Intimidação da imprensa

Sociedade tem a prerrogativa de ser informada, diz Celso de Mello

Autor

21 de junho de 2008, 17h51

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, defendeu o direito de todo cidadão de ser informado, e criticou as restrições sofridas pela imprensa quanto à veiculação de matérias referentes às eleições municipais deste ano. As declarações foram dadas durante entrevista, na tarde de sexta-feira (20/6), ao jornalista Boris Casoy, da BandNews.

Segundo o ministro, “a imprensa tem todo o direito, sim, de informar, de interpretar as informações que veicula e de estender as críticas pertinentes sobre matérias como essas relativas ao processo eleitoral”.

Celso de Mello acrescentou: “pensar-se de forma adversa seria, na verdade, conferir um enorme poder aos órgãos do Estado sobre as idéias, sobre as convicções, sobre a palavra e sobre as opiniões que os profissionais da imprensa manifestam no exercício legítimo de um direito que lhes é assegurado pela própria Constituição da República”.

Leia trechos da entrevista

Boris Casoy — Eu já tenho minhas dúvidas sobre as restrições que são colocadas sobre rádio e televisão e que envolvem, agora, os jornais. Eu tenho mais de 50 anos de imprensa, e não me lembro de fatos como esse, com a imprensa escrita, nem no regime militar. Parece que um espírito de interpretação barata da legislação se apodera de algumas pessoas. Eu só posso ter essa interpretação porque o Direito é claro. Tem que levar em consideração, além da letra da Constituição, a conveniência e uma visão mais ampla, menos literal, de uma legislação que visa exatamente levar as pessoas a votarem bem.

Celso de Mello — É exatamente, esse é o ponto sensível da questão. Não se pode dar precedência. Não se pode conferir preferência a disposições meramente ordinárias sobre prerrogativas de caráter essencialmente constitucional. E quando se discute o tema hoje em debate, tem-se de lado não apenas o direito dos órgãos de comunicação social, mas também o próprio direito do cidadão de ser bem informado, para poder decidir de maneira consciente. No fundo, o que está em discussão, está em jogo, é uma prerrogativa de caráter constitucional e de natureza bifronte. Porque ela se dirige de um lado aos órgãos de imprensa, dando-lhes o direito de informar, de buscar a informação, de opinar, de criticar, e de veicular idéias, especialmente quando se cuida de matéria de relevante interesse público, como sucede com as disputas eleitorais. Mas de outro lado, também, trata-se de analisar a posição do cidadão. O cidadão tem o direito à informação. Ele tem a prerrogativa de ser informado.

Por isso é que o direito de informação, em suma, acaba representando uma verdadeira garantia constitucional da própria opinião pública. E daí a necessidade, que me parece fundamental, de se preservar a prática da liberdade de informação em prol não só dos profissionais de imprensa, mas também em favor do conjunto dos cidadãos. Esse, na realidade, é o respeito a essa mesma liberdade que confere legitimação à própria noção de regime democrático. Por isso é que entendo que é importante que se proceda a uma análise cuidadosa, a uma reflexão séria e conseqüente, em torno desse tema delicadíssimo que transcende a esfera de interesses meramente pessoais de candidatos.

Na verdade, os meios de comunicação estão transmitindo à opinião pública um quadro geral em torno dos diversos pré-candidatos, para que o cidadão possa saber exatamente quem escolher. É notável observar a diferença que há entre os sistemas existentes no Brasil e nos Estados Unidos. Nós vimos agora recentemente, nessa fase de disputas pré-eleitorais das chamadas primárias no âmbito dos dois partidos, não só uma ampla cobertura jornalística, mas o que é mais importante, a possibilidade de todos os meios de comunicação social assumirem posições editoriais favoráveis a este ou aquele pré-candidato. Eu acho que nesse terreno é imperioso que se preserve a livre circulação de idéias, que se mantenha íntegra a liberdade de informação e também que se proteja o direito do cidadão à informação. E é sobre esse aspecto que eu vejo com muita preocupação a sucessão desses eventos que agora os próprios jornais têm revelado.

Boris Casoy — Ministro, eu me orgulho de ter uma voz como a sua como ministro do nosso Supremo Tribunal Federal, isso nos garante tranqüilidade porque eu estou vendo que essa história é um pesadelo e pode ser um perigoso divisor de águas. Então a sua palavra, abalizada, de alguém que estudou e chegou ao Supremo, por mérito, essa palavra claro que terá, jogará sua luz sobre pessoas que certamente viram a questão na sua menor dimensão.

Celso de Mello — É verdade. Eu acho que é preciso que todos nós cidadãos desta República, para que realmente possamos proclamar que esta é uma República verdadeiramente fundada em bases democráticas, é preciso que nós tomemos consciência destas medidas, não importa de que setores do Estado elas provenham, de que domínio do aparelho do estado elas demandem. Eu acho que nós temos que nos preocupar. E eu não me preocupo não apenas como juiz, mas, fundamentalmente, como um cidadão desta República, como cidadão que quer ver o seu direito de ser bem informado preservado. E é sob esse aspecto que entendo que tais medidas, recentes medidas — enfim, encontrem no espírito de todos em particular no meu, essa preocupação de que a adoção de certas providências acaba, na verdade, por asfixiar, por restringir de maneira indevida, o livre exercício do direito de informar e também do direito do cidadão de ser informado.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!