Erros e intimidação

IstoÉ é condenada por publicar acusações que não foram provadas

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21 de junho de 2008, 17h00

Menos de uma semana depois de o jornal O Globo cumprir condenação que o mandou publicar, pela terceira vez, direito de resposta do desembargador federal Ivan Athié, com chamada de capa e esclarecimentos em três páginas, agora foi a vez da revista IstoÉ cumprir obrigação judicial. A edição desta semana (25/6) traz quatro páginas ocupadas com sentença que a obriga pagar R$ 250 mil de indenização por danos morais à Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e ao então presidente da entidade, Dejandir Dalpasquale. Ainda cabe recurso.

Essas determinações se somam às multas aplicadas à Editora Abril, que publica a Veja São Paulo, e à Folha de S.Paulo por terem publicado entrevistas com pré-candidatos à prefeitura de São Paulo. Os fatos revelam a escalada do assédio judicial contra a imprensa, mas mostram também o ânimo de setores pouco satisfeitos com a qualidade do jornalismo praticado no país. Afinal, nem mesmo entre jornalistas se acredita que a imprensa acerta sempre.

A revista IstoÉ foi condenada por publicar as reportagens “Cooperativa da Corrupção” e a “Mamata do Cooperativo”, nas edições de 25 de dezembro de 1996 e de 8 de janeiro de 1997. Nos textos, afirmou que a organização estaria envolvida em irregularidades apuradas em sindicância sigilosa do Ministério da Agricultura. A reportagem trouxe, ainda, uma foto do então presidente da associação e ex-ministro da Agricultura, Dejandir Dalpasquale, com a legenda: “Ligações perigosas”.

As notícias “denunciavam” esquema de corrupção na utilização de verbas públicas repassadas para projetos de cooperativismo rural em todo país, afirmando que boa parte do dinheiro destinado às cooperativas acabou sendo usada para obras particulares, viagens internacionais, festas do peão de boiadeiro e até compra de meias-calças, saias e blazers em uma boutique de Copacabana (RJ), estimando um rombo de pelo menos R$ 10 milhões. As afirmações não foram provadas.

Na ação, os autores esclareceram que a sindicância foi aberta para apurar fraudes de terceiro e que a revista abusou do direito de informar ao publicar fatos inverídicos ou equivocadamente interpretados, colocando a entidade no mesmo contexto das falcatruas supostamente cometidas por outras pessoas.

Para o juiz da 23ª Vara Cível de São Paulo, o dolo foi intenso e a gravidade da ofensa foi grande. “A repercussão foi incalculável, pois não se sabe quantas pessoas leram a revista e comentaram o assunto. A autora OCB é organização de grande importância no sistema cooperativista brasileiro. O autor Dejandir Dalpasquale foi presidente dessa entidade e desempenhou vários cargos públicos de grande relevância. Diante de tudo isso, é justa a indenização”, registrou a sentença.

Direito de resposta

Na edição do dia 16 de junho, o jornal O Globo teve de publicar direito de resposta do desembargador federal Ivan Athié a reportagens publicadas pelo jornal nos dias 10, 11 e 13 de março de 2002. De acordo com os textos, o desembargador estaria envolvido em esquema de venda de decisões judiciais no Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

O direito de resposta foi garantido pela 1ª Vara Criminal de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. O Globo trouxe chamada na capa com referência aos textos e publicou três esclarecimentos do desembargador nas páginas 3, 4 e 13 do jornal. As mesmas páginas onde foram publicados os textos que continham referências ao desembargador.

Censura

Já a condenação imposta pelo juiz auxiliar da propaganda da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, Francisco Carlos Shintate, à Folha da Manhã, que edita o jornal Folha de S. Paulo, e à Editora Abril, que publica a Veja, por publicarem entrevista com pré-candidata à prefeitura paulistana Marta Suplicy, causou polêmica.

Para o juiz, a entrevista caracterizou propaganda antecipada. Marta foi multada em pouco mais de R$ 42 mil pelas entrevistas concedidas à imprensa. O jornal e a revista foram multados em R$ 21 mil cada.

