se inculcam aos parlamentares nas investigações policiais. É que o STF é o único órgão jurisdicional constitucionalmente competente para decidir sobre o desmembramento ou não do feito. A inversão da pirâmide hierárquica é incontornável.

Do necessário, esse é o resumo fático.

2 – DO FUNDAMENTO DA PRESENTE RECLAMAÇÃO.

Preceitua o artigo 156 do Regimento Interno dessa Colenda Corte de Justiça que:

Art. 156. Caberá reclamação do Procurador-Geral da República, ou do interessado na causa, para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões.

(grifamos)

Ora, não há dúvidas de que, no caso presente, houve usurpação da competência constitucional dessa Excelsa Corte para a cognição da causa, na medida em que, ao lado das pessoas que foram denunciadas, se achavam investigados membros do Congresso Nacional, sendo absolutamente clara essa circunstância nos relatórios da Polícia Federal e, para além disso, foi ela expressamente reconhecida pelo Ministério Público Federal de primeiro grau, consoante se lê da entrevista que concedeu na Capital de São Paulo a diversos órgãos de imprensa, verbis:

Procuradora afirma que caso BNDES envolve mais políticos

Ministério Público diz que outras autoridades e prefeituras devem ser investigadas

Adriana Scordamaglia, que acompanha a operação da Polícia Federal, confirmou que há suspeitas contra o deputado federal Paulinho

(cf. documentação inclusa)

Não bastasse isso, é dos autos que o próprio Ministério Público Federal requereu a remessa de cópias do apuratório para essa Corte Suprema, a fim de que fosse instaurado inquérito policial para apuração da participação de membros do Congresso Nacional nos fatos, os quais, como se vê dos autos e das inclusas matérias jornalísticas, já se achavam, ao arrepio da Constituição Federal, sob investigação!

Repete-se à exaustão: não é o STF que tem de acatar a decisão de desmembramento do feito, deliberada por autoridades de primeiro grau, mas estas é que devem se submeter à decisão do Pretório Excelso, único competente, em tema de desmembramento de feito que envolva foro especial constitucional por prerrogativa de função, de sua competência.

Ora, se os fatos investigados – que são únicos – não dizem respeito a membros do Congresso Nacional, a que título se justificaria essa providência de remessa de cópias das investigações a essa Corte?

A indagação é irrespondível.

Acresce, ainda, que a lei processual penal impõe a indisponibilidade e a obrigatoriedade da ação penal pública, a unidade de processo e julgamento, simultaneus processus, em casos de conexão ou continência (cf. artigos 76 e seguintes do Código de Processo Penal).

“Opções preferenciais” por certos investigados implicam aberta violação a princípios e garantias constitucionais, para se dizer o mínimo…

É inconcebível que, em decorrência da unidade jurídica e naturalística que reveste os fatos em apreço, para uma situação factual única, se pretenda promover diversas investigações e variegadas ações penais. No caso, seria pensável fato único e três ações penais em diversos graus de jurisdição (cidadãos comuns no juízo federal de primeiro grau, prefeitos no Tribunal Regional Federal e Deputados Federais no STF)? Como ficaria o Poder Judiciário se, à vista do mesmo fato, as três decisões fossem conflitantes? Só mesmo um non sense pode explicar tal situação!

Coloque-se em destaque, mais uma vez, que o Reclamante e o Deputado Federal Paulo Pereira da Silva só foram mencionados nos autos basicamente numa única circunstância e em paridade de situação: trata-se da interceptação da conversa telefônica travada entre MARCOS MANTOVANI e JOÃO PEDRO DE MOURA, em ambos são referidos em contexto único.

Assim é que emerge, inequívoca, a incompetência do juízo a quo, e por corolário lógico a nulidade de seus atos decisórios – e das autoridades que o precederam – para a cognição dos fatos de que se trata, à vista do disposto no artigo 53, § 1º, da Constituição da República e nos artigos 76 e 79, ambos do Código de Processo Penal, verbis:

Art.53………………………………………………

§1º. Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.

Art. 76. A competência será determinada pela conexão:

I – se ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;

II – se, no mesmo caso, houverem, sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;

III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo:

I – no concurso entre a jurisdição comum e a militar;

II – no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores.

§ 1º. Cessará, em qualquer caso, a unidade do processo, se, em relação a algum co-réu, sobrevier o caso previsto no art. 152.

§ 2º. A unidade do processo não importará a do julgamento, se houver co-réu foragido que não possa ser julgado à revelia, ou ocorrer a hipótese do art. 461.

