Mão dupla

Os caminhos percorridos pela multa de trânsito

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1 de maio de 2008, 0h00

Poucas matérias têm um debate tão intensamente prolongado na mídia como a questão do trânsito. Não é por menos, afinal o tema faz parte, direta ou indiretamente, da vida de qualquer pessoa, seja na condição simples de pedestres até adentrar no envolvimento direto em acidentes automobilísticos e suas seqüelas.

Não obstante a esse fato, a profissionalização na área de trânsito ainda é deficitária. O ensino de trânsito, não faz muito tempo (e, por vezes, é assim ainda hoje), constituía-se num breve estudo de um manual do motorista, para fins de aprovação nos exames dos órgãos expedidores das carteiras de habilitação. Não cabe aqui desmerecer tal literatura, mas é insuficiente às necessidades da nova legislação.

O presente artigo tem o propósito de analisar detalhadamente apenas uma das muitas problemáticas do Código de Trânsito Brasileiro, qual seja: o procedimento administrativo de aplicação de penalidade de multa por infração de trânsito. Por fim, tomar-se-ão as conclusões obtidas pelo presente artigo, que certamente contribuirá com a realidade que envolve a questão da imposição de penalidade de multa por infração de trânsito, especificamente sua aplicação pelos órgãos da Administração Pública competentes.

Basicamente, neste estudo, foi utilizada a pesquisa bibliográfica, em especial de renomados autores na área de direito administrativo, além do texto de normas jurídicas aplicáveis ao tema e de decisões jurisprudenciais, para abordar a penalidade de multa por infração de trânsito. O método dedutivo adotado auxilia na compreensão de um ato administrativo específico, como a aplicação de penalidade de multa por infração de trânsito, a partir do estudo do ato administrativo genérico.

Dentre os renomados autores administrativistas, não se poderia deixar de se abordar a tradicional e pioneira obra de Hely Lopes Meirelles, que se pode afirmar ter sido o autor que introduziu, nos anos sessenta, a doutrina sobre o direito administrativo no Brasil. A obra intitulada “Direito Administrativo Brasileiro” já está em sua trigésima edição, desde a primeira de 1973 e vem sendo editada com atualizações de outros autores, em face do falecimento do autor em 1990.

A obra de Meirelles, em que pese sua importância, apresenta algumas defasagens em relação às modernas correntes que vem introduzindo relevantes modificações na doutrina do direito administrativo brasileiro.

Dentre os expoentes dessa nova doutrina, destaca-se a obra de Maria Sylvia Zanella di Pietro. Mais completa e atual, a obra aborda o direito administrativo dentro da visão de garantias introduzidas pela Constituição de 1988.

Todavia, em sua obra intitulada “Curso de Direito Administrativo”, a autora não apresenta uma quebra em relação à teoria dominante acerca do “ato administrativo”, mantendo-se fiel à teoria tradicional dos cinco elementos do ato, fulcrada na Lei da Ação Popular e na ampliação do ato jurídico civil.

A revolução sobre o tema “ato administrativo” é verdadeiramente introduzida por Celso Antônio Bandeira de Mello. Em sua obra, o autor faz uma abordagem detalhada e criteriosa do ato administrativo, desdobrando-o em mais de cinco elementos constitutivos e até mesmo questionando essa estrutura.

Quando o ato administrativo passa a ser abordado pelo autor como detentor de mais elementos e pressupostos de constituição, o seu estudo deixa de ser limitado por esta visão, o que permite aos leitores uma melhor correlação desses elementos e atributos com atos administrativos específicos, atendendo melhor ao objetivo de elaboração de uma teoria geral.

Por fim, como obra de referência ao assunto específico, é utilizada a obra de Geraldo de Faria Lemos Pinheiro e Dorival Ribeiro. Em Código de Trânsito Brasileiro Interpretado, os autores explicam de maneira ilustrativa e técnica cada artigo da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 (que institui o Código de Trânsito Brasileiro).

