Volta à censura

Delírio normativo em matéria eleitoral se alastra

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22 de junho de 2008, 18h28

Editorial publicado no jornal Folha de S.Paulo deste domingo.

É difícil acreditar que, 20 anos depois de aprovada uma Constituição democrática no país, o princípio básico da liberdade de expressão ainda se veja sob o foco de ataques e ameaças. Eles surgem, entretanto, de vários lados, assumindo por vezes requintes de casuísmo.

Entrevistada pela Folha, uma promotora declarou nesta semana que jornais revistas estão atualmente impedidos de entrevistar um candidato à prefeitura a respeito de propostas de governo; que se contentem em perguntar-lhe, por exemplo, “se gosta de cachorro, gosta de boxe, gosta de rock-and-roll”.

Foi esta a mentalidade que orientou uma sentença em primeira instância contra a revista Veja e a Folha, que entrevistaram postulantes às eleições municipais. O jornal O Estado de S. Paulo se vê às voltas com idêntica investida.

Casos semelhantes ocorrem em outras regiões do país, segundo dados coligidos pelo Knight Center for Journalism, da Universidade do Texas. Numa cidade de Santa Catarina, um jornal foi multado por estampar a foto de um vereador, que usava uma camiseta pedindo votos para um candidato. Em Minas, os quatro jornais de um município foram instados por um promotor a não publicar os nomes dos postulantes à prefeitura.

Sem dúvida, cabe à Justiça zelar pelo cumprimento da legislação eleitoral, que regula a propaganda dos candidatos. Neste âmbito se inscrevem a realização de comícios, a publicação de anúncios pagos na imprensa, o uso do horário gratuito. Nada disso se confunde com a atividade jornalística, a menos que se queira a volta da censura no país.

Não apenas sobre jornais e revistas, mas também sobre a internet, o casuísmo regulatório se presta a abusos inaceitáveis. Consultado sobre o tema, o Tribunal Superior Eleitoral preferiu não emitir regras genéricas, como sobre a eventualidade de blogueiros e participantes de grupos de discussão manifestarem apoio a candidatos. Irá analisar, caso a caso, os diferendos que vierem a ocorrer.

Nem por isso o delírio normativo se vê refreado. Nesta sexta-feira (20/5), os presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais decidiram recomendar que mensagens de texto por celular (os chamados torpedos) sejam proibidos na semana das eleições.

Os spams também estão sob suspeita; como impedir, entretanto, que um cidadão manifeste suas preferências e aversões políticas a um grupo indeterminado de destinatários? Pode-se, em tese, punir apenas o candidato que se beneficie de tais mensagens. Como saber, então, se não foi o seu rival quem as emitiu?

O progresso tecnológico tende, felizmente, a tornar anacrônicas as iniciativas desse gênero. Não é apenas anacrônica, mas sim atrasada e obscurantista, entretanto, a mentalidade de quem, a pretexto de regulamentar a propaganda, atinge no seu cerne a liberdade de expressão.

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