Juiz que não julga

Mulher de réu apela ao TRF: 'por favor, julguem meu marido!'

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6 de maio de 2008, 16h26

Especial para o Consultor Jurídico

A auditora da Receita Federal do Brasil Maria Tereza Alves percorreu diversos gabinetes da Justiça Federal do Rio de Janeiro nos últimos meses e chegou a mandar carta ao desembargador Castro Aguiar, presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª. Região (Rio e Espírito Santo), com um pleito inusitado: “Por favor, julguem meu marido”. A peregrinação já dura mais de ano sem que ela tenha conseguido seu objetivo. Seu marido, o também auditor Francisco dos Santos Alves, continua com bens bloqueados, passaporte confiscado e sem uma sentença.

Os cerca de 300 volumes do Processo 2004.51.01.514915-0, no qual Alves é um dos réus, permanecem, desde dezembro de 2005, empacotados em uma sala vazia da 3ª Vara Federal Criminal do Rio. O processo já passou por toda a instrução processual — interrogatórios, depoimentos de testemunhas, diligências, alegações finais da acusação e das defesas — e está concluso para a sentença. De dezembro de 2005 para cá, ninguém tocou nele oficialmente, pois o juiz titular da Vara, Lafredo Lisboa, se recusa a sentenciá-lo.

No processo, que ficou conhecido como “Propinoduto IV”, numa referência a outros escândalos com o envolvimento de fiscais das Receitas estadual, federal e da Previdência do Rio, 13 antigos auditores da Previdência — todos lotados atualmente na Secretaria da Receita do Brasil — foram, à época, publicamente responsabilizados por desfalques aos cofres públicos de R$ 3 bilhões. Na denúncia, os procuradores Fábio Aragão e Vinícius Panetto os acusam dos crimes de receber vantagens indevidas, formação de quadrilha, advocacia administrativa e excesso de exação (cobrar tributos além do devido). A maioria deles continua trabalhando e, até o final do ano passado, alguns permaneciam na fiscalização das empresas, apesar de processados.

Nas conversas que manteve com procuradores da República, com o juiz Lisboa, com o corregedor do TRF-2, com o desembargador Sérgio Feltrin, e na carta que endereçou ao presidente do Tribunal, Maria Tereza não reivindica a absolvição do marido, apesar de acreditar na sua inocência. Quer apenas que o processo tenha prosseguimento: “se tiverem que condenar, condenem, pois iremos recorrer. Mas para recorrermos precisamos de uma sentença”, explica.

Absolvição pedida

Maior que o drama do casal Alves, porém, é o da auditora Jane Márcia da Costa Ramalho. Depois de ter sido presa em 2005 e apontada publicamente como corrupta, foi inocentada nas alegações finais dos procuradores. Em juízo, outros auditores confirmaram que as diferenças encontradas nas re-fiscalizações das empresas vistoriadas por ela eram frutos da mudança dos métodos na análise dos dados e não erros profissionais como se admitia antes. Nas suas contas bancárias, nenhum depósito estranho ao salário foi descoberto.

Apesar disto, ela permanece afastada de suas atividades por conta de uma Ação Civil Pública, em tramitação na Vara Federal de São João de Meriti — a servidora é lotada em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense — aberta a partir dos documentos que embasaram a denúncia no processo criminal da 3ª Vara do Rio. Como se não bastasse, há na Polícia Federal inquérito em que é investigada pelos mesmos crimes pelos quais os procuradores concluíram por sua inocência. “Ela está perplexa com tudo isto. Como hoje cursa Direito, entende melhor esta confusão entre os juízes”, alega seu advogado, Luiz Alberto Fernandes Nogueira.

Como Jane, a auditora Arinda Rezende de Pinho Monteiro também teve a absolvição pedida pelos procuradores nas alegações finais. Para os outros 11 réus, Aragão e Panetto pediram a condenação: dez por receberem vantagens indevidas; oito por formação de quadrilha; três por advocacia administrativa e dois por excesso de exação. A demora na decisão já ajudou a dois dos acusados mais idosos que se beneficiarão com a prescrição. Chicão, com mais de 70 anos, é um deles. Embora tivesse tempo suficiente para se aposentar, permanecia na ativa, participando do esquema de corrupção, segundo denunciaram os procuradores. Aposentou-se depois de ter sido preso e acusado.

