Segunda leitura

Segunda Leitura: STF não é para decidir conflitos entre pessoas

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  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

4 de maio de 2008, 0h00

Vladimir Passos de Freitas 2 - por SpaccaSpacca" data-GUID="vladimir_passos_freitas1.jpeg">Há cerca de seis anos, em Brasília, um juiz da Nova Zelândia, que participava de um congresso no STJ, pediu-me para levá-lo ao Supremo Tribunal Federal. Lá fomos nós. Em visita ao gabinete de um dos mais destacados ministros, encontramos milhares de processos. Estavam espalhados nos escaninhos, mesas, sofás e até no chão. O neozelandês, surpreso, perguntou-me: o que é isso? Sem ter como explicar, fingi não entender a pergunta.

Dia 30 de abril de 2008, em sessão histórica, o STF deu o primeiro passo na mudança de rumos. Tudo começou com a Constituição de 1988. A corte suprema passou a receber milhares de recursos e ações originárias. Afinal, se tudo está previsto na Constituição, tudo pode merecer Recurso Extraordinário sob a alegação de ofensa à Carta Magna. E assim o STF tornou-se lento, pesado e ineficiente. Tudo em nome da democratização do Poder Judiciário. Foi um erro histórico.

Na sessão de quarta-feira passada (30/4), o STF julgou as duas primeiras ações de repercussão geral. É inovação trazida pela Emenda Constitucional 45/04 (Reforma do Judiciário), que alterou o artigo 102, parágrafo 3º, da Constituição Federal. O artigo. 543-A, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, sentenciou: “para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”. E de sobra editará súmulas vinculando o Judiciário e a administração.

Aí está. A partir de agora, não se leva à corte litígios entre particulares, questões menores. Apenas o que interessa à nação, à coletividade. Só o que ultrapasse os limites da causa, que vá além, que tenha reflexos econômicos, políticos, sociais ou jurídicos. O STF não é tribunal para decidir conflitos entre pessoas, mas sim as causas da nacionalidade. Assim é na absoluta maioria dos países. Exceção é a Suprema Corte de Cassação da Itália, aonde praticamente todos os recursos chegam e seus 360 juízes não conseguem agilizar a Justiça. A Itália, constantemente, é chamada a responder na Corte Européia de Direitos Humanos pelo atraso da sua Justiça.

O resultado prático da decisão do STF é animador. De acordo com o parágrafo 5º do artigo 543-A do CPC, negada a repercussão geral, todos os recursos existentes sobre matéria idêntica serão indeferidos. O primeiro caso, referente ao uso do salário mínimo como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou privado, encerrará discussão de milhares de processos. Só no TST serão 2.405.

Por óbvio, esta não será a solução definitiva para a morosidade do Judiciário. Mas é um primeiro e importante passo. E é emblemático, porque traz os operadores jurídicos de volta à realidade: entre o ser e o dever ser há uma grande distância, e permitir o acesso irrestrito ao STF (ideal) significa, simplesmente, impossibilidade de julgamento das questões mais importantes (realidade), razão pela qual a opção razoável é a de limitar os recursos. Como diziam os antigos: não se faz omelete sem quebrar os ovos. A partir de agora, a corte suprema será outra.

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