Entidades de imprensa classificaram como “ato de censura” e “intimidação” a decisão do juiz. “O juiz estará decretando o fim da liberdade de imprensa”, disse, em nota, a Associação Nacional de Jornais (ANJ).

A ONG inglesa Artigo 19 pediu aos juízes brasileiros que deixem de impor multas à imprensa por publicar entrevistas e reportagens relacionadas às eleições municipais deste ano. Para a entidade, as decisões violam claramente o direito à liberdade de expressão, garantido pela Constituição e pela legislação internacional.

“A imprensa exerce um papel muito importante ao informar o público sobre as eleições, garantindo que os cidadãos compreendam a posição dos candidatos e partidos. Proibir a publicação de entrevistas com candidatos prejudica a habilidade do público de fazer escolhas eleitorais bem informadas”, disse Agnes Callamard, diretora executiva da Artigo 19.


Em entrevista ao site Consultor Jurídico, o advogado do jornal Folha de S. Paulo, Luis Francisco Carvalho Filho, classificou a decisão de absurda e disse que vai recorrer ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Para ele, “não é papel da Justiça Eleitoral estabelecer regime de exceção e censura”. E disse, ainda: “O jornal tem o dever de informar os seus leitores.”

O advogado Alexandre Fidalgo, do escritório Lourival J. Santos Advogados, que representa a revista Veja, disse que também vai recorrer. Fidalgo usará os argumentos do interesse da sociedade, da liberdade de imprensa e do objetivo meramente informativo da entrevista que a revista fez com a candidata na Veja São Paulo. “O destino da informação é a sociedade. Ela tem que ser informada sobre o que pensam os candidatos”, sustentou.

O advogado especialista em Direito Eleitoral, Ricardo Penteado, entende que a candidata, o jornal e a revista não deveriam ser multados: “Uma entrevista não tem propósito eleitoral. Propaganda se faz com esse propósito. Não cabe à Justiça Eleitoral julgar a conseqüência reflexa de uma entrevista ou de que forma ela vai influenciar ou não o voto dos eleitores.”

Leia a sentença que condenou a IstoÉ

Sentença e acórdão determinados pelo Juízo de Direito da 23ª Vara Cível de São Paulo.

Processo 838/97 Vistos. Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e Dejandir Dalpasquale promoveram a presente ação em face de Grupo de Comunicação Três S/A, objetivando a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano moral, em razão de matérias jornalísticas publicadas na revista semanal IstoÉ em suas edições de 25 de dezembro de 1996 e 08 de janeiro de 1997, intituladas “Cooperativa da Corrupção” e “Mamata do Cooperativismo”, fazendo referências aos autores, no sentido de que a organização estaria envolvida em algumas irregularidades apuradas em sindicância sigilosa do Ministério da Agricultura, estampando ainda foto grande do Ministro da Agricultura e do Presidente da OCB cumprimentando-se e, embaixo, a legenda: “Ligações Perigosas”.

Narra a inicial que a autora existe e atua sob a égide da Lei 5.764/71, abrangendo todos os segmentos do cooperativismo, funcionando como órgão técnico-consultivo do Governo Federal, e que desde sua criação tem sido fator importantíssimo para o desenvolvimento e aprimoramento do cooperativismo brasileiro, participando de estudos, congressos e encontros internacionais de cooperativas, e que é presidida pelo co-autor.

Afirmam os autores que as matérias jornalísticas mencionadas denunciam esquema de corrupção na utilização de verbas públicas repassadas para projetos de cooperativismo rural em todo País, afirmando que boa parte do dinheiro destinado às cooperativas acabou sendo usada para obras particulares, viagens internacionais, festas do peão de boiadeiro e até compra de meias-calças, saias e blazers em uma boutique de Copacabana, estimando um rombo de pelo menos R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), dando conta ainda que havia sindicância aberta pelo Ministério da Agricultura para apurar as denúncias de desvio de verbas, com a participação de funcionários, e com a observação de que o Ministério continuava a alimentar a mamata, com novas liberações de recursos.