A complexidade da determinação de uma “Teoria Geral dos Atos Administrativos” já se prenuncia na definição de um conceito e na delimitação do tema, visto sua amplitude. A doutrina em geral, e especialmente a de Di Pietro (2001, pp. 175-6), se baseia, para alcançar uma definição final, numa distinção entre ‘atos administrativos’ e ‘atos [ou fatos] da Administração’. Ainda, para Bandeira de Mello (2003, pp. 339-43), os ‘atos da Administração’ estão inseridos em um conceito amplo dos fatos jurídicos (da Teoria Geral dos Atos Jurídicos do Direito Civil) e englobam os atos administrativos.

Quanto mais amplo o conceito doutrinário de Ato Administrativo, mais próximo o mesmo alcançará o conceito de Fato da Administração, mas sem, contudo igualar seu conteúdo. Dos autores estudados, adotam conceito mais restrito Hely Lopes Meirelles e Maria Sylvia Zanella Di Pietro, respectivamente: Ato Administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos ou impor obrigações aos administrados ou a si própria. (Meirelles, 2002, p. 145 – Conceito baseado no artigo 81 do Código Civil de 1916).


Já Celso Antônio Bandeira de Mello, que se atém com maior afinco à problemática da determinação do conceito de ato administrativo, adota um viés mais amplo em sua definição, abaixo transcrita:

declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes, por exemplo, um concessionário de serviço público) no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei, a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional. (BANDEIRA DE MELLO, 2003, p. 352)

Apesar do exposto, Bandeira de Mello (2003) diz que seu conceito amplo pode se tornar mais ou menos restrito se adicionados a ele as restrições de “concretude” (que eliminariam os atos normativos) e/ou de “unilateralidade” (que eliminariam os contratos administrativos da definição ampla).

A doutrina tradicional do ato administrativo tem sua expressão no Artigo 2.º , Incisos da Lei 4.717, de 29 de junho de 1965. A lei da Ação Popular orienta a doutrina ao estabelecer cinco “pontos” que, se violados pela Administração, legitimariam qualquer do povo para intentar ação constitucional em defesa do interesse público, quais sejam: competência (sujeito), objeto, forma, motivo e finalidade.

A teoria tradicional dos cinco elementos do ato administrativo parece se ajustar perfeitamente a atos simples ou singulares, mas não a atos complexos e dependentes de um processo (ou procedimento) administrativo. Outros são os esgotamentos da doutrina tradicional dos cinco elementos, como, por exemplo, confundir em um mesmo elemento forma, formalidades e procedimento e, também, dar tratamento único ao motivo do ato, causa e a sua motivação.

Celso Antônio Bandeira de Mello (2003) em seu Curso de Direito Administrativo, ampliou a doutrina tradicional ao criticar uma ligação “reducionista” entre a Lei da Ação Popular e os elementos do ato administrativo, mas sem, contudo, em sua teoria, deixar de abarcar todos os elementos daquela doutrina, com maior rigor de detalhamento e sem a preocupação em repetir a lei.

Assim, vejamos as diferenças essenciais entre a doutrina tradicional e a de Bandeira de Mello (2003), menos restritiva: Para a doutrina tradicional, o ato administrativo possui cinco elementos básicos, que têm sua exteriorização no Artigo 2.º da Lei da Ação Popular que, conforme Meirelles (2002, p. 146) são: competência, objeto, forma, motivo e finalidade.

Em verdade, a teoria tradicional dos elementos do ato administrativo formou-se pela ampliação dos elementos do ato jurídico do Direito Civil, atualmente previstos pelo Artigo 104 do Código Civil (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002). São requisitos de validade dos negócios jurídicos, segundo o Artigo 104 do Código Civil: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinável ou determinado; e III – forma prescrita ou não defesa em lei.

Não há que se falar, todavia, que a doutrina tradicional dos cinco elementos, seguida por Hely Lopes Meirelles (2002) e Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2001) e outros é infundada, incorreta ou mesmo ultrapassada. Afinal, todos os autores tratam o ato administrativo de forma diversa do ato ou negócio jurídico civil, apontando os pressupostos, requisitos ou elementos que diferenciam um e outro, havendo apenas muitas divergências terminológicas e enfoques diferenciados.

