Crime e castigo

Especialistas divergem sobre eficácia da lei do colarinho branco

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22 de junho de 2008, 0h00

A maior parte das denúncias por crimes financeiros recebidas pelos Tribunais Regionais Federais e pelo Superior Tribunal de Justiça termina em condenação. De acordo com pesquisa feita por pela Faculdade Direito GV sobre a aplicação da Lei 7.492/86, mais conhecida como Lei do Colarinho Branco, 94% das ações por este tipo de crime julgadas pelo STJ resultaram em condenação. No caso dos TRFs, o percentual é de 72%.

O levantamento feito pelo Núcleo de Estudos sobre o Crime e a Pena da Direito GV analisou 380 decisões dos cinco TRFs e do STJ. A amostra cobre o período de 1989 a 2005.

A despeito do alto número de condenações, a principal discussão sobre o tema gira em torno da efetividade das punições aplicadas. Para alguns, as penas são brandas demais e permitem a prescrição dos crimes. Para outros, as condenações nestes casos são excessivas.

As penas para os crimes financeiros mais comuns, como concessão de empréstimos vedados, gestão fraudulenta, gestão temerária, são de no máximo quatro anos. Portanto, os condenados não ficam presos. A pena de detenção é substituída por restritiva de direitos.

“Os casos que chegam às minhas mãos são de três, quatro anos de punição”, conta o procurador Rodrigo de Grandis, que sempre trabalhou com ações relacionadas à lavagem de dinheiro. Segundo ele, é comum a aplicação de prescrição retroativa, entre a data da consumação do crime e o oferecimento da denúncia, porque o BC “demora muito para representar”. Além do que, explica que é difícil especificar a conduta dos acusados.

A pesquisadora Vivian Schorscher conta que houve uma inversão completa no entendimento sobre a gravidade dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. O espírito da lei, quando foi aprovada, era o de mandar para a prisão todas as pessoas que cometiam estes tipos de crime. Em 1998, depois de muitas discussões políticas, a lógica se inverteu e foi incluída a previsão de substituição da pena por restritiva de direitos.

As acusações que permitem penas maiores são muito mais complicadas de se provar, de acordo com integrantes do Ministério Público, Banco Central e Sistema Financeiro Nacional. Os requisitos são subjetivos e quase nunca são encontrados nas denúncias encaminhadas à Justiça. Quando acontece, é porque houve concurso de crime do Código Penal com a Lei de Crimes Financeiros. Ou, acusação de formação de quadrilha.

“Os dados mostram que os tribunais são mais rigorosos que os juízes de primeira instância. E o STJ, mais que os tribunais”, afirmou a pesquisadora. Segundo ela, as informações que mais levam à punição são aquelas encaminhadas pelo Banco Central, que só chegam em 50% das ações apresentadas pelo Ministério Público. O resultado de processos administrativos feitos pelo BC e pela Comissão de Valores Mobiliários também costumam virar condenação judicial.

Para Vivian Schorscher, se existem problemas para a identificação de crimes contra o Sistema Financeiro, eles não podem ser encontrados no Judiciário. “Há falhas nos órgãos fiscalizadores”, diz, apontando o Banco Central e a CVM. Com isso, muitos casos não chegam à Justiça.

Não é assim que pensa o juiz federal Fausto Martins de Sanctis, da 6ª Vara Criminal de São Paulo. “O problema não é o BC nem a CVM. A lei não tem eficácia. É preciso aumentar a pena. Caso contrário, a lei passa a ser um instrumento de encenação popular.”

O juiz diz que não adianta nada o STJ condenar. Porque quando o processo volta à vara para execução “chega um pedido de Habeas Corpus e pára a ação”. Ele fez um levantamento das denúncias que passaram pelo seu gabinete. Em 2006 e 2007, ao todo, foram 221. Apenas três voltaram para execução. E duas estão paradas por HCs. “A pena, invariavelmente, acaba na prescrição.”

Já o advogado Arnaldo Malheiros Filho entende que há um excesso de condenações. “Há muitos inocentes condenados por fatos que seriam meras condenações administrativas”, afirma. Para ele, qualquer punição criminal que exista será excessivamente alta. E sugere que as ações deveriam ser resolvidas apenas com multas. “São pouquíssimos os casos que causam prejuízos para alguém.”

Geografia das condenações

De acordo com a pesquisa da Direito GV, mais de 80% dos recursos julgados pelo STJ e mais de 71% daqueles julgados pelo TRFs são das regiões Sul e Sudeste.

Por concentrar o núcleo financeiro e bancário do país, São Paulo e Rio de Janeiro detêm a liderança de acórdãos envolvendo crimes da lei de colarinho branco. De fato, 50,9% dos recursos que chegam ao STJ e 44,4% apreciados pelos TRFs, chegam destes dois estados. O Paraná aparece em terceiro lugar, com 13,3% dos recursos interpostos perante o STJ e 13,9% perante o TRF da 4ª Região.

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