Aduzem que nas duas matérias são feitas referências aos autores, no sentido de que a entidade estaria envolvida em irregularidades, publicando: “Além de financiar empresas privadas, construir arenas para festa de peão e pagar professores que nunca deram aulas, o dinheiro do Ministério da Agricultura serviu para viagens internacionais e compra de vestuário.” “A sindicância já apurou que a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), uma entidade privada que reúne cooperativas de todo o país e se mantém com o que recebe dos associados, levou seus representantes para a Europa, Estados Unidos, África e países da América do Sul com dinheiro dos cofres públicos. Em 1995 e 1996, foram constatadas irregularidades em pelo menos quatro convênios do Denacoop com a OCB. Juntos, eles somam R$ 6,4 milhões. Entre 11 e 26 de maio deste ano, a OCB levou 23 pessoas para os EUA, sob pretexto de conhecer a organização das cooperativas americanas. Gastaram R$ 48 mi.” “Em dezembro do ano passado, outra comitiva da OCB viajou a Miami com dinheiro público para assistir a uma conferência chamada Alianças Estratégicas.

A comitiva era formada por oito pessoas, entre elas o ex-ministro da Agricultura Dejandir Dalpasquale, atual presidente da OCB, secretário de Agricultura de Santa Catarina e deputado do PMDB licenciado. Em três dias o grupo consumiu R$ 73 mil do Denacoop. Ou seja, R$ 9.125 por pessoa. Para justificar o valor do convênio, cada um dos viajantes teria de gastar por dia R$ 3.041. O ex-secretário de Agricultura de São Paulo e ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira Roberta Rodrigues viajou com o grupo e só sua passagem custou R$ 2,4 mil. Enquanto não for fechada a porteira das maracutaias é possível que o dinheiro público continue financiando coisas tão absurdas.”


“Em dezembro, no entanto, uma das entidades rurais envolvidas nas denúncias de irregularidades, a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), presidida pelo deputado e ex-ministro da Agricultura Dejandir Dalpasquale, recebeu mais R$ 6 milhões do mesmo órgão. Outra, a Aliança Cooperativa Internacional (ACI), cujo representante no Brasil é o ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira Roberto — também ligado à OCB — ganhou mais R$ 1,5 milhão.”

“(A comissão) concluiu que a OCB, entre outras organizações rurais, praticou irregularidades na utilização do dinheiro público e terá de devolver ao governo R$ 1,7 milhão. Os convênios e prestações de contas da organização podem ser considerados legais, mas os gastos excessivos são, no mínimo, imorais, na avaliação da comissão ministerial”.

“(‘O ministro afirmou que chamou para si a decisão de liberar novos recursos do Denacoop’). Fontes do Ministério, entretanto, garantem que as assinaturas de dois dos acusados (F. e F., funcionários suspeitos e investigados, mas não afastados de suas funções) constam nos dois convênios assinados em dezembro para a liberação de recursos à OCB e à Aliança Cooperativa Internacional.”

“(‘A assessoria de imprensa’) também negou que (o ministro da Agricultura) soubesse de irregularidades envolvendo a OCB.”

Afirmam os autores que houve abuso do direito de informar e ofensa à honra, diante da publicação de fatos inverídicos ou equivocadamente interpretados, acusando a autora de “rregularidades”, colocando tal referência no mesmo contexto das “falcatruas” que teriam sido cometidas por terceiros, dando a impressão de que a OCB teria sido investigada juntamente com aquelas pessoas, pela mesma comissão de sindicância criada pela Portaria 17, de 17 de maio de 1996, quando a autora jamais foi citada, mesmo indiretamente, naquela sindicância.

Negam os autores que em 1995 e 1996 foram constadas irregularidades nos convênios do Denacoop com a OCB e que juntos somaram R$ 6,4 milhões, esclarecendo que naquele período foram celebrados três convênios nº 44/95, 45/95 e 47/96, cuja soma não atingiu a cifra apontada, pelo que não tem sentido a afirmativa de que houve irregularidades atingindo pelo menos quatro.

Argumentam que todas as viagens internacionais organizadas e promovidas pela OCB estavam programadas nos projetos aprovados pelo Ministério, inclusive as respectivas despesas, chancelados nos convênios, e que foram gastos recursos aquém do disponível, em eventos de relevância nas atividades do cooperativismo, sem jamais representarem qualquer abuso ou desvio de finalidade.

