Transporte limpo

Inquérito contra Marta Suplicy é arquivado no Supremo

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6 de maio de 2008, 20h33

Um pedido de abertura de inquérito contra a ministra do Turismo Marta Suplicy (PT) foi arquivado pelo ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal. A decisão, tomada no dia 11 de abril (Gilmar Mendes não era ainda presidente do STF), foi publicada na segunda-feira (5/5) no Diário Oficial.

O Ministério Público de São Paulo pediu abertura de inquérito para apurar supostas irregularidades na secretaria de Transportes ocorridas na gestão de Marta à frente da Prefeitura de São Paulo (2001-2004). O problema estaria em convênio de cooperação operacional para execução de serviços de transporte coletivo por ônibus com a CCTC (Cooperativa Comunitária de Transportes Coletivos). O MP alegou que foi descumprido acordo extrajudicial para contratação de trabalhadores ligados à CCTC.

Gilmar Mendes acolheu manifestação da Procuradoria-Geral da República pelo arquivamento do inquérito. O parecer do Ministério Público Federal entendeu que a investigação constatou o não envolvimento de Marta Suplicy no caso. O ministro assinalou que “as provas colhidas no curso da investigação não autorizam afirmar o envolvimento de Marta Suplicy nas irregularidades investigadas” e acrescenta que “não há nos autos nenhuma comprovação da existência de tal convenção [acordo extrajudicial]”.

Segundo Gilmar Mendes, o parecer destaca que “o próprio presidente da CCTC, durante o período de setembro/01 a fevereiro/03, Ademir Rodrigues Jacinto, afirma em seu depoimento que desconhece a existência de qualquer acordo extrajudicial”.

O advogado David Rechulski, que defende Marta, afirma que “a decisão demonstra, uma vez mais, como a pessoa da ex-prefeita foi vítima de denúncias levianas, decorrentes, unicamente, do cargo que ocupou”. Para ele, “ser prefeito, governador, presidente ou ocupar qualquer cargo de chefia, mesmo na iniciativa privada, não torna esta pessoa um réu necessário, pois o Direito Penal não admite responsabilidade objetiva. Deve sempre ser demonstrado um nexo entre a ação ou omissão intencional e o resultado danoso ocorrido”.

Leia a decisão

Petição 4.060

O Ministério Público Federal (MPF), em parecer da lavra da Subprocuradora-Geral da República Cláudia Sampaio Marques, requereu a devolução dos autos ao Juízo de origem, afirmando o seguinte (fls. 986-988):

“2. Trata-se de inquérito instaurado para apurar supostas irregularidades na celebração de convênio de cooperação sobre aspectos operacionais de execução de serviços de transporte coletivo por ônibus entre a CCTC – COOPERATIVA COMUNITÁRIA DE TRANSPORTES COLETIVOS e a PREFEITURA DE SÃO PAULO; o descumprimento de acordo extrajudicial de contratação de trabalhadores ligados à CCTC e a atribuição de serviços públicos através de alvarás, à época em que exercia o mandato de Prefeita MARTA TERESA SUPLICY (fls.03/04 e 194).

3. A investigação baseou-se, inicialmente, no procedimento de mediação realizado pelo Ministério Público do Trabalho em dissídio coletivo instaurado pelo não cumprimento de suposto acordo extrajudicial assumido pela PREFEITURA DE SÃO PAULO para a contratação de trabalhadores da Cooperativa pelas empresas privadas que passariam a realizar os serviços antes prestados pela CCTC, sendo esta uma condição para que tais empresas recebessem a concessão do serviço público (fls. 05/194).

4. O Termo de Convênio firmado em 21/03/1994 entre a CCTC e a COMPANHIA MUNICIPAL DE TRANSPORTES COLETIVOS foi juntado às fls. 46/68. Já os Termos de Aditamento nº 9, nº 15 e nº 6 do referido Convênio encontram-se às fls. 69/74 e 158/161.

5. Foi juntada aos autos, ainda, a cópia integral do procedimento administrativo que culminou com a assinatura do referido Termo de Convênio (fls. 201/376).