Pela doutrina de Bandeira de Mello (2003), o ato administrativo se divide em dois elementos (Conteúdo e Forma), garantidos por pressupostos de existência (objeto e pertinência à função administrativa) e de validade (sujeito, motivo, procedimento, finalidade, causa e formalização).

A forma pormenorizada como Bandeira de Mello (2003) trata o ato administrativo, principalmente quanto a seus elementos e pressupostos, permite um estudo mais aprofundado de qualquer ato administrativo específico, o que facilita a compreensão e, principalmente, a identificação de vícios que o invalidem.

Aplicando a teoria, o processo administrativo é um pressuposto objetivo de validade dos atos administrativos em geral (pressuposto procedimental), segundo a doutrina de Bandeira de Mello (2003), e está vinculado à garantia constitucional ao devido processo legal (artigo 5º, Inciso LIV, CRFB/Constituição da República Federativa do Brasil). Assim, Bandeira de Mello (2003, p.370) define os requisitos procedimentais como sendo “…os atos que devem, por imposição normativa, preceder a um determinado ato. Consiste em outros atos jurídicos, produzidos pela própria Administração ou por um particular, sem os quais um certo ato não pode ser praticado.”

O processo administrativo de imposição de penalidade de multa por infração de trânsito está regulamentado pelos artigos 280 a 290 do Código de Trânsito Brasileiro (capítulo XVIII). O capítulo mencionado está dividido em duas seções: I – Da autuação e II – Dos julgamentos da autuação e das penalidades.


a) Da autuação

Verificada a infração pelo agente da autoridade de trânsito, o mesmo deve autuar o infrator, emitindo o Auto de Infração de Trânsito — AIT (artigo 280, CTB).

Para autuar o agente deve se utilizar de sua declaração de ter presenciado a infração tipificada (artigo 280, parágrafo 2º, CTB), tal declaração tem “fé pública”, por decorrência até mesmo do princípio da presunção de legitimidade que detém qualquer ato administrativo. Por tal dispositivo é defeso ao agente autuar o infrator com base em declarações de terceiros.

A autuação poderá ser gerada, ainda, sem a declaração de agente de autoridade de trânsito, mas com fundamento em equipamento eletrônico ou aparelho audiovisual, reações químicas ou quaisquer outros meios tecnologicamente hábeis (Artigo 280, parágrafo 2º, CTB), desde que tais equipamentos e procedimentos sejam regulamentados pelo Contran — Conselho Nacional de Trânsito. A regulamentação para autuação por equipamentos se dá pela Resolução 146, de 27 de agosto de 2003 (radares de velocidade), Resolução 206, de 20 de outubro de 2006 (medidores de alcoolemia) e Resoluções 258, de 30 de novembro de 2007 (verificação de excesso de peso e dimensões em veículos).

Todas as regulamentações citadas, em especial a relativa a radares de velocidade, têm sido a origem das maiores polêmicas na aplicação de penalidades de trânsito. Por serem questões técnicas da área da metrologia legal, com legislação federal específica, não se deve furtar o Contran de considerar as diretrizes do Conselho e do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro e Inmetro).

Apesar do exposto, diversas fiscalizações dependentes de aparelhos metrológicos e de análise de reações químicas ainda não são aplicadas (ou são ilegalmente), por falta de regulamentação específica do Contran e/ou homologação de equipamentos, como por exemplo: aplicação de medidor de intensidade de nível sonoro (para infrações aos artigos 228, 229 e 230, XI do CTB), analisador de gases e poluentes (infrações tipificadas pelo artigo 231, III do CTB), verificador de transparência de vidros (artigo 111 c/c 230, XVI do CTB), a própria medição dimensional de veículos (artigo 231, IV do CTB).

