Suspensão de reportagem

Entidades dizem que juiz não censurou Jornal da Tarde

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26 de junho de 2008, 18h52

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e a Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp) também divulgaram notas em defesa do juiz Ricardo Geraldo Resende Silveira, da 10ª Vara Federal Cível de São Paulo.

Resende Silveira determinou, na terça-feira (24/6), que o Grupo Estado, que edita o Jornal da Tarde, suspendesse a publicação de uma reportagem sobre supostas irregularidades no Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) que estão sendo apuradas pelo Tribunal de Contas da União. Na decisão, ele deu prazo de 72 horas para que o jornal se manifestasse.

As notas das entidades de juízes têm o mesmo tom de indignação das preparadas pelas entidades de imprensa, apesar de se posicionarem de modo oposto. O debate sobre a possível censura de imprensa se tornou uma batalha de notas à imprensa com cada lado tendo espaço para divulgar a sua opinião.

Segundo a Ajufe, não houve censura por parte do juiz. Ele quis apenas assegurar que ambas as partes tivessem o direito de defesa antes de decidir sobre o pedido da Cremesp para impedir a publicação da reportagem.

“Cautelarmente, porém, apenas para evitar eventuais danos morais decorrentes da publicação da reportagem, o juiz determinou a suspensão da publicação da matéria até que, de posse da manifestação de ambas as partes (autor e réu), pudesse analisar os argumentos apresentados. Portanto, o juiz federal sequer apreciou o pedido de liminar formulado pelo autor”, afirma Fernando Cesar Baptista de Matos, presidente da Ajufe.

A entidade afirma que é natural que decisões judiciais não agradem a todos. No entanto, a crítica deve ser feita com serenidade com base em argumentos jurídicos e no âmbito do Judiciário. “Rótulos pejorativos impostos a magistrados por aqueles inconformados com suas decisões, mormente quando oriundos de órgão da imprensa, são incompatíveis com a postura de sobriedade e com o bom relacionamento entre o Poder Judiciário e a imprensa construído nas últimas décadas”, diz a nota.

Para a Ajufe, é importante que a classe seja forte e respeitada. De outro modo, o cidadão não teria qualquer recurso ao arbítrio do Estado. A entidade lembra que o Judiciário não aguarda elogios quando concede decisões que agradam. “Seus integrantes têm consciência de que apenas estão cumprindo seu dever.”

Já para a entidade estadual, Resende Silveira está sendo constrangido pela imprensa. A Ajufesp diz que ninguém está acima da lei inclusive os órgãos de imprensa quando ocupam a posição de réus. “Sem entrar no mérito da decisão, resta claro que não há censura, pois o magistrado analisando as provas juntadas aos autos, apenas determinou esclarecimentos, até em respeito ao contraditório, para posteriormente proferir sua decisão”, afirma a nota.

A Ajufesp afirma que o estado democrático de direito exige uma imprensa livre. Mas, ela deve respeitar a independência das decisões judiciais. “A responsabilidade, sensatez e o compromisso com a verdade devem nortear os veículos de comunicação, pois formadores de opinião.”

Limites da liberdade

Resende Silveira informa, na decisão, que a Cremesp foi contatada por um jornalista do JT que estava fazendo uma reportagem sobre as supostas irregularidades da entidade. Para o Cremesp, a liberdade de expressão não é um direito absoluto e encontra limite na veracidade dos fatos.

Para o juiz, o argumento da entidade para concessão de liminar exige prova inequívoca e convencimento de verossimilhança da alegação “sempre que houver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou ainda quando ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu”. Por esse motivo, ele suspendeu a publicação da reportagem até que o jornal se manifestasse.

Estado recorre

O Grupo Estado informou, em texto público, que deve entregar até sexta-feira (27/6) ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS) sua defesa contra liminar do juiz. “A sentença é de uma nulidade processual patente”, resume o advogado Afrânio Affonso Ferreira Neto.

O advogado Ferreira Neto se diz impressionado pelo fato de o juiz não ter sequer lido a matéria, pois ela está em fase de preparação. A sentença é “praticamente nula”, diz ele, pois não menciona “as razões pelas quais a autoridade aceitou o pedido de tutela”.