Afirmam que as liberações de verbas para as organizações cooperativas estaduais decorrem de convênios por elas firmados com o Denacoop, sem nenhuma relação com a autora e jamais atingiram a cifra absurda publicada pela revista, que não passou de especulação, que as dúvidas em razão das contas relativas aos convênios 044/95 e 045/95 foram todas esclarecidas perante a comissão especial que as analisava, que considerou as contas corretas, com as justificativas apresentadas, razão pela qual à autora jamais foi imposta a obrigação de devolver qualquer importância aos cofres públicos, aduzindo que jamais houve gastos excessivos muito menos imorais.

Concluem que os títulos das reportagens falam em corrupção e mamata, e que tais reportagens incluíram os autores em desvios de verbas, saque do dinheiro público, sempre de forma vaga e imprecisa, passando a idéia de que os autores são partícipes dos esquemas espúrios objeto do contexto da reportagem, de modo proposital, porquanto em uma delas a revista estampa uma fotografia do autor cumprimentando o Ministro da Agricultura, com a maliciosa legenda “ligações perigosas”.

Juntando documentos (fls. 24-258) pediram o julgamento de procedência da ação.

Citação regular, a ré ofereceu resposta (fls. 272-281), afirmando em preliminar que a petição inicial é inepta por lhe faltar a certeza e determinação do que os autores pretendem receber, além do que a pessoa jurídica não é passível de dano moral, e contra a pessoa física do autor nada foi alegado, decorrendo daí que o diretor da autora pretende receber indenização pela dor de ter visto a pessoa jurídica ser mencionada nas reportagens.

Ainda em preliminar, argumenta que o pedido é juridicamente impossível, porque afirmam os autores que foram difamados e injuriados, mas não comprovam ter sido o repórter condenado pela prática desses delitos.

Quanto ao mérito, diz que todas as afirmações divulgadas pela ré foram obtidas de procedimentos administrativos, cuja existência é incontroversa, não se cuidando de matéria sigilosa ou reservada. Os fatos, porque envolvem uso de dinheiro público, são de inegável interesse dos contribuintes, a quem não se pode negar o direito de conhecer como são gastos os recursos arrecadados.


Alega a ré que as reportagens foram publicadas com o “animus narrandi et corrigendi”, porque a autora, embora passando por situação econômica difícil, deu-se ao luxo de executar custosos e injustificáveis empreendimentos promocionais no Exterior, inclusive levando convidados estranhos a seus quadros, pagando-lhes passagens aéreas, hospedagem e até diárias.

Argumenta que a petição inicial admite que dirigentes e convidados da OCB realizaram viagens ao exterior às expensas da entidade autora, que recebe dinheiro do Erário, ocorreram falhas nas prestações de contas de convênios, o que motivou a criação de comissão especial para apurá-las e, portanto, a legenda “ligações perigosas” é perfeitamente justificável, por não parecer prudente ao cidadão comum tamanha demonstração de intimidade entre o Ministro da Agricultura e o presidente da autora, quando desde maio de 1996 estava instalada comissão de sindicância para apurar diversas irregularidades envolvendo cooperativas e funcionários do Ministério da Agricultura, tratando-se de confraternização inoportuna, quando a respeito era divulgado oficialmente que a autora receberia recursos do Ministério da ordem de R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de reais).

Aduz que as reportagens em nenhum instante responsabilizam a autora pelo que ela não fez. As reportagens limitaram-se a narrar os gastos com viagens internacionais, na execução de atividades estranhas àquelas que lhe foram atribuídas por lei e que deveriam ser realizadas por nossas representações diplomáticas no Exterior.

Juntando documentos (fls. 282-306), pediu o acolhimento da preliminar e o conseqüente indeferimento da inicial ou, quando não, pelo mérito, a improcedência. Houve réplica (fls. 308-319).

A ré juntou mais documentos (fls. 323-563), sobre os quais manifestaram-se os autores (fls. 569-570). Frustrou-se a tentativa de conciliação (fls. 575).

