Sem perseguição

Sargento gay tem pedido de liberdade negado pela Justiça Federal

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26 de junho de 2008, 19h22

O juiz José Airton de Aguiar Portela, da 12ª Vara Federal do Distrito Federal, negou pedido de liminar em Habeas Corpus ajuizado pelo sargento Fernando Figueiredo, 2º Sargento do Exército Brasileiro. O militar e seu companheiro, sargento Laci Marinheiro de Araújo, declararam publicamente que vivem juntos há 12 anos. O sargento queria liberdade. Não conseguiu.

Portela lembrou que o parágrafo 2º, do artigo 142 da Constituição, que trata das Forças Armadas, não permite o exame de ato militar no seu mérito. Ele ressaltou, no entanto, que a Justiça Federal pode analisar punições sobre disciplina militar que não atentem ao princípio da legalidade.

“Fixados os limites de atuação do Poder Judiciário, não cabendo perscrutar-se, por atuação judicial, se relacionamentos homoafetivos devem ser admitidos na carreira militar, atenho-me aos aspectos exógenos do caso que se me apresenta”, afirmou o juiz.

Ele entendeu que o próprio militar teve assegurado do direito da ampla defesa. O juiz também não vislumbra perseguição por parte do diretor do Hospital Geral de Brasília, onde ele trabalhava. Foi ele quem moveu processos administrativos contra o sargento.

As acusações dos processos eram as seguintes: apresentar com uniforme alterado em entrevista à revista Época, omitir informações sobre o sargento Araújo e ter viajado, sem autorização, para dar entrevista à RedeTV!.

“Todavia, não é este o ato que o paciente vindica ver obliterado, já que levado a efeito pelo comando do Exército e não pelo Diretor do HGB. Este, no caso, somente aplicou o regramento militar conforme demonstrou nas informações que prestou a este Juízo”, argumento Portela.

Para o juiz, o militar também não recebeu diversas punições pelo mesmo fato. “Da própria narrativa do Impetrante é possível perceber-se que, embora assemelhados, os fatos ensejadores da punição são diversos, e, portanto, reclamam penalidades distintas”, argumenta.

Na quarta-feira (25/6), o Exército confirmou o pedido de baixa do sargento Figueiredo. O processo de afastamento só deve começar a correr quando ele for libertado da prisão disciplinar. Essa foi a segunda prisão do sargento, desde que assumiu o romance com Araújo, que também está detido desde o dia 4 de junho, sob acusação de deserção.

Assim que deixar a prisão, Figueiredo deve passar por exames médicos e seu pedido de baixa deverá ser encaminhado para publicação no boletim do Exército. O Comando Militar do Planalto, que recebeu o pedido, avalia que o processo deve durar no máximo 15 dias.

Alcântara havia sido libertado no sábado (21/6), após cumprir pena de oito dias, sob a acusação de se ausentar sem avisar os superiores e omitir o paradeiro de Araújo, quando ele foi considerado desertor.

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL

12ª VARA

Decisão

Trata-se de Habeas Corpus, impetrado em favor de Fernando Alcântara de Figueiredo contra ato do Coronel do Exército Brasileiro, Antônio Cortes Marques. Alega, em síntese, que é 2º Sargento e desenvolve suas atividades no Hospital Geral de Brasília.

Relatou, ainda, que há 12 anos mantém relação homoafetiva estável com o também Sargento Laci Marinho de Araújo. Afirma que o tenente Ivanildo Clementino dos Santos adotou, em relação ao paciente e seu companheiro, uma conduta extremamente preconceituosa e homofóbica.

Que, a partir de 2006, o Comando do Exército resolveu separar o casal, removendo o Sargento Araújo para Osasco/SP e o Sargento Alcântara, para São Leopoldo/RS. Contudo, a transferência dos militares foi suspensa por decisão desta Justiça Federal.

Aduz, ademais, que a perseguição atingiu seu cume em 12 de abril de 2008, com a declaração de deserção do companheiro do Paciente, que se encontrava impossibilitado de comparecer ao trabalho por impedimento relacionado a gravíssimos problemas neuropsíquicos de que está acometido.