Sobre o tema, FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO assinala, com precisão e segurança, que:

Conexão é sinônimo de relação, coerência, nexo. Logo, pode-se dizer que a conexão de que trata o art. 76 é o nexo, a relação recíproca que os fatos guardam entre si, e, em face do vínculo existente entre eles devem ser apreciados num só processo, possibilitando um só quadro probatório e, ao mesmo tempo, evitando decisões díspares ou conflitantes. Se existe conexão quando os fatos estiverem intimamente entrelaçados por um liame qualquer, obviamente ela implica um simultaneus processus e, inclusive, se for o caso, a prorrogatio fori, tal como determina o art. 79.

(Código de Processo Penal Comentado, Vol. I, Ed. Saraiva, 1996, pág. 165)

Elucidativa a doutrina de DAMÁSIO E. DE JESUS:

Efeitos da conexão e continência

Um dos efeitos da conexão e continência é a unidade processual, salvo cinco exceções:

1ª.) no concurso entre a jurisdição comum e a militar…

2ª.) no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores…

3ª.) cessará, em qualquer caso, a unidade do processo, se, em relação a algum co-réu, sobrevier o caso previsto no art. 152 deste Código (hipótese de a doença mental surgir após a prática da infração penal)…

4ª.) a unidade do processo não importará a do julgamento se houver co-réu foragido que não possa ser julgado à revelia, ou ocorrer a hipótese do art. 461 deste Código (§ 2º);

5ª.) hipótese do art. 80 deste Código.

(Código de Processo Penal Anotado, Ed. Saraiva, 1991, págs. 94 e 95)

Como se vê, não figurando a hipótese vertente das excepcionalidades contempladas pela legislação, a conseqüência lógica é a unidade processual.

E mais, a facultativa separação a que alude o artigo 80 da Lei Penal Adjetiva é atribuível ao órgão jurisdicional competente (não à polícia, ao MP ou a órgão jurisdicional incompetente), e tão-somente àquele.

Preceituam os artigos 69, inciso VII, e 84, caput, todos da Lei Penal Adjetiva que:

Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:

VII – a prerrogativa de função.

Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.

Conjugados os preceitos normativos acima transcritos, dúvidas não há de que o foro de competência para cognição e julgamento de causas que envolvam membros do Congresso Nacional será, necessariamente e sempre, desse STF.

Cuidam-se, pois, de regras de fixação de competência absoluta, que não podem ser desatendidas, seja a que pretexto for.

Como esclarece PINTO FERREIRA, “a competência é determinada pela função que a pessoa exerce e visando amparar a dignidade e eminência do cargo” (Comentários à Constituição Brasileira, São Paulo: Saraiva, 1990, v. 2, p. 275).

Ou, consoante ALBERTO SILVA FRANCO:

A Lei Fundamental estabeleceu, a partir de então, para os Prefeitos Municipais, um privilégio de foro por prerrogativa de função, criado não por amor dos indivíduos, sim do caráter, cargo ou funções que exercem (cf. Pimenta Bueno, “Apontamentos sobre o Processo Criminal Brasileiro”, 5a ed., p. 86).

Como observou Tourinho Filho, ‘há pessoas que exercem cargo de especial relevância no estado e, em atenção a tais cargos ou funções que estas pessoas exercem no cenário político jurídico da nossa Pátria, gozam elas de foro especial, isto é, não serão processadas e julgadas como qualquer do povo, pelos órgãos comuns, e sim, pelos órgãos superiores, de instância mais elevada’ (Processo Penal, Ed. Jalovi, Bauru, 1979, vol. 2, p. 131).

(in Leis Penais Especiais e Interpretação Jurisprudencial, Editora Revista dos Tribunais, 7a ed., v. 2, 2001, p. 2780)

De outro lado, é da literalidade dos artigos 77, inciso I, e 78, inciso III, ambos do Código de Processo Penal que:

Art. 77. A competência será determinada pela continência quando:

I – duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração.

Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras:

III – no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de maior graduação.

Posto isso, tem-se que a competência por prerrogativa de função é extensiva a todos os demais réus apontados como co-autores da “mesma infração” (consoante art. 77, I, do CPP), a eles se comunicando aquela especial condição, em homenagem à preservação da unidade processual e do julgamento único, evitando-se, inclusive, decisões contraditórias.

A conseqüência disso é que os apontados co-autores de um mesmo ilícito penal, ainda que aprioristicamente não disponham de foro especial por prerrogativa de função, passam a ser alcançados pela situação particular do co-réu que se insere em categoria especializada, nos termos da legislação de incidência, observada, em matéria de competência jurisdicional, a vis actrattiva da jurisdição especial (cf. art. 78, III, do CPP).

A propósito, a Súmula 704 do Excelso Pretório não deixa dúvidas a respeito do tema, ao estabelecer que: “não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados” (grifamos).