Seguiu-se r. sentença (fls. 577-591), que julgou a ação improcedente, mas foi anulada pelo v. acórdão (fls. 622-626), que deu provimento à apelação interposta pela autora, sob o argumento de que esta se viu cerceada em seu direito de colher provas. Ao recurso especial interposto pela ré foi negado prosseguimento (fls. 657-660). O Colendo Superior Tribunal de Justiça negou seguimento ao agravo interposto contra a decisão denegatória do recurso especial (fls. 726).

Com os autos em primeiro grau, foi prolatado saneador, com rejeição das preliminares, fixação dos pontos controvertidos e deferimento de depoimentos pessoais e inquirição de testemunhas (fls. 666 e verso).

Colhidas as provas (fls. 685-691, 734-736, 787-790, 816-821, 863-873, 895-897, 943-946 e 966-967), a instrução foi encerrada (fls. 969) e as partes apresentaram memoriais (fls. 976-995 e 998-1000).

É o relatório. Fundamento e decido.

1. Conforme consignado no saneador, “a controvérsia fática (…) está delineada, em essência, na quarta e na sétima folha das razões da apelação (fls. 597 e 600).” Mais especificamente, são estes os pontos fáticos controvertidos: legalidade e moralidade das viagens para cursos, congressos e, de modo geral, intercâmbios de experiências no cooperativismo mundial; regularidade da compra de roupas, pela afiliada do Rio de Janeiro, para recepcionistas em um congresso, que custou cem vezes menos do que o publicado na revista; legitimidade das viagens internacionais, dentro de projetos aprovados pelo governo brasileiro, voltados ao aperfeiçoamento contínuo do cooperativismo.

A instrução revelou que a reportagem da ré é inverídica em relação a todos esses pontos, o que justifica sua condenação.

Realmente, o testemunho de Roberto Rodrigues (fls. 688), arrolado pelos autores, presidente da ACI (Aliança Cooperativa Internacional), entidade que compõe o conselho consultivo da ONU, deixou bem claro que a viagem patrocinada pela OCB a vinte e três brasileiros, realizada com aprovação do Denacoop (Departamento Nacional de Cooperativismo), visava intercâmbio na área educacional, gerencial e comercial, dentro, portanto, dos objetivos da autora. O congresso da ACI, relativo a alianças estratégicas no sistema de cooperativismo mundial, também não teve gastos excessivos. Os gastos com roupas femininas limitaram-se a R$ 700,00, aproximadamente, e visaram aquisição de pano para confecção de uniforme das recepcionistas do congresso que se realizava no Rio de Janeiro.

Mais ainda, a testemunha Américo Utumi (fls. 689 — 690), arrolada pelos autores, chefe do escritório da ACI no Brasil e, à época dos fatos, superintendente da OCB, disse que a OCB não tem poder para fiscalizar e controlar a utilização das verbas destinadas pelo Denacoop a associações e sindicatos rurais e a cooperativas. Acrescentou que o congresso “Alianças Estratégicas”, sob a coordenação da ACI, contou com a participação de oito ou nove cooperativas custeadas pela OCB, com dinheiro proveniente de um convênio aprovado pelo Denacoop, com especificação dos valores que seriam gastos, que não alcançaram as cifras equivocadamente mencionadas na reportagem, mas sim outras, bem inferiores, tudo conforme especificado no testemunho. Os vinte e três brasileiros, que viajaram ao congresso para incremento do intercâmbio das cooperativas brasileiras com as cooperativas dos Estados Unidos, representavam os Estados da Federação.


O gasto limitou-se a R$ 40.000,00, que foi insuficiente para custear a viagem, o que levou as cooperativas de origem a complementarem a diferença. A testemunha também confirmou que, no evento realizado no Rio de Janeiro, não houve gastos de R$ 7.000,00 com roupas femininas, mas sim de R$ 700,00, na compra de tecido que as próprias recepcionistas transformaram em uniformes. Explicou detalhadamente a regularidade da destinação, à OCB, por parte do Denacoop, das quantias de R$ 6.000.000,00 e R$ 1.500.000,00. Por fim, não existiu sindicância sobre a viagem a Miami, mas sim uma fiscalização normal e rotineira.

