Fora do foro

STF deve rejeitar recurso da Vale contra o Cade, diz PGR

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28 de junho de 2008, 0h01

O Supremo Tribunal Federal não deve acolher recurso no qual a Vale pede indenização prévia para cumprir as restrições que lhe foram impostas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) quando a empresa adquiriu oito mineradoras. O entendimento é da Procuradoria-Geral da República, em parecer enviado ao Supremo.

Para o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, a matéria é infraconstitucional e não deve ser apreciada pelo STF. O recurso da empresa, de relatoria da ministra Ellen Gracie, será julgado pelo plenário da Corte.

“Não obstante a invocação de preceitos constitucionais — tais como a razoabilidade, proporcionalidade, devido processo legal e direito de propriedade —, verifica-se que o que se está a debater, efetivamente, no processo, é o alcance da competência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica no que se refere ao controle de atos e contratos”, argumenta o procurador-geral da República. E, de acordo com Antonio Fernando, esse debate é infraconstitucional. Logo, seu foro não é o Supremo.

A Vale já briga há quase três anos na Justiça contra a decisão do Cade. Em agosto de 2005, o Cade decidiu que para a compra das mineradoras ser concretizada, a empresa deveria atender uma entre duas condições: ou vendia a Ferteco, uma das empresas adquiridas, ou abria mão do direito de preferência na compra de excedente de minério de ferro da Casa de Pedra, de propriedade da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).

Em janeiro deste ano, a ministra Ellen Gracie frustrou a tentativa da Vale de só cumprir a decisão do Cade depois de receber indenização da CSN. A ministra arquivou Reclamação da empresa contra decisão do então presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Raphael de Barros Monteiro Filho.

O ministro derrubou decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que autorizou a empresa a cumprir as restrições impostas pelo Cade somente após receber indenização. A Vale alegou que caberia ao STF, e não ao STJ, julgar o pedido para suspender decisão favorável à empresa, por envolver questões constitucionais.

A empresa argumentava que o prazo estabelecido pelo Cade para que ela decidisse o que fazer foi exíguo. Sustentava que havia necessidade de avaliar um dos ativos adquiridos antes de fazer a opção e que deveria ser indenizada pela Companhia Siderúrgica Nacional, por ter perdido os direitos de preferência na compra do excedente do minério de ferro.

A ministra Ellen Gracie rebateu. Afirmou que o presidente do STJ “agiu no âmbito de sua competência”, uma vez que o caso envolve também matéria infraconstitucional. E, ainda, deu uma chamada na empresa. Segundo a ministra, a Vale estava “tentando, mais uma vez, sobrepor os seus interesses privados, de índole patrimonial, ao interesse público, qual seja, a defesa da ordem econômica”. Disse ainda que “a CVRD [Vale] tenta subordinar o interesse público, consubstanciado na defesa da livre concorrência, ao seu interesse privado de ter seu patrimônio devidamente ressarcido pela CSN, antes da execução do acórdão do Cade”.

De acordo com a ministra, o cumprimento da decisão do Cade não pode ser subordinado à prévia resolução de questões patrimoniais, de natureza eminentemente privada, que devem ser equacionadas no foro adequado. “Cabe à CVRD buscar o seu direito ao ressarcimento da preferência de exploração da Mina Casa de Pedra no juízo cível competente, ajuizando, se for o caso, ação contra a CSN”, explicou na ocasião.

Em todas as instâncias, o Judiciário vem confirmando a decisão do Cade. Na ação principal, a Vale contesta a votação no Cade que lhe impôs restrições no mercado de minério de ferro. A decisão foi tomada por quatro votos a três, após o voto de desempate da presidente do Cade, Elizabeth Farina. Segundo a Vale, a presidente não poderia ter desempatado a votação, pois já havia votado.

Neste caso, a Vale ganhou liminares em todas as instâncias, que foram depois derrubadas nos julgamentos de mérito. No final de 2007, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, por três votos a dois, não conhecer do recurso da Vale por entender que não se tratava de discussão de matéria constitucional.

Assim, ficou mantida a decisão do Superior Tribunal de Justiça que validou o voto da presidente do Cade. Desta decisão cabe ainda Embargos de Declaração, que na prática não tem poder para mudar a decisão e sim apenas esclarecer pontos que, eventualmente, ficaram obscuros.