O r. decisum que afirma a competência da jurisdição de primeiro grau, aqui hostilizado, invade competência constitucional dessa Suprema Corte, razão pela qual vulnera, data vênia, os dispositivos acima apontados.

Nem se argumente que divisando-se motivo relevante, conforme aferição da conveniência pelo órgão julgador, resulta autorizado o desmembramento do feito. Na espécie, só o STF pode decidir essa matéria, permissa vênia.

Não faz mal relembrar que o princípio do Juiz Natural, alçado a dogma constitucional, não pode ser desrespeitado a que pretexto for, pena de nulidade absoluta…

Ora, em se tratando de matéria relacionada à inalienável garantia do acusado, consubstanciada no princípio do juiz natural, qualquer ato emanado por autoridade diversa, incompetente, deixa de ser simplesmente nulo para se tornar juridicamente inexistente. Por isso que a divisão da unidade processual como determinado pelo r. Julgado hostilizado não merece prosperar.

Eis a doutrina de ADA PELLEGRINI GRINOVER:

A expressão constitucional do art. 5o, LIII (“Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente“), deve ser lida, portanto, como garantia do juiz constitucionalmente competente para processar e julgar. Não será juiz natural, por isso, o juiz constitucionalmente incompetente, e o processo por ele instruído e julgado deverá ser tido como inexistente.

(As Nulidades do Processo Penal, pág. 47)

No mesmo diapasão, o então Magistrado do TRF da 3a Região, EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, deixou assente que:

É, portanto, uma garantia do cidadão individualmente considerado de que não será perseguido, e da sociedade, que não assistirá à designação de uma autoridade ou órgão judiciário com a finalidade de proteger ou encobertar um delinqüente. Lúcia Valle Figueiredo, com propriedade, anotou em palestra sobre os Princípios Constitucionais do Processo, proferida em 28 de agosto de 1991, no Tribunal Regional Federal da 3a Região: “O primeiro princípio que podemos inferir – e este é constitucional – é o do juiz natural. O que é o juiz natural? É o juiz competente, o juiz designado para determinada controvérsia. Então, juiz natural é o juiz competente para o feito. Isto traz exatamente a segurança judiciária: o juiz natural, o juiz competente deve ser aquele designado.

(O Direito à Defesa na Constituição, Ed. Saraiva, 1994, págs. 34)

Em minucioso trabalho sobre o tema, LUIZ FLÁVIO GOMES, ressalta, com precisão, que:

Uma das mais salientes garantias do cidadão no atual Estado Democrático de Direito apoia-se no princípio do juiz natural.

(RT 703/418)

Em outra oportunidade, a já mencionada Professora da Universidade de São Paulo escreveu que:

Nos casos de competência determinada segundo o interesse público, o sistema jurídico-processual não tolera modificações nos critérios estabelecidos, muito menos em virtude da vontade das partes. Trata-se aí de competência absoluta, isto é, que não pode ser modificada.


E, segundo o Código, todos os atos decisórios serão nulos pelo vício de incompetência…

(ADA PELLEGRINI GRINOVER, As Nulidades do Processo Penal, 1992, pág. 37, grifamos)

Nossa fonte pretoriana tem proclamado, sem distonias, que:

O princípio da naturalidade do Juízo – que reflete noção vinculada às matrizes político-ideológicas que informam a concepção do Estado Democrático de Direito – constitui elemento determinante que conforma a própria atividade legislativa do Estado e que condiciona o desempenho, pelo Poder Público, das funções de caráter persecutório em Juízo.

Cumpre ter presente, por isso mesmo, a advertência de José Frederico Marques (“O Processo Penal na Atualidade”, in Processo Penal e CF, p. 19, item 7, 1993, Ed. Acadêmica/Apamagis, São Paulo), no sentido de que, ao rol de postulados básicos, deve acrescer-se “aquele do Juiz natural, contido no item n. LIII do art. 5o, que declara que ‘ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente’. É que autoridade competente só será aquela que a Constituição tiver previsto, explícita ou implicitamente, pois, se assim não fosse, a lei poderia burlar as garantias derivadas do princípio do Juiz independente e imparcial, criando outros órgãos para o processo e julgamento de determinadas infrações”.

(STF – RT 732/532, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

SENTENÇA CRIMINAL – Nulidade – Prolação por juiz que não tinha jurisdição na comarca – Concessão de “habeas corpus”.

Onde não há jurisdição, não pode haver julgamento e o ato, quaisquer que sejam seus característicos e finalidade, é considerado não existente.