As testemunhas Maria Luisa R. de Lima e Mônica Nicida Garcia, Procuradoras da República (fls. 735 e 736), arroladas pela própria ré, cuidaram de inquérito civil público em São José do Rio Preto para apurar desvio de verbas públicas do Denacoop. Nenhuma delas se lembrou de ter visto alguma vez, naquele inquérito civil público, qualquer alusão aos autores OCB e Dejandir Dalpasquale, a revelar que eles realmente não tiveram nada a ver com irregularidades ou maracutaias. E a ré nem sequer se preocupou em trazer aos autos cópia desse inquérito civil público, para eventualmente demonstrar o contrário.

Mais ainda, a outra testemunha dos autores, Marco Antônio Silveira Castanheira (fls. 788-790), funcionário do Denacoop, confirmou, em essência, que o repasse das verbas à OCB e também sua utilização foram regulares, desmentindo ponto por ponto as falsidades da reportagem da ré, atinentes às viagens internacionais e aos convênios de estímulo ao cooperativismo.

O testemunho de Arlindo Porto Neto, arrolado pelos autores, Senador da República, Ministro da Agricultura à época dos fatos, também foi muito esclarecedor (fls. 817- 821). O que mais impressiona é que, segundo afirmado pela testemunha, nenhum jornalista da IstoÉ o procurou para falar a respeito dos fatos (fls. 820). Ou seja, houve um desapreço pela busca da verdade, pois era por intermédio de órgão vinculado àquele Ministério (Denacoop) que as verbas eram liberadas, sendo lógico que lá as informações poderiam ser confirmadas ou não, com a conseqüente obtenção de dados importantes para esclarecer todas as facetas do episódio. E mais, a fotografia utilizada na reportagem, com a legenda “ligações perigosas”, está completamente fora do contexto em que tirada. Ou seja, a ré preferiu engendrar reportagem tendenciosa, que acabou injustamente atingindo a honra e a imagem dos autores.

Os relatos das outras testemunhas dos autores confirmam tal conclusão (fls. 864-873), sendo desnecessárias transcrições ou resumos, eis que praticamente repetem o que dito pelas testemunhas anteriores, formando assim um quadro probatório sólido e consistente, confirmador das alegações da petição inicial. Por outro lado, as demais testemunhas da ré nada esclareceram, no sentido de confirmar o teor da reportagem (fls. 896-967 e 946), ou prestaram informações genéricas que ficaram isoladas no contexto geral da prova colhida (fls. 944-946 e 966-967).

2. Atualmente não mais se deve questionar a possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral. Nesse sentido é a Súmula nº 227 do Colendo Superior Tribunal de Justiça: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. Entre outros, foram precedentes dessa Súmula os seguintes julgados: REsp 129.428-RJ (4ª T 25.03.98 – DJ 22.06.98); REsp 134.993-MA (4ª T 03.02.98 – DJ 16.03.98); REsp 161.739-PB (3ª T 16.06.98 – DJ 19.10.98); REsp 161.913- MG (3ª T 22.09.98 – DJ 18.12.98); REsp177.995-SP (4ª T 15.09.98 – DJ 09.11.98); REsp 164.421-RJ (4ª T 10.11.98 – DJ 16.08.99).

Desse último recurso especial extrai-se o seguinte excerto, que bem esclarece a questão (relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar):

“‘1. Esta Quarta Turma já examinou o tema da responsabilidade civil por dano moral causado a pessoa jurídica, e lhe deu resposta afirmativa:

‘Quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, auto-estima, etc., causadores de dor, humilhação, vexame; a honra objetiva, externa ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa. Por isso se diz ser a injúria um ataque à honra subjetiva, à dignidade da pessoa, enquanto que a difamação é ofensa à reputação que o ofendido goza no âmbito social onde vive. A pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atos que afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua.