Agora, no que depender do MPF, a empresa também não receberá indenização da CSN antes de ter de se desfazer de parte de suas aquisições.

Leia o parecer

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Nº 4074-PGR-AF

AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO Nº 5.780-1/190

AGRAVANTE: COMPANHIA VALE DO RIO DOCE


AGRAVADO: PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (SUSPENSÃO DE SEGURANÇA Nº 1.793)

RELATOR: Ministra Presidente

RECLAMAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO AGRAVADA QUE NÃO RECONHECEU, NA ATUAÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA AO APRECIAR PEDIDO DE SUSPENSÃO DE SEGURANÇA, O ALEGADO DESRESPEITO À COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DEBATE ACERCA DO ALCANCE DA COMPETÊNCIA DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA – CADE, DELINEADO NO ART. 54 DA LEI Nº 8.884/94. CAUSA PRINCIPAL QUE SE RESOLVERÁ NO CAMPO DO DIREITO INFRACONSTITUCIONAL. PARECER PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO.

1. Trata-se de agravo regimental interposto pela Companhia Vale do Rio Doce – CVRD de decisão que negou seguimento à reclamação que ajuizou contra decisum do Superior Tribunal de Justiça nos autos da Suspensão de Segurança nº 1.793.

2. A controvérsia tem origem em ação proposta pela agravante em face do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, por meio da qual busca a anulação de parte do acórdão proferido pela autarquia nos Atos de Concentração nº 0812.005226/2000-88, 08012.005250/2000-17 e 08012.002838/2001-38 – que dizem respeito ao descruzamento societário da CVRD e da CSN e à aquisição da Ferteco Mineração S/A pela CVRD -, que fixou prazo para a CVRD (que, segundo o CADE, não poderia permanecer com dois grandes ativos do seu patrimônio) optar entre permanecer com a Mineração Ferteco ou com os direitos de preferência sobre o excedente da produção da Mina Casa de Pedra.

3. Argumenta a Companhia Vale do Rio Doce, na ação referida, que, quanto ao Ato de Concentração relativo à Ferteco, o CADE estabeleceu que, fazendo opção por sua alienação, teria a Companhia prazo para reunir, auditar e avaliar os ativos respectivos. O mesmo não teria feito, todavia, quanto à opção referente à eliminação das cláusulas de preferência sobre a Mina Casa de Pedra. Determinou o CADE, nesse ponto e caso fosse essa a opção da Companhia, que o ativo da Mina seria transferido, simplesmente – e sem, aqui, fixar prazo para a avaliação dos ativos -, do patrimônio da CVRD para o da CSN, o que importaria renúncia de direito ou doação para cuja imposição não teria o CADE competência legal. A Companhia ataca, assim, especificamente, a omissão da autarquia quanto à fixação de prazo para a avaliação dos ativos e à garantia de prévia indenização.

4. O pedido de antecipação de tutela formulado naquela ação foi indeferido e, posteriormente, em sede de agravo de instrumento (com pedido de antecipação de tutela recursal), deferido pelo Tribunal Regional Federal/1ª Região.

5. Formulou o CADE, então, perante o Superior Tribunal de Justiça, requerimento de suspensão da decisão referida (fls. 130-152) – autuado naquela Corte como SS nº 1.793 – que foi deferido. Ressaltou o Ministro Presidente daquela Corte que o não-cumprimento do acórdão em questão compromete a tutela administrativa de defesa da ordem econômica, impedindo o normal exercício das atribuições da autarquia, e faz consolidar a subsistência dos efeitos da conduta anticoncorrencial, em detrimento da economia nacional e dos consumidores.

6. Contra o acórdão em questão se insurge, pela via da reclamatória, a CVRD, argumentando, em resumo, que a causa tem por fundamento jurídico matéria eminentemente constitucional – a garantia do direito de propriedade e a observância do devido processo legal -, de modo que caberia ao Supremo Tribunal Federal – e somente a ele, em vista do comando do art. 25 da Lei nº 8.038 – a apreciação do requerimento de suspensão mencionado.

7. A Presidência dessa Corte, para negar seguimento à presente, concluiu que não se pode falar em competência privativa do Supremo Tribunal Federal para examinar pedido de suspensão quando as questões debatidas são, como na espécie, de índole constitucional e infraconstitucional.