Quanto aos exames de alcoolemia e de efeito de entorpecentes e substâncias psicotrópicas, há especial polêmica, visto que são procedimentos que dependem da colaboração do infrator, a que, por princípio, não estaria obrigado.

b) Do julgamento das autuações e penalidades

O auto de infração emitido deverá ser cientificado pelo agente de trânsito ao infrator, entretanto tal procedimento deve ser observado pelo agente sempre que possível (artigo 280, inciso VI, CTB). Caso não seja possível o flagrante ou o infrator se negue a tomar ciência do auto, o agente deve explicitar o fato no próprio AIT, encaminhando o Auto à autoridade de trânsito (artigo 280, parágrafo 3º, CTB).

Acerca da negativa de tomar ciência do AIT pelo infrator, em nada implica sobre a validade do procedimento, não trazendo qualquer presunção de culpabilidade ou inocência, que se extrai da própria exposição de motivos ao veto do parágrafo 1º do artigo 280, CTB, que tinha a seguinte redação:

(…) a recusa de receber a notificação ou de aposição de assinatura pelo infrator, certificada pelo agente no auto de infração, constituirá indício de que a transgressão foi cometida.

Razões do veto: o parágrafo 1º do dispositivo considera indício de que a transgressão de trânsito foi cometida se houvera recusa de receber a notificação ou de aposição de assinatura do infrator. Tal dispositivo pode consagrar um modelo jurídico incompatível com o princípio da presunção de inocência.

A que se observar, ainda, que o flagrante da infração de trânsito será possível, somente, em face do condutor do veículo, que não necessariamente será o infrator, conforme se depreende do artigo 257 do CTB, o que implica na necessidade de se cientificar regularmente o infrator, conforme dispõe o artigo 280 do CTB. A ciência da infração somente será válida se dada ao infrator (notificação do inciso VI, artigo 280, CTB).

Caso não seja possível cientificar o infrator em flagrante ou o mesmo negar ciência ao AIT, o procedimento deverá ser feito por outro meio hábil, que garanta a ciência inequívoca do proprietário do veículo, que é o responsável solidário pela infração (caso não seja o próprio infrator), segundo artigo 257, parágrafo 7º do CTB. A notificação da infração terá que ser expedida em até trinta dias (artigo 281, Inciso II do CTB). Conforme, Pinheiro e Ribeiro (2000, p. 446), a recusa não impede mesmo que o agente entregue ao condutor uma via do AIT:

Mais evidente ficará a obrigatoriedade de se notificar o proprietário, caso se considere que se estará privando o mesmo de tomar ciência da infração pela liberalidade do condutor, que pode ser até mesmo uma pessoa não autorizada pelo proprietário ou, ainda, pode ser o próprio proprietário do veículo o responsável pela infração (e não o condutor), sendo irrelevante a negativa de assinatura do condutor.


O artigo 257, parágrafo 7º do CTB estabelece um prazo de 15 dias da notificação da infração para o proprietário do veículo indicar à autoridade de trânsito os dados do real infrator; não fazendo, será o proprietário responsabilizado pela infração. A indicação do real infrator deve ser realizada, conforme disposto na Resolução 149, de 19 de setembro de 2003, publicada no Diário Oficial da União em 13 de outubro de 2003 (que revogou a Resolução 17 do Contran, de 6 de fevereiro de 1998, a qual tratava da matéria nos mesmos termos), com o preenchimento de formulário de dados, assinatura do infrator e entrega de documentos do mesmo, o que implica na desnecessidade de encaminhamento de nova notificação do AIT ao infrator indicado, posto que se encontra certamente cientificado de seu ato.

Ocorrendo a autuação e expedido o auto de infração no prazo de quinze dias, o infrator tem direito de se defender previamente, perante a autoridade de trânsito competente, fundamentando seu requerimento com base na irregularidade ou inconsistência do AIT (artigo 281, Inciso II, CTB) ou, ainda, sua expedição intempestiva (artigo 281, Inciso II, CTB).

O artigo 3º, parágrafo 1º da Resolução 149/03 do Contran dispõe que “… quando utilizada a remessa postal, a expedição se caracterizará pela entrega da Notificação da Autuação pelo órgão ou entidade de trânsito à empresa responsável por seu envio.” Tal disposição vem ao menos coibir abusos de alguns órgãos executivos de trânsito que consideravam a expedição a data de emissão da notificação da autuação e não sua entrega à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – EBCT.