A prescrição era o que receava o procurador Aragão. Ele, em 2006, representou junto à Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 3ª Região pedindo uma providência para o caso. O pedido desapareceu e foi reapresentado no início de 2007. Mas, decorridos mais de ano, só na quinta-feira o caso chegará ao plenário do TRF, isto caso não vença o lobby que vem sendo feito, inclusive por pessoas de Brasília, para que ele seja retirado de pauta.

Troca de juízes

Nem o procurador na sua representação, nem a auditora Maria Teresa nas suas andanças, queixaram-se do juiz formalmente. Mas Lisboa – que ganhou notoriedade com o primeiro processo do “propinoduto” no qual entre os acusados estava o fiscal da receita estadual Rodrigo Silveirinha Correa -, acabou virando alvo da representação e foi intimado a apresentar defesa à Corregedoria.

Ao explicar-se, alegou que o caso era conduzido pelo então juiz substituto da Vara, Flávio Roberto de Souza, promovido a juiz titular da 2ª Vara federal de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, no final de 2005. Santos, realmente foi o responsável pela maior parte dos atos processuais. O andamento do processo, porém, registra diversas atuações de Lisboa também nos autos, apesar dele alegar desconhecer esta ação.

No entendimento de Lisboa, como o processo, desde16 de dezembro de 2005, está “concluso” ao então juiz substituto, não há como ele se manifestar. “Não posso dar a sentença para não criar uma nulidade. Seria necessário um despacho do juiz substituto declarando-se impedido de atuar por ter sido promovido”, alegou. Outra saída, segundo ele, era o corregedor do Tribunal Regional Federal anular o despacho que abriu conclusão dos autos ao juiz substituto. Segundo admite, resolvido o problema do despacho encaminhando o caso ao ex-auxiliar, em 30 dias concluirá o processo na primeira instância, apesar dos 300 volumes.

Em Cachoeiro de Itapemirim, o juiz Souza contesta o colega. Explica que chegou a escrever a sentença do caso, mas com a sua promoção publicada antes de a decisão ter sido assinada, o então corregedor do TRF, desembargador Castro Aguiar – hoje presidente do Tribunal – o impediu de sentenciar. “Eu não tenho que dar despacho algum no processo, segundo me determinou o então corregedor. Ele deixou claro que a sentença cabe ao titular que permaneceu na Vara. Se ele quiser pode adotar a que preparei ou escrever uma nova. Mas, segundo o ex-corregedor, é ele quem tem que assiná-la”, explica.

No TRF, o que se diz é que o pedido de Lisboa é improcedente. Resoluções do Conselho de Justiça Federal e provimentos do próprio Tribunal determinam ao juiz em exercício na Vara decidir o caso, independentemente de o substituto admitir-se impedido.

Atendimento ao Público

Enquanto a Justiça Federal não decide a quem caberá dar a sentença, nove dos 13 réus iniciais do processo continuam trabalhando na nova Secretaria da Receita do Brasil. Até dezembro passado alguns continuavam exercendo fiscalizações nas empresas, mesmo com as pesadas acusações de corrupção. A partir de então, passaram a prestar apenas atendimento ao público.

Nas alegações finais, os procuradores sustentam que oito destes auditores juntaram-se em uma quadrilha que se beneficiava da corrupção paga por empresários não identificados nos autos. Aos resultados de re-fiscalizações feitas nas empresas que indicaram claramente impostos e tributos deixados de serem cobrados, Aragão e Panetto juntaram as informações surgidas com a quebra do sigilo bancário dos réus. Elas, segundo os procuradores, são mais do que indícios da corrupção dos auditores.