Esta ofensa pode ter seu efeito limitado à diminuição do conceito público de que goza no seio da comunidade, sem repercussão direta e imediata sobre o seu patrimônio. Assim, embora a lição em sentido contrário de ilustres doutores (Horacio Roitman e Ramon Daniel Pizarro, El Daño Moral y La Persona Jurídica, RDPC, p. 215) trata-se de verdadeiro dano extrapatrimonial, que existe e pode ser mensurado através de arbitramento. É certo, que, além disso, o dano à reputação da pessoa jurídica pode causar-lhe dano patrimonial, através do abalo de crédito, perda efetiva de chances de negócios e de celebração de contratos, diminuição de clientela, etc., donde concluo que as duas espécies de danos podem ser cumulativas, não excludentes.

Pierre Kayser, no seu clássico trabalho sobre os direitos da personalidade, observou:

‘As pessoas morais são também investidas de direitos análogos aos direitos da personalidade. Elas são somente privadas dos direitos cuja existência está ligada necessariamente à personalidade humana’. (Revue Trimestrielle de Droit Civil, 1971, v. 69, p. 445).

E a moderna doutrina francesa recomenda a utilização da via indenizatória para a sua proteção: ‘A proteção dos atributos morais da personalidade para a propositura de ação de responsabilidade não está reservada somente às pessoas físicas. Aos grupos personalizados tem sido admitido o uso dessa via para proteger seu direito ao nome ou para obter a condenação de autores de propostas escritas ou atos tendentes à ruína de sua reputação. A pessoa moral pode mesmo reivindicar a proteção, senão de sua vida privada, ao menos do segredo dos negócios.’ (Traité de Droit Civil, Viney, Les Obligations, La responsabilité, 1982, vol. II, p. 321).

No Brasil, está hoje assegurada constitucionalmente a indenizabilidade do dano moral à pessoa (art. 5º, X, da CR). Para dar efetiva aplicação ao preceito, pode ser utilizada a ‘regra exposta pelo art. 1.553 do Código Civil, segundo o qual, ‘nos casos não previstos neste capítulo, se fixará por arbitragem a indenização’. Esta disposição permite a indenização dos danos morais e constitui uma cláusula geral dessa matéria’ (Clóvis do Couto e Silva, O Conceito de Dano no Direito Brasileiro e Comparado, Rev. dos Tribunais, 667/7). O mesmo dano moral, de que pode ser vítima também a pessoa jurídica, é reparável através da ação de indenização, avaliado o prejuízo por arbitramento.

No caso dos autos, a v. sentença, depois confirmada pelo v. acórdão, cujos fundamentos estão transcritos no relatório, além de admitir a existência de dano extrapatrimonial, também reconheceu a presença de dano patrimonial, diretamente derivado da conduta culposa do banco. Tanto por um fundamento, quanto pelo outro, cabível o deferimento do pedido indenizatório.

Isto posto, conhecendo do recurso pela divergência, nego-lhe provimento.’ (REsp 60.033-MG, de minha relatoria, DJ de 27.11.1995; no mesmo sentido, REsp 112.127-RS, Quarta Turma, Rel. Eminente Min. Barros Monteiro) (REsp 129.428-RJ, de minha relatoria).”

No caso, a honra objetiva da autora OCB sem dúvida nenhuma foi atingida, pois se viu injustamente envolvida em reportagens maledicentes e inverídicas sobre sua atuação como entidade cooperativista. A ré sutilmente vinculou a autora a corrupção, mamata e maracutaia, sem dispor de elementos concretos, o que caracterizou conduta abusiva e preconceituosa. Portanto, a autora faz jus à reparação dos danos morais.

3. O autor Dejandir Dalpasquale também tem direito a indenização, pois sua honra, tanto objetiva quanto subjetiva, foi atingida pelas reportagens em questão. No mesmo contexto de corrupção, mamata e maracutaia, inseriu sem provas o autor, divulgando sua imagem como a de um desonesto que tem “ligações perigosas”, em evidente abuso, que não se configura como direito de informar.