É relevante salientar que cabe à autoridade, de ofício, anular os AITs julgados não conformes às diretrizes do artigo 281 do CTB, por diversas razões de direito, dada a prerrogativa que detém a Administração de rever seus próprios atos (Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal).

O prazo para a defesa prévia não foi expresso pelo CTB, aplicando-se o prazo de trinta dias (pelo menos até a vigência da Resolução 149/03 do Contran que foi publicada em 13/10/2003) previsto pelo Artigo 282, parágrafo 2º do CTB, regulamentado pela Resolução 568, de 25 de novembro de 1980, do Contran (com alteração instituída pela Resolução 744/89 do Contran), diretriz recepcionada pelo CTB, posto que não conflitante com a norma atual e que, nos termos do artigo 314 do CTB, não foi revisada pelo Contran.

Com o advento da Resolução 149/2003 do Contran, a partir de 180 dias da publicação (13 de outubro de 2003), este prazo foi reduzido, conforme artigo 3º, parágrafo 2º que dispõe: “Da Notificação da Autuação constará a data do término do prazo para a apresentação da Defesa da Autuação pelo proprietário do veículo ou pelo condutor infrator devidamente identificado, que não será inferior a 15 dias, contados a partir da data da notificação da autuação.”

Por fim, julgado consistente e regular o Auto de Infração de Trânsito e, ainda, sua regular notificação, a autoridade aplicará a penalidade de multa (e outras), ou a susbstituirá pela pena de advertência escrita, nos casos previstos pelo artigo 267 do CTB e mediante requerimento. Da imposição da penalidade de multa, o infrator ou proprietário deve ser notificado por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil, que assegure a ciência da penalidade (artigo 282, caput, CTB). Da notificação da aplicação da penalidade pela autoridade de trânsito não há prazo expresso no CTB, restando a limitação prescricional, em âmbito federal ou por analogia, de cinco anos.

A partir da aplicação da penalidade de multa e sua notificação, ao proprietário está imposto a exigibilidade, atributo inerente ao ato; estando, portanto, obrigado ao pagamento. Pode, contudo, recorrer da decisão à Jari — Junta Administrativa de Recursos de Infrações, vinculada ao órgão que aplicou a penalidade de multa, no prazo de, no mínimo, trinta dias da notificação (artigo 282, parágrafo 4º, CTB), com termo no dia arbitrado para o vencimento do pagamento da multa (artigo 282, parágrafo 5º, CTB).

A partir da notificação regular de aplicação da penalidade de multa, pela autoridade de trânsito, o proprietário não poderá licenciar o veículo com débito, visto o disposto no artigo 131, parágrafo 2.º do CTB; exigência que não se aplica se o proprietário não foi regularmente notificado, como se depreende de matéria sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça, que afirma na Súmula 127: “É ilegal condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de multa, da qual o infrator não foi notificado.”

Apesar do exposto, o Contran cometeu uma falha no artigo 11 da Resolução 149/03, ou não se expressou claramente, ao considerar o termo da exigibilidade a data da aplicação da penalidade, regulamentando nestes termos: “Não incidirá qualquer restrição, inclusive para fins de licenciamento e transferência, nos arquivos do órgão ou entidade executivo de trânsito responsável pelo registro do veículo, até que a penalidade seja aplicada.” A data do termo inicial de exigibilidade é a da regular notificação do proprietário, como anteriormente exposto.


O efeito suspensivo do recurso à Jari pode ser concedido pela autoridade de trânsito, se o julgamento se estender por mais de trinta dias, de ofício ou a requerimento do interessado (artigo 285, parágrafo 3.º do CTB). Como exemplo, o órgão executivo de trânsito de Santa Catarina (Departamento de Trânsito – Detran) lança automaticamente no sistema a suspensão do débito se o julgamento do recurso ultrapassar o prazo de trinta dias.