8. Em seu agravo, diz a CVRD que a decisão agravada ofende o entendimento do Plenário da Corte sobre o que seria a correta interpretação do art. 25 da Lei nº 8.437/92, no sentido de que basta a existência de matéria constitucional no processo originário – ainda que com ela concorra matéria legal – para estar caracterizada a competência do STF para a análise do pedido de suspensão.

9. Vieram os autos à Procuradoria Geral da República.

10. Com as vênias devidas, o agravo deverá ser desprovido.

11. É que, apesar do caráter constitucional que pretendeu dar a reclamante ao debate, com o brilho da pena ilustre dos seus patronos, a matéria é de natureza essencialmente infraconstitucional, que só reflexa ou indiretamente envolve preceitos constitucionais.

12. Volta-se a reclamante/agravante, na ação a que vinculado o pedido de suspensão analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, contra: (i) a fixação de prazo exíguo para que a CVRD fizesse a opção já referida; (ii) a ausência de estabelecimento da necessidade de avaliação de um dos ativos (Casa de Pedra) antes da opção e da obrigação da CSN de lhe indenizar pela eliminação dos direitos de preferência; e (iii) a inversão da ordem cronológica dos atos ao determinar que a opção seja feita antes da avaliação.


13. Não obstante a invocação de preceitos constitucionais – tais como a razoabilidade, proporcionalidade, devido processo legal e direito de propriedade -, verifica-se que o que se está a debater, efetivamente, no processo, é o alcance da competência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica no que se refere ao controle de atos e contratos, delineada pelo art. 54 da Lei nº 8.884/94 do seguinte modo:

“Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possa limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE.

(…)

§ 9º. Se os atos especificados neste artigo não forem realizados sob condição suspensiva ou deles já tiverem decorrido efeitos perante terceiros, inclusive de natureza fiscal, o Plenário do CADE, se concluir pela sua não aprovação, determinará as providências cabíveis no sentido de que sejam desconstituídos, total ou parcialmente, seja através de distrato, cisão de sociedade, venda ativos, cessação parcial de atividades ou qualquer outro ato ou providência que elimine os efeitos nocivos à ordem econômica, independentemente da responsabilidade civil por perdas e danos eventualmente causados a terceiros”.

14. Com base nesse dispositivo e de modo a preservar a autoridade do CADE é que deferiu o Superior Tribunal de Justiça o pedido de suspensão da decisão que sobrestava os efeitos do acórdão da autarquia:

“O não-cumprimento do acórdão proferido pelo CADE, após o emprego de vários expedientes de cunho judicial, constitui ofensa à ordem pública administrativa, uma vez que compromete –- à evidência –- a tutela administrativa de defesa da ordem econômica, subverte a execução das deliberações administrativas emanadas da autarquia e impede o normal exercício de suas funções e atribuições”.

15. A alegada violação aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e do devido processo legal não parece ter força, por si, para fundamentar eventual recurso extraordinário e a sua análise, de todo modo, demandaria prévio confronto com o dispositivo legal acima transcrito e outros pertinentes.

16. No tocante ao pretendido desrespeito ao direito de propriedade, como admite a própria agravante/reclamante, o CADE reconhece o direito de indenização, só não o fixa naquela momento, entendendo que a questão é posterior e de cunho privado:

“Convém lembrar que a própria Procuradora do CADE afirmou, no seu parecer, a existência do direito da CVRD de ser indenizada pela CSN, conquanto tenha, equivocadamente, sugerido que tal recomposição se desse ‘na esfera privada’”. (fl. 72)

17. Não está em discussão, portanto, o próprio direito de propriedade da CVRD – não negado pelo CADE –, e sim a forma de atuação da autarquia, ou, mais especificamente, a obrigatoriedade de se determinar a auditagem e a avaliação dos ativos e de se obter a declaração da CSN de que pagaria o justo preço do direito de preferência.

18. É certo, assim, que, a despeito da invocação de preceitos constitucionais, o debate resolver-se-á no campo do direito infraconstitucional. Hígida se mostra, pois, a apreciação do pedido de suspensão respectivo pelo Superior Tribunal de Justiça.

Ante o exposto, o parecer é pelo desprovimento do recurso.

Brasília, 20 de junho de 2008.

ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS

VICE-PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

APROVO:

ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

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