(RT 370/273)

No mesmo sentido, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), promulgada pelo Decreto no 678/92, também disciplina que:

Art. 8o Garantias Judiciais

I – Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido com anterioridade pela lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para, que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

(grifamos)

Unissonamente, assim vem se manifestando a jurisprudência:

Constitucional – Penal – Processual penal – Habeas corpus – ‘Escândalo da previdência’ – Crimes de quadrilha e peculato praticados contra o INSS – Crime imputado a Juiz de Direito – Competência do Tribunal de Justiça – Competência do Tribunal de Justiça para julgar demais acusados – CF, art. 96, III, CPP, art. 78, III.

(STF – HC 74.573/RJ – Rel. Min. CARLOS VELLOSO, 2a T., DJ 30.04.98, grifamos)

Denúncia acertadamente oferecida perante o Tribunal de Justiça, contra todos os acusados e por todos os crimes, federais e estaduais, em face dos princípios da conexão e continência, e tendo em vista, ainda, a jurisdição de maior graduação (art. 78, III, do CPP), reconhecida àquela Corte por força da norma do art. 96, III, da CF/88, dada a presença, entre os acusados, de um Juiz de Direito.

(STF – HC no 68.846/RJ – Rel. Min. ILMAR GALVÃO, j. 02.10.91, grifamos)

COMPETÊNCIA – Conexão e continência – Concurso de jurisdição de diversas categorias – Predominância da de maior graduação – Acusado que goza de foro especial por prerrogativa de função – Circunstância que se estende aos demais co-réus – Inteligência do art. 78, III, do CPP.

(STJ – RT 813/538 – Rel. Min. FELIX FISCHER, grifamos)

Para encerrar definitivamente a questão, impende registrar que, recentemente, esse Excelso Pretório examinou caso rigorosamente idêntico ao presente, amplamente divulgado pelos meios de comunicação, no qual se viram denunciados Deputados Federais e outras autoridades, além de indivíduos outros que não faziam jus ao foro especial por prerrogativa de função (Inquérito no 2245 – Relator Ministro JOAQUIM BARBOSA) e, nesse superior julgamento, a Mais Alta Corte de Justiça do País reafirmou o entendimento de que, havendo continência (tal qual como sucede na hipótese vertente), o foro especial decorrente de prerrogativa de função se estende aos demais imputados, que devem ser processados conjuntamente, preservada a unidade processual.

Como se vê, o posicionamento adotado recentemente por esse STF é diametralmente oposto à decisão aqui hostilizada, razão pela qual o acolhimento do presente Reclamo se mostra, mais que cabível, indispensável.

Assim, sendo e considerando que ninguém poderá ser subtraído ao seu Juiz Natural, de rigor seja recebida, processada e acolhida a presente Reclamação para o fim de, reconhecendo-se a incompetência do douto Juízo a quo, determinar-se a remessa dos mencionados autos a esse Excelso Pretório, aqui, inequivocamente, a autoridade competente para processar e julgar o feito.

3 – DA CONCLUSÃO E DO PEDIDO .

Ex positis, e tendo em vista a urgente necessidade de se resguardarem direitos e garantias fundamentais do Reclamante e preservar a competência constitucional e legal dessa Suprema Corte, requer-se seja determinado o processamento desta RECLAMAÇÃO (que vem instruída com toda a documentação necessária à sua ampla cognição) nas formas da lei, dando-a por procedente para a finalidade de se avocar o feito de que se cuida (autos 2007.61.81.015395-2 da 2ª. Vara Federal Criminal Especializada da Subseção Judiciária da Capital de São Paulo, bem como os de todos os incidentes a ele relativos, inclusive os que secretamente continuam a tramitar na Polícia Federal), para que aqui passe a tramitar, como determina a Carta Política, em seu artigo 53, § 1º.

4 – DA MEDIDA LIMINAR .

Vê-se instaurada ação penal perante Juízo absolutamente incompetente, com interrogatórios designados para o dia 21 de maio próximo futuro, tramitar este írrito e violador da Lei Fundamental, o que configura intolerável usurpação da competência dessa Excelsa Corte.

Presentes, pois, o eventus damni e o periculum in mora que autorizam a concessão de MEDIDA LIMINAR, requer-se, com fundamento no artigo 14, inciso II, da Lei no 8.038/90, seja expedido mandamento jurisdicional de urgência para se determinar a suspensão dos atos aprazados no juízo a quo e a remessa dos respectivos autos a essa Suprema Corte, no termos do que preceitua o artigo 158 do Regimento Interno desse Pretório Excelso, até final julgamento desta RECLAMAÇÃO.

É o que se deixa requerido.

Nestes termos,

P.Deferimento.

São Paulo/Brasília, 08 de maio, 2008.

José Roberto Batochio, advogado.

OAB/SP 20.685

José Roberto Leal de Carvalho, advogado.

OAB/SP 26.291

Texto alterado às 11h30 da sexta-feira (/5), para acrescentar novas informações

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