6. Prestaram depoimento JOÃO ANTÔNIO (fls. 538/539), PAULO JOSÉ DINIS RUAS (fls. 569), JOSÉ SÉRGIO PAVANI (fls. 592/593), CARLOS ALBERTO ROLIM ZARATTINI (fls. 594/596), ANTÔNIO EMILIANO LEAL DA CUNHA (fls. 704/705), ANTÔNIO JOSÉ COUTO FILHO (fls. 706/707), JOSELITO FIDELES DE OLIVEIRA (fls. 708/709), FRANCISCO ARMANDO NOSCHANG CHRISTOVAM (fls. 711/712), MAURÍCIO THESIN (fls. 713/714), MARIA TOMICO KITAGAWA ENOMOTO (fls. 715), CARLOS DE SOUZA TOLEDO (fls. 760), OSWALDO CARLOS DE CARVALHO (fls. 778), CARLOS ALBERTO GUERRA (fls. 780/781) e ADEMIR RODRIGUES JACINTO (fls. 922).

7. MARTA TERESA SUPLICY prestou declarações e alegou, em síntese, que desconhece completamente a existência e eventual descumprimento de acordo extrajudicial para contratação de trabalhadores da CCTC e que na gestão anterior realmente eram expedidos alvarás para os ‘perueiros’, mas tais alvarás foram extintos com a promulgação da Lei nº 13.241/01 (fls. 753).

8. Em razão de MARTA TERESA SUPLICY ocupar atualmente o cargo de Ministra de Estado do Turismo, remeteram-se os autos ao Supremo Tribunal Federal (fls. 975).

9. As provas colhidas no curso da investigação não autorizam afirmar o envolvimento de MARTA SUPLICY nas irregularidades investigadas.

10. O Termo de Convênio entre a PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO e a CCTC foi firmado em 1994, anteriormente à gestão de MARTA TERESA SUPLICY, e o Aditamento nº 15, de 21/03/2002, teve como signatário o Sr. CARLOS ALBERTO ROLIM ZARATTINI, à época Secretário Municipal de Transportes (fls. 73/74).

11. Quanto ao suposto descumprimento de acordo extrajudicial para aproveitamento dos antigos cooperados da CCTC pelas empresas que assumissem as linhas de ônibus, não há nos autos nenhuma comprovação da existência de tal convenção. O próprio presidente da CCTC durante o período de setembro/01 a fevereiro/03, ADEMIR RODRIGUES JACINTO, afirma em seu depoimento que desconhece a existência de qualquer acordo extrajudicial (fls. 922).

12. Com relação ao serviço público de transporte concedido aos ‘perueiros’ através de alvarás, não se logrou comprovar nenhum ato da ex-Prefeita no sentido de conservar ou ampliar as irregularidades que advinham da gestão municipal anterior. Bem ao contrário, foi editada a Lei nº 13241/01 que dispõe sobre o Sistema de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros na Cidade de São Paulo e regulamenta a delegação da execução (fls. 510/524).

13. Finalmente, os depoimentos prestados e os documentos acostados não conseguiram determinar uma ligação entre os fatos investigados e qualquer conduta da ex-prefeita.

14. Ante o exposto, pela falta de suporte mínimo a lastrear as investigações, requer o Ministério Público Federal a devolução dos autos ao juízo de origem, ressalvada a possibilidade de nova remessa ao Supremo Tribunal Federal, caso surjam indícios concretos de envolvimento de MARTA TERESA SUPLICY” – (fls. 986-988).

Na hipótese de existência de pronunciamento do Chefe do Ministério Público Federal pelo arquivamento do inquérito, tem-se, em princípio, um juízo negativo acerca da necessidade de apuração da prática delitiva exercida pelo órgão que, de modo legítimo e exclusivo, detém a opinio delicti a partir da qual é possível, ou não, instrumentalizar a persecução criminal para os casos de crimes de ação penal pública incondicionada.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assevera que o pronunciamento de arquivamento, em regra, deve ser acolhido sem que se questione ou se entre no mérito da avaliação deduzida pelo titular da ação penal pública incondicionada [cf., nesse sentido, as seguintes decisões: INQ nº 510/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, unânime, DJ 19.4.1991; INQ nº 719/AC, Rel. Min. Sydney Sanches, Plenário, unânime, DJ 24.9.1993; INQ nº 851/SP, Rel. Min. Néri da Silveira, Plenário, unânime, DJ 6.6.1997; HC nº 75.907/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, maioria, DJ 9.4.1999; HC nº 80.560/GO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, unânime, DJ 30.3.2001; INQ nº 1.538/PR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, unânime, DJ 14.9.2001; HC nº 80.263/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, unânime, DJ 27.6.2003; INQ nº 1.608/PA, Rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, unânime, DJ 6.8.2004; INQ nº 1.884/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, maioria, DJ 27.8.2004; INQ (QO) nº 2.044/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, maioria, DJ 8.4.2005; e HC nº 83.343/SP, 1ª Turma, unânime, DJ 19.8.2005].

