Mistura de poderes

Juiz responde ação penal por atuar em favor de prefeito

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26 de junho de 2008, 14h57

O juiz Vilson Rodrigues Alves, da cidade de Vinhedo (SP), vai sentar no banco dos réus. O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, por unanimidade, rejeitou defesa prévia apresentada pelo juiz e recebeu denúncia contra ele formulada pelo então procurador-geral de Justiça, Rodrigo Pinho.

O chefe do Ministério Público paulista acusou o juiz de Vinhedo pelos crimes de advocacia administrativa (patrocinar interesse privado perante a administração pública, valendo-se do cargo) e prevaricação (retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício ou praticá-lo contra disposição expressa em lei para satisfazer interesse ou sentimento pessoal).

O relator da matéria, desembargador Renato Nalini, entendeu que a investigação, com mais de 1.500 páginas, era uma peça acusatória “precisa” e que afastar a denúncia seria o mesmo que absolver sumariamente o juiz.

No caso do crime de advocacia administrativa, se condenado, o acusado pode pegar de um a três anos de reclusão ou multa. A lei prevê como castigo para prevaricação pena de detenção de três meses a um ano.

De acordo com a denúncia, Vilson Rodrigues Alves mandou soltar irregularmente o ex-prefeito de Vinhedo, Milton Álvaro Serafim, e os ex-secretários Alexandre Tasca (Secretaria de Administração) e Marcos Leite (Obras). Os três estavam presos na cadeia de Sorocaba, sob a acusação de participar de um esquema de recebimento de propinas para a aprovação de loteamentos na cidade.

“O magistrado agiu em desacordo com a lei para satisfazer sentimento de amizade intima com o ex-prefeito de Vinhedo”, afirmou o Ministério Público na denúncia ao Tribunal de Justiça. “O magistrado Vilson Rodrigues Alves patrocinou interesse particular valendo-se do cargo”, completou.

No julgamento desta quarta-feira (25/6), as únicas manifestações apresentadas pelo plenário, além do voto do relator, Renato Nalini, foram dos desembargadores Nélson Calandra e Caio Canguçu de Almeida, que se declararam impedidos de votar. Vilson Rodrigues Alves negou todas as acusações. Sustentou que não patrocinou interesse particular e que não advogou a favor dos réus. Segundo ele, a revogação da prisão preventiva dos três políticos foi ato de interesse público.

O caso

Segundo a denúncia, em 22 de novembro de 2005, o juiz Herivelto Araújo Godoy, da 2ª Vara de Vinhedo, decretou a prisão preventiva do ex-prefeito e dos dois secretários municipais, além da advogada Nair de Souza Mello. Os três foram presos e Nair ficou foragida.

O decreto de prisão atendeu pedido do Ministério Público de Vinhedo, que acusava o grupo de cobrar propina para aprovar loteamentos. O esquema, de acordo com o MP, teria movimentado cerca de R$ 5 milhões.

Em 16 de janeiro, ainda de acordo com o Ministério Público, aproveitando que o juiz titular da 2ª Vara de Vinhedo não estava no cargo, o juiz Vilson Rodrigues Alves, de ofício, e sem consultar o MP, revogou a prisão preventiva.

Para o MP, o juiz determinou a soltura dos acusados para satisfazer sentimento de gratidão que tinha para com o então chefe do Executivo de Vinhedo, Milton Serafim. Foi Milton quem contratou Tânia Aparecida Alves, mulher do juiz, em cargo de comissão na função de psicóloga.

Afastado da magistratura

Em março passado, o Órgão Especial do TJ paulista colocou Vilson Rodrigues Alves em disponibilidade. Essa é a maior punição administrativa prevista pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) para um juiz que é pego em falta considerada gravíssima. O magistrado em disponibilidade não pode julgar, nem advogar, mas recebe salário proporcional ao tempo de serviço.

Entre as sanções administrativas previstas na Loman estão: advertência, censura, remoção, disponibilidade e aposentadoria. O artigo 28 da Loman diz que “o magistrado vitalício poderá ser compulsoriamente aposentado ou posto em disponibilidade, nos termos da Constituição e da presente lei”.

O processo administrativo disciplinar é de competência da Corregedoria-Geral da Justiça. O juiz em disponibilidade fica proibido de exercer as funções, mas pode ser convocado a atuar a critério da administração do tribunal. Enquanto isso não ocorre, ele recebe seus vencimentos de forma proporcional ao tempo de serviço.

A aposentadoria é aplicada na mesma situação da disponibilidade, com a diferença de que o juiz já tem tempo para se aposentar. Como não o faz voluntariamente, o tribunal pode fazê-lo como sanção administrativa. No caso, seus vencimentos serão integrais, como os dos demais magistrados. As duas sanções exigem maioria absoluta dos membros do tribunal ou do Órgão Especial. Uma vez imposta, não cabe qualquer recurso na esfera administrativa, nem mesmo pedido de reconsideração. A única saída para o acusado é recorrer ao Judiciário.

As penas de advertência e de censura são reservadas para as infrações mais leves. A primeira se destina aos casos de negligência no cumprimento dos deveres do cargo. A segunda serve para reiterada negligência no cumprimento dos deveres do cargo. A remoção é uma pena intermediária entre a censura e a disponibilidade. Ela tem como objetivo retirar o magistrado do local onde exerce suas funções. É aplicada nos casos em que o juiz se envolve em situação que o impede de exercer, com autoridade, suas funções.

Não é permitido, no âmbito administrativo, impor a pena de demissão porque apenas sentença judicial transitada em julgado pode fazer isso. Em outras palavras, a demissão é resultado de condenação criminal, cuja pena seja maior que quatro anos ou que tenha motivação expressa ou por força de uma ação civil.

Faltas graves

Na sessão desta quarta-feira (25/6), o Órgão Especial aplicou a pena de censura a outros dois juízes. O primeiro é juiz da capital e um dos integrantes do colegiado chegou a propor a pena de disponibilidade. O outro é juiz do interior. As duas decisões foram tomadas por votação unânime.

De acordo com o TJ paulista, há 13 juízes em disponibilidade na Justiça de São Paulo. Este ano, a Corregedoria-Geral da Justiça já pediu a punição de nove juízes.

O Tribunal de Justiça, no entanto, não divulga o número de juízes punidos com outras penas como censura e advertência, nem os que respondem a processos administrativos. O máximo que acontece é a divulgação do resultado do julgamento disciplinar pelo Órgão Especial. A divulgação é feita quase que em código, como na edição da sexta-feira (20/6) do Diário da Justiça Eletrônico.

Ao tornar pública a rejeição da defesa prévia de um juiz da capital, o órgão de divulgação das atividades do Judiciário paulista se expressou da seguinte forma: “14/06 (antigo G-39.112/06). Por maioria de votos, rejeitaram a defesa prévia de determinaram a abertura de procedimento administrativo disciplinar, vencidos os desembargadores Sousa Lima, Ivan Sartori, Palma Bisson, José Santana, Mario Devienne Ferraz, José Reynaldo e Damião Cogan”.

Não há nenhuma alusão ao nome do juiz que teve a defesa prévia rejeitada pelo Órgão Especial — um privilégio dos servidores públicos. O juiz punido atua em uma das varas da Fazenda Pública da capital. As sessões administrativas no TJ paulista são públicas por exigência da lei. Antes da Emenda Constitucional 45, da reforma do Judiciário, eram secretas ou reservadas.

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