Interpretação das leis

Pré-candidato pode falar de política, mas não de propostas

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22 de junho de 2008, 16h11

Em entrevistas, o pré-candidato pode opinar sobre política em geral. “Não pode é lançar a candidatura.” A afirmação é do procurador regional eleitoral de Minas Gerais, José Jairo Gomes, em entrevista ao jornalista Frederico Vasconcelos, publicada na edição deste domingo (22/6) da Folha de S.Paulo.

Gomes é doutor e professor de Direito Civil da Universidade Federal de Minas Gerais e autor do livro Direito Eleitoral, citado na sentença que condenou a Folha pela entrevista que fez com a pré-candidata à prefeitura de São Paulo Marta Suplicy.

A discussão sobre entrevista de pré-candidatos às eleições municipais vem ganhando novos contornos a cada dia. O fato que suscitou o debate foi a condenação imposta pelo juiz da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, Francisco Carlos Shintate, à Folha da Manhã, que edita o jornal Folha de S. Paulo, e à Editora Abril, que publica a Veja, por entrevistarem a pré-candidata à prefeitura paulistana Marta Suplicy.

Para o juiz, a entrevista caracterizou propaganda antecipada. Marta foi multada em pouco mais de R$ 42 mil pelas entrevistas concedidas à imprensa. O jornal e a revista foram multados em R$ 21 mil cada.

Segundo o José Jairo Gomes, a representação da Promotoria Eleitoral por causa das entrevistas não foi “indevida”. Ele explicou que apesar de a prefeita não ter pedido votos, lançou propostas.

Na entrevista, Gomes também fala de propaganda eleitoral na internet e aponta que a interpretação da lei eleitoral muda muito. “A Justiça Eleitoral dá uma determinada interpretação hoje, daqui a dois meses muda.” No caso da internet, ele afirma que “a ausência de regras, esse vácuo legislativo, deixa as pessoas sem saber o que fazer”.

Leia a entrevista concedida à Folha de S.Paulo

Folha — Por que a internet é um espaço interditado nas eleições?

José Jairo Gomes — A internet não é um espaço interditado. Ela não sofreu ainda uma regulamentação do legislador nem o TSE se pronunciou definitivamente. O candidato pode abrir uma página na internet, mas só a partir de 6 de julho. Porque a lei veda a propaganda eleitoral antes dessa data.

Folha — A internet foi equiparada ao rádio e à televisão, mas ela não é uma concessão pública.

Gomes — A internet tem uma capilaridade muito grande. O problema não é o fato de não ser concessão. O cinema é um bem particular. Mas é vedada a realização de propaganda no cinema, local de acesso público.

Folha — Sendo a internet um veículo tão democrático e acessível, onde estaria o risco de desequilíbrio?

Gomes — Um grupo econômico com interesse de colocar no poder um determinado segmento poderia manipular, controlar os portais e deixar de fora outros candidatos. É impossível que as pessoas tenham tratamento igual. A lei procura equilibrar a disputa pelo poder.

Folha — Quais serão os limites das comunidades virtuais?

Gomes — É uma grande interrogação. Porque o TSE não traçou limites. Isso não significa que se pode fazer tudo. A propaganda extemporânea é vedada. Se um pré-candidato manda spams, vai ser caracterizado como propaganda extemporânea.

Folha — Uma entrevista com um pré-candidato é de interesse público. O jornal terá que perguntar sobre temas como raças de cachorros?

Gomes — Um pré-candidato notório evidentemente não vai recitar os poemas de Camões. Vai falar de política. O problema não é a entrevista. Há um dispositivo que permite à imprensa escrita dar a sua opinião. Quando se trata de pré-candidato, a propaganda só pode ser feita a partir do dia 6 de julho.

Folha — Mas aí se está admitindo que a entrevista é propaganda.

Gomes — Não necessariamente. O pré-candidato pode opinar sobre a política em geral. Não pode é lançar a candidatura.

Folha — O senhor leu a entrevista de Marta Suplicy, na Folha?

Gomes — Li.

Folha — Acha que houve abuso? Ela fez pedido de voto?

Gomes — Ali não é propriamente pedido de voto. Na Justiça Eleitoral, muitos entendem que pode haver propaganda extemporânea sem pedido de voto, quando o pré-candidato expõe os seus projetos.

Folha — Supondo uma entrevista igual, o senhor entraria com ação?

Gomes — Eu tenho a impressão de que a representação aí não é indevida. Na entrevista dela, ela lança propostas. Há decisões que condenam essa prática e decisões que dizem que isso não seria irregular.

Folha — Qual dispositivo legal define temas proibidos aos jornais?

Gomes — Na verdade, a lei não especifica os temas. O que é propaganda eleitoral? Quando a gente pesquisa na Justiça, encontra condutas bastante semelhantes a essa que foi veiculada sendo considerada como propaganda. Então, se faz um raciocínio por analogia.

Folha — O jornal alega que se trata de uma censura inaceitável.

Gomes — Desconheço os detalhes do caso. Tenho a impressão de que censura é uma palavra um pouco forte. Para que haja uma sanção, é preciso que haja um processo. As pessoas se defendem. Vejo isso como uma manifestação democrática.

Folha — Seu livro foi citado na sentença por tratar da igualdade de oportunidades. O jornal teria que repetir o horário eleitoral, com anúncios classificados dos candidatos?

Gomes — Houve esse problema na regulamentação dos debates. Houve intervenção da Justiça Eleitoral para dizer que todos os candidatos precisam estar representados.

Folha — O jornal entrevistou outros pré-candidatos.

Gomes — O problema é outro. É o momento. Agora, esse tema não poderia ser veiculado.

Folha — A citação de seu livro na sentença trata da igualdade.

Gomes — É porque não há ainda um candidato. Quando um pré-candidato tem projeção, a situação dele, para ser escolhido na convenção, fica fortalecida. Pode haver outro pré-candidato sem o mesmo destaque.

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