Nas contas de dez dos réus o dinheiro caracterizado pelos procuradores como pagamentos por vantagens ilícitas totalizou R$ 8.980.707. Foram depósitos entre 1998 e 2005. Os maiores valores apareceram na quebra de sigilo dos acusados Paulo José Gonçalves Matosso (R$ 2,7 milhões) e Francisco Cruz, o Chicão (R$ 2,1 milhões). Advogado de Matoso, Nilo Pompilho da Hora garante que o dinheiro era legal, de consultorias feitas por seu cliente. “Sua vida tributária está equilibrada e justificada. A acusação não se sustenta”, diz. A defesa de Chicão não foi localizada.

Excesso de exação

O marido de Maria Tereza, Francisco dos Santos Alves, junto com as colegas de trabalho Jane e Arinda foram os únicos em cujas contas bancárias não apareceram depósitos inexplicados. Dos que continuam denunciados, Alves é o único a responder por apenas um crime: excesso de exação. É acusado de cobrar além do devido à De Millus. Seu advogado, Nélio Andrade, garante que não houve dolo, mas uma questão de interpretação na caracterização do regime de trabalho de vendedoras da fábrica de peças íntimas femininas. Segundo ele, Alves não foi o único antigo auditor da Previdência a considerar relação trabalhista formal o relacionamento da empresa com suas vendedoras ambulantes as quais, mesmo sem vínculo empregatício, eram inclusive treinadas em reuniões na fábrica. Por isto cobrou os recolhimentos previdenciários considerados depois indevidos.

A outra auditora inocentada, Arinda, foi presa quando estava em licença médica. No seu caso a investigação confirmou que ela deixou de lançar tributos de firmas devedoras. Os procuradores, porém, admitiram que problemas de saúde do seu pai – que faleceu – e dela mesmo, poderiam justificar os erros. Como não encontraram depósitos suspeitos em suas contas, a dúvida favoreceu a ré e foi pedida sua absolvição.

Nas contas do auditor Luiz Ângelo da Rocha os depósitos suspeitos totalizaram R$ 1 milhão. A investigação identificou ainda pagamentos considerados indevidos para Antônio Vinícius Monteiro (R$ 529 mil); Arnaldo Carvalho da Costa (R$ 139 mil); Geanete Assumpção José (R$ 598 mil); Joaquim Acosta Diniz (R$ 219 mil); José Eduardo Gomes Iuorno (R$ 591 mil); Paulinéia Pinto de Almeida (R$ 211 mil) e de Rogério Gama Azevedo (R$ 934 mil).

Para os procuradores estes valores não correspondem à totalidade do que foi ganho ilegalmente. “Depósitos no exterior e propinas recebidas em espécie dificilmente deixam rastro”, alegaram.

As defesas e os acusados contestam. João Mestieri, advogado de Arnaldo Carvalho da Costa, diz que seu cliente vive angustiado com a demora, mas reconhece um lado positivo neste imbróglio criado pela recusa do juiz em sentenciar. Segundo ele, além de ter apresentado provas da sua evolução patrimonial, Costa foi inocentado em outro processo, o que ajudará no caso.

O auditor Joaquim Acosta Diniz classifica o processo de político.“Gostaria que julgassem o mais rápido possível. Nossos bens estão todos amarrados”, fala.

“A espera é tão dolorosa como se fosse uma condenação”, diz o advogado Jorge Luiz Mattar de Almeida, defensor de José Eduardo Gomes Iurno. Segundo ele, “o processo administrativo concluiu que meu cliente não praticou o que o Ministério Público denunciou e a Receita Federal sepultou a ação fiscal”. Outro que diz que o cliente foi inocentado na área administrativa e pela Receita Federal é o advogado Richard de Assis Rodrigues, defensor de Antônio Vinicius Monteiro. “Este retardo na sentença trás uma série de prejuízos. Meu cliente, por exemplo, perdeu seu cargo de chefia”, alega. Clito Lugao da Veiga que defende Geanete Assumpção José, diz que ela permanece de licença médica aguardando ansiosamente a absolvição. Os demais advogados não foram localizados.

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