A problemática de aplicação, pela Administração, do devido processo para imposição de penalidade de multa por infração de trânsito, segundo o estabelecido pelo Código de Trânsito Brasileiro, reside na “observação do novo com os olhos do velho”, segundo dito popular, posto que a burocracia administrativa vem insistindo em não rever seus procedimentos, anteriormente fulcrados no Código Nacional de Trânsito (Lei 5.108, de 22 de setembro de 1966) e seu regulamento (RCNT, Decreto 62.127, de 16 de janeiro de 1968).

Na vigência do antigo código, o processo administrativo tinha apenas duas instâncias, sendo a Jari a última (para onde se dirigiam os recursos) e a autoridade de trânsito a primeira (onde se direcionavam as defesas prévias). Para recorrer à Jari era obrigatório o pagamento da multa (Artigo 115, parágrafo 1.º do antigo CNT), o que levou alguns a concluir apressadamente que, na lei atual, o Conselho Estadual de Trânsito – Cetran ou Conselho de Trânsito do Distrito Federal – Contradife (ou, ainda, Contran, nas multas da Polícia Rodoviária Federal) faz as vezes da antiga Jari, estando o instituto da defesa prévia extinto, mantendo-se o antigo sistema de duas instâncias.

Tal fato não se verifica, até mesmo pela consolidada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em várias decisões, que admite que houve recepção de antigas Resoluções do Contran, que regulamentavam o instituto da defesa prévia, como ficou assentado na Súmula 312 do STJ que diz: “No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração.”

Por derradeiro, das decisões da Jari, cabe recurso ao Conselho Estadual de Trânsito – Cetran ou Conselho de Trânsito do Distrito Federal — Contradife (ou, ainda, ao Contran, em caso de multas aplicadas pela Polícia Rodoviária Federal), sendo necessário a prova do pagamento da multa aplicada, conforme artigo 288, parágrafo 2º do CTB. O recurso pode ser proposto pelo infrator em caso de decisão de manutenção da penalidade pela Jari ou, até mesmo, pela autoridade, se a decisão da Jari for pela anulação do ato.

Discute-se a constitucionalidade de se exigir a comprovação de pagamento da multa antes da interposição de recurso perante o Cetran, Contradife ou Contran, em face do princípio de garantia ao devido processo legal ou do princípio do duplo grau de “jurisdição”. Outrossim, por ser exigência legal, s.m.j., não há lesão a direito, visto mesmo o teor, por analogia, do artigo 56, parágrafo 2º da Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Federal, que admite a caução para se aceitar recurso, se houver previsão legal para tanto.

Se a multa foi paga até o vencimento com 20% de desconto (artigo 284, caput, CTB) ou após o vencimento pelo seu valor integral, o administrado terá direito ao ressarcimento dos valores pagos indevidamente com correção, conforme artigo 286, parágrafo 2º do CTB.

Assim, a Teoria Geral do Ato Administrativo foi abordada com fundamento nos mais renomados autores administrativistas brasileiros. Buscou-se sempre não perder de vista o objeto do presente estudo, qual seja: a penalidade de multa por infração de trânsito. Com isso, foram tratados o conceito de ato administrativo, atributos, classificação e, por fim, seus elementos e pressupostos.

Em matéria processual, desde a vigência do Código, é mister que se disponibilize ao infrator possibilidade de previamente se defender em face da autuação, sendo que as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações — Jaris e os Conselhos são verdadeiras instâncias recursais.

Por fim, a relevância de tal estudo está fulcrada na análise dos vícios dos atos administrativos de penalidade de multa por infração de trânsito, não somente como forma simples de livrar os infratores de penalidades, mas sim de possibilitar uma aplicação do direito e dos princípios administrativos na formação de atos válidos, também no Direito de Trânsito.

Referências bibliográficas

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 15.ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Curso de Direito Administrativo. 13.ª ed., São Paulo: Átlas, 2001.

LAZZARI, Carlos Flores e WITTER, Ilton da Rosa. Nova coletânea de legislação de trânsito. 19.ª ed., Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2002.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27.ª ed., São Paulo: Malheiros: 2002.

PINHEIRO, Geraldo de Faria Lemos e RIBEIRO, Dorival. Código de Trânsito Brasileiro Interpretado. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000.

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