Esses julgados ressalvam, contudo, duas hipóteses em que a determinação judicial do arquivamento possa gerar coisa julgada material, a saber: prescrição da pretensão punitiva; e atipicidade da conduta.

Nesse particular, é válido transcrever o inteiro teor da ementa do Inquérito nº 1.604/AL, da relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, que expõe essa questão com clareza:

“Inquérito policial: arquivamento requerido pelo chefe do Ministério Público por falta de base empírica para a denúncia: irrecusabilidade. 1. No processo penal brasileiro, o motivo do pedido de arquivamento do inquérito policial condiciona o poder decisório do juiz, a quem couber determiná-lo, e a eficácia do provimento que exarar. 2. Se o pedido do Ministério Público se funda na extinção da punibilidade, há de o juiz proferir decisão a respeito, para declará-la ou para denegá-la, caso em que o julgado vinculará a acusação: há, então, julgamento definitivo. 3. Do mesmo modo, se o pedido de arquivamento – conforme a arguta distinção de Bento de Faria, acolhida por Frederico Marques -, traduz, na verdade, recusa de promover a ação penal, por entender que o fato, embora apurado, não constitui crime, há de o Juiz decidir a respeito e, se acolhe o fundamento do pedido, a decisão tem a mesma eficácia de coisa julgada da rejeição da denúncia por motivo idêntico (C.Pr.Pen., art. 43, I), impedindo denúncia posterior com base na imputação que se reputou não criminosa. 4. Diversamente ocorre se o arquivamento é requerido por falta de base empírica, no estado do inquérito, para o oferecimento da denúncia, de cuja suficiência é o Ministério Público o árbitro exclusivo. 5. Nessa hipótese, se o arquivamento é requerido por outro órgão do Ministério Público, o juiz, conforme o art. 28 C. Pr. Pen., pode submeter o caso ao chefe da instituição, o Procurador-Geral, que, no entanto, se insistir nele, fará o arquivamento irrecusável. 6. Por isso, se é o Procurador-Geral mesmo que requer o arquivamento – como é atribuição sua nas hipóteses de competência originária do Supremo Tribunal – a esse não restará alternativa que não o seu deferimento, por decisão de efeitos rebus sic stantibus, que apenas impede, sem provas novas, o oferecimento da denúncia (C.Pr.Pen., art. 18; Súmula 524). 7. O mesmo é de concluir, se – qual sucede no caso -, o Procurador-Geral, subscrevendo-o, aprova de antemão o pedido de arquivamento apresentado por outro órgão do Ministério Público” – (INQ nº 1.604/AL, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, unânime, DJ 13.12.2002).

Constata-se, portanto, que apenas nas hipóteses de atipicidade da conduta e extinção da punibilidade poderá o Tribunal analisar o mérito das alegações trazidas pelo Procurador-Geral da República.

Isso evidencia que, nas demais hipóteses, como nada mais resta ao Tribunal a não ser o arquivamento do inquérito, a manifestação do Procurador-Geral da República, uma vez emitida, já seria definitiva no sentido do seu arquivamento.

Sendo assim, o ato de “solicitar o arquivamento”, na hipótese estrita em que se alegue a inexistência de lastro probatório mínimo, apresenta a natureza eminentemente jurídica de obstar a apreciação judicial de eventual persecução penal por parte do Poder Judiciário.

Este é o caso destes autos.

No caso concreto ora em apreço, o pedido de arquivamento formulado pela Subprocuradora-Geral da República Cláudia Sampaio Marques baseia-se no argumento de que não existe justa causa para o prosseguimento da investigação, tendo em vista a ausência de indicação de elementos concretos de autoria e materialidade que sinalizem a participação da investigada (MARTA TERESA SUPLICY) nos fatos em apuração.

Nestes termos, na linha da manifestação do Ministério Público Federal (fls. 986-988), determino a remessa dos autos ao Juízo de Direito do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária/SP (fl. 975).

Intime-se a defesa e a acusação.

Brasília, 10 de abril de 2008.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

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