Prevendo que seu companheiro seria considerado desertor, com sua conseqüente prisão, resolveu dar publicidade à sua relação homoafetiva, assim concedendo entrevista à Revista Época. Por solicitação da Revista, foi fotografado usando uniforme militar. Em 4 de junho, deste ano, concedeu entrevista ao programa SUPERPOP, da Rede TV de televisão, nesta oportunidade, também, trajando uniforme militar. O Exército, contudo, adentrou as instalações da emissora RedeTV e prendeu o Sargento Laci, levando-o ao Hospital do Exército, em São Paulo, sendo, depois, transferido para Brasília.

O Impetrante retomou suas atividades regulares, quando, em 09.06.2008, foi notificado para defender-se em três processos administrativos. As acusações eram as seguintes: apresentar-se com uniforme alterado e em desacordo com as disposições em vigor, durante a entrevista concedida à Revista Época; ocultar informações sobre o local onde se encontrava o Sargento Araújo, que tinha contra si mandados de busca e apreensão; e, ausentar-se, sem a devida autorização, na ocasião em que viajou para São Paulo ao objetivo de conceder entrevista à RedeTV.

Em 13 de junho, do corrente ano, o Paciente apresentou sua defesa, mas no mesmo dia foram consideradas insuficientes as suas razões, tendo contra si conseqüente determinação de prisão por oito dias. Aduz, ainda, que, em 23 de junho recebeu nova sanção disciplinar.

Prestando informações a este juízo, a Autoridade, indigitada como coatora, sustentou a legalidade das sanções aplicadas.

Breve relatório, decido.

Antes, registre-se, por necessário, que, em relação a punições disciplinares, de acordo com o § 2º do art. 142 da Constituição Federal, não cabe Habeas Corpus. Logo, não se pode apreciar o mérito do ato militar, assim entendendo o exame dos aspectos fáticos da punição, sua conveniência e oportunidade. Todavia, é cabível se a punição disciplinar militar não atende aos princípios de legalidade, tais como competência, forma, do contraditório e da ampla defesa, ou em caso de absoluta ilegalidade.

Mantenha-se bem à vista, obtempere-se, que, tais penalidades disciplinares têm caráter eminentemente administrativo, e as decisões acerca de sua aplicação possuem uma carga bem maior de discricionaridade quando cotejadas com outros atos administrativos, desta feita, admitindo-se o exercício do referido juízo sem a interferência do Judiciário.

Fixados os limites de atuação do Poder Judiciário, não cabendo perscrutar-se, por atuação judicial, se relacionamentos homoafetivos devem ser admitidos na carreira militar, atenho-me aos aspectos exógenos do caso que se me apresenta.

Verifico, primeiro, conforme o próprio paciente admite, que lhe foi assegurado o exercício da ampla defesa, em conformidade com o regramento militar. Confira-se em excerto de sua petição:

Como foi o diretor e não o Exercito

“Em 09.06.2008, foi notificado para defender-se nos autos de três Processos Administrativos (sic) que a direção do HGB estava movendo contra ele.”

Também, ao menos nesta preliminar análise, não vislumbro a alegada “perseguição” promovida pelo Diretor do Hospital Geral de Brasília, embora que o ato de remoção dos sargentos para lugares distintos possa, circunstancialmente, indicar ilegalidade. Todavia, não é este o ato que o paciente vindica ver obliterado, já que levado a efeito pelo comando do Exército e não pelo Diretor do HGB. Este, no caso, somente aplicou o regramento militar conforme demonstrou nas informações que prestou a este Juízo.

O terceiro e último argumento, de que recebeu punições diversas para um mesmo fato, não merece acolhida. É que, da própria narrativa do Impetrante é possível perceber-se que, embora assemelhados, os fatos ensejadores da punição são diversos, e, portanto, reclamam penalidades distintas.

Ante tais ponderações, indefiro a liminar para, assim, manter os atos disciplinares atacados.

Brasília-DF, 26 de junho de 2008

JOSÉ AIRTON DE AGUIAR PORTELA

Juiz da 12ª Vara Federal

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