Para o diretor de Conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour, a decisão é arbitrária e representa uma “triste volta aos anos de chumbo da censura”. A Associação Nacional de Jornais, a Associação Brasileira de Imprensa e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo já divulgaram notas de apoio ao jornal (Leia trechos aqui).


TRF e Cremesp se manifestam

Como fez as entidades de juízes, a Justiça Federal de São Paulo também divulgou nota afirmando que não censurou o Jornal da Tarde. Segundo o TRF, o juiz não proibiu a reportagem. Apenas suspendeu sua publicação para garantir que não haverá ofensa a direito do Cremesp.

“Para garantir eventuais possíveis futuros danos morais às partes, o juiz determinou a suspensão da matéria até que, de posse da manifestação de ambas as partes (autor e réu) possa analisar os argumentos apresentados e deferir ou não o pedido do autor”, afirma a nota.

Em nota oficial, o Cremesp explicou que recorreu à Justiça para “evitar que (…) fontes inidôneas e a quem, eventualmente, possa estar servindo, utilizem a Imprensa para seus fins eleitoreiros e perniciosos à imagem da Instituição”.

Segundo a direção do Cremesp, que está em campanha eleitoral, o Conselho “tem sido alvo de inúmeras denúncias sem fundamento e com objetivos eleitoreiros, por parte de ex-funcionários demitidos por justa causa”.

Sobre as supostas irregularidades, o Conselho diz que elas “são, exclusivamente, administrativas e formais, sendo que já foram esclarecidas e descaracterizadas de forma cabal perante o juízo competente”.

O caso coloca em debate o conflito entre dois princípios constitucionais: o direito de expressão e de informação por um lado e a inviolabilidade da imagem do outro. No Supremo Tribunal Federal, por exemplo, o ministro Carlos Britto é um defensor intransigente da livre imprensa. Já o ministro Gilmar Mendes acredita que a liberdade de imprensa tem limites. Para ele, se a Justiça pode evitar que um crime seja cometido com a publicação de uma notícia, ela deve intervir para que isso não aconteça.

Leia decisão do juiz Ricardo Geraldo Resende Silveira e, em seguida, as notas da Ajufe e Ajufesp

10ª Vara Federal Cível de São Paulo — SP

Processo n.° 2008.61.00.014822-2 — Ação Ordinária

Autor: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO – CREMESP

Réu: S/A O ESTADO DE SÃO PAULO

Vistos.

Trata-se de pedido de antecipação de tutela em ação ordinária, objetivando impedir a publicação de matérias jornalísticas que discorram sobre “irregularidades” no âmbito do Conselho autor.

Informa o autor que foi contatado por jornalista pertencente ao grupo réu, o qual informou que está redigindo matéria acerca de “irregularidades cometidas pelo Cremesp” e “atestadas por técnicos do Tribunal de Contas da União” no processo n° 018.478/2005, ainda em andamento.

Entende, no entanto, que a liberdade de expressão, garantida constitucionalmente, não é direito absoluto, encontrando limite na veracidade dos fatos vinculados.

Defende que as supostas irregularidades não se sustentam, bem como o intuito político da reportagem, ante o processo eleitoral que se encontra a Autarquia.

É o breve relatório. Decido.

A concessão de tutela antecipada, nos termos do artigo 273 do Código de Processo Civil, conforme redação dada pela Lei 8.950/94, exige a existência de prova inequívoca, bem como do convencimento da verossimilhança da alegação, sempre que houver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou ainda quando ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.

Em homenagem aos princípios do contraditório e da ampla defesa, intime-se o réu a prestar esclarecimentos no prazo de 72 (setenta e duas) horas, suspendendo, no entanto, a publicação da reportagem em questão até ulterior determinação deste Juízo.

Após, voltem conclusos para apreciação do pedido de antecipação dos efeitos da tutela.

Sem prejuízo, cumpra o autor a determinação de f. 46.

Intime-se, com urgência.

São Paulo, 24 de junho deJ008.

Ricardo Geraldo Resende Silveira

Juiz Federal Substituto

Nota da Ajufe

A ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL — AJUFE vem a público manifestar-se sobre as notícias veiculadas ontem (25/06) e hoje (26/06) pela imprensa, a respeito de decisão proferida por magistrado federal no Processo nº 2008.61.00.0148422-2, em tramitação na 10ª Vara Federal Cível de São Paulo, no qual o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo — Cremesp, na qualidade de autor, pede à Justiça que proíba a publicação de matéria apontando eventuais irregularidades naquele órgão, a ser veiculada pelo “Jornal da Tarde”.

É preciso que se esclareça que não houve censura à reportagem. Para assegurar o direito de ampla defesa das partes, o juiz determinou que o réu – O Estado de São Paulo S/A – se manifestasse sobre o pedido do autor (que pretendia impedir a publicação da reportagem) no prazo de 72 horas. Cautelarmente, porém, apenas para evitar eventuais danos morais decorrentes da publicação da reportagem, o juiz determinou a suspensão da publicação da matéria até que, de posse da manifestação de ambas as partes (autor e réu), pudesse analisar os argumentos apresentados. Portanto, o juiz federal sequer apreciou o pedido de liminar formulado pelo autor.


É natural e compreensível que decisões judiciais não agradem a todos e, por isso, não estão imunes a críticas. No entanto, a crítica deve ser exercida com serenidade e respeito, indispensáveis ao tratamento cordial dos que exercem as funções essenciais à administração da Justiça e também dos representantes de classe. O inconformismo em relação a decisões judiciais deve ser manifestado com argumentos jurídicos e na seara própria, por meio dos recursos judiciais cabíveis, no devido processo legal, como convém ao Estado Democrático de Direito.

Rótulos pejorativos impostos a magistrados por aqueles inconformados com suas decisões, mormente quando oriundos de órgão da imprensa, são incompatíveis com a postura de sobriedade e com o bom relacionamento entre o Poder Judiciário e a imprensa construído nas últimas décadas.

É imprescindível que a magistratura seja forte e respeitada. Se for diferente, ao cidadão não haverá nenhum tipo de recurso contra o arbítrio do Estado ou a violência do seu semelhante. Cabe lembrar ainda que, quando concede decisão que agrada, o Poder Judiciário não aguarda elogios, já que seus integrantes têm consciência de que apenas estão cumprindo seu dever.

Tais esclarecimentos tornam claro que as manifestações veiculadas na imprensa nos últimos dois dias, muitas delas desairosas, foram, no mínimo, intempestivas.

A AJUFE reafirma de público seu compromisso com a transparência das decisões judiciais e com o seu propósito de esclarecimento da opinião pública por meio da interlocução com os órgãos de imprensa. Reafirma, outrossim, o seu compromisso de aperfeiçoamento das instituições e de defesa do Estado Democrático de Direito.

Brasília, 26 de junho de 2008.

FERNANDO CESAR BAPTISTA DE MATTOS

Presidente da AJUFE

Nota da Ajufesp

A Ajufesp Associação dos Juízes Federais de SP e MS manifesta sua solidariedade para com o juiz federal Ricardo Geraldo Rezende Silveira, que está sofrendo verdadeiro constrangimento por parte de órgãos da imprensa, em razão de ter determinado a intimação do réu, Grupo Estado de São Paulo, a prestar esclarecimentos no prazo de 72 (setenta e duas) horas sobre matéria jornalística que trata de possíveis irregularidades cometidas pelo CREMESP Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, suspendendo, no entanto, a publicação da reportagem em questão até ulterior determinação e apreciação do pedido de antecipação dos efeitos da tutela.

Ninguém está acima da lei e isso vale para os órgãos de imprensa, principalmente quando ocupam a posição de réus. Ademais, sem entrar no mérito da decisão, resta claro que não há censura, pois o magistrado analisando as provas juntadas aos autos, apenas determinou esclarecimentos, até em respeito ao contraditório, para posteriormente proferir sua decisão.

O estado democrático de direito exige uma imprensa livre, mas que respeite a independência das decisões judiciais e colabore quando chamada a tanto nos termos da lei, sem deturpar os fatos e chamar de censura o que é simples trâmite judicial.

A responsabilidade, sensatez e o compromisso com a verdade devem nortear os veículos de comunicação, pois formadores de opinião.

São Paulo, 26 de junho de 2008.

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