Segundo José de Aguiar Dias, “quando ao dano não correspondem as características do dano patrimonial, dizemos que estamos em presença do dano moral. A distinção, ao contrário do que parece, não decorre da natureza do direito, bem ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter da sua repercussão sobre o lesado. De forma que tanto é possível ocorrer dano patrimonial em conseqüência de lesão a um bem não patrimonial como dano moral em resultado de ofensa a bem material. Releva observar, ainda, que a inestimabilidade do bem lesado, se bem que, em regra, constitua a essência do dano moral, não é critério definitivo para a distinção, convindo, pois, para caracterizá-lo, compreender o dano moral em relação ao seu conteúdo, que ‘…não é o dinheiro nem coisa comercialmente reduzida a dinheiro, mas a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a injúria física ou moral, em geral uma dolorosa sensação experimentada pela pessoa, atribuída à palavra dor o mais largo significado'” (Da responsabilidade civil, volume II, editora Forense, 9ª edição, item 226, página 729).


É claro que dano dessa espécie nunca poderá ser integralmente reparado, nem mesmo rigorosamente avaliado em dinheiro. Contudo, como disse Pontes de Miranda, “se se nega a estimabilidade patrimonial do dano não patrimonial, deixar-se-ia irressarcível o que precisaria ser indenizado”, acrescentando que “mais contra a razão ou o sentimento seria ter-se como irressarcível o que tão fundo feriu o ser humano, que há de considerar o interesse moral e intelectual acima do interesse econômico, porque se trata de ser humano.

A reparação pecuniária é um dos caminhos: se não se tomou esse caminho, pré-elimina- se a tutela dos interesses mais relevantes” (Tratado de Direito Privado, Forense, Rio, 1966, 2ª edição, tomo LII, p. 319 e seguintes, § 5.509, apud Rui Stoco, Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial, 2ª edição, Revista dos Tribunais, 1995, p. 457).

Já se decidiu respeito, com inteira propriedade, que “embora o dano moral seja um sentimento de pesar íntimo da pessoa ofendida, para o qual se não encontra estimação perfeitamente adequada, não é isso razão para que se lhe recuse em absoluto uma compensação qualquer. Essa será estabelecida, como e quando possível, por meio de uma soma, que não importando uma exata reparação, todavia representará a única salvação cabível nos limites das forças humanas” (Supremo Tribunal Federal, RE 69.754-SP, 2ª Turma, j. 11.3.71, v.u., Relator Ministro Thompson Flores, RT 485/231).

4. A fixação do valor da indenização deve servir aos objetivos de reparar a ofensa e punir o ofensor (Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, n. 49, p. 67, Rio de Janeiro, 1989). Há de se ter em conta também a posição social do ofendido, a situação econômica do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e a repercussão da ofensa. No caso, o dolo foi intenso e a gravidade da ofensa foi grande. A repercussão foi incalculável, pois não se sabe quantas pessoas leram a revista e comentaram o assunto.

A autora OCB é organização de grande importância no sistema cooperativista brasileiro. O autor Dejandir Dalpasquale foi presidente dessa entidade e desempenhou vários cargos públicos de grande relevância. Diante de tudo isso, é justa a indenização de R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais) para cada um dos autores, quantia que a situação econômica da ofensora certamente suporta. Nem se argumente com o limite indenizatório da Lei de Imprensa, que não se aplica diante do dolo com que praticado o ato (RSTJ 99/179).

5. Ante o exposto, julgo procedente a ação. Condeno a ré a pagar a cada um dos autores, a título de reparação de danos morais, a quantia de R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais), com atualização monetária pela tabela prática e juros de mora à taxa legal, tudo desde a data em que publicada a reportagem. Por taxa legal dos juros moratórios entenda-se, no período anterior à entrada em vigor do novo Código Civil, meio por cento ao mês, e no período posterior, um por cento ao mês, que é o percentual definido em caráter geral para a mora do pagamento dos tributos federais, aplicável para dívidas de natureza civil (artigo 406 do novo Código Civil e parágrafo 1º do artigo 161 do Código Tributário Nacional).

Condeno a ré também a publicar a íntegra da sentença condenatória e do acórdão que eventualmente a confirmar, às suas expensas e na mesma revista das ofensas, por uma vez, logo na edição seguinte ao trânsito em julgado, independentemente de qualquer intimação específica, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais). Sucumbente, a ré arcará com custas, despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em dez por cento do valor da condenação. P.R.I. São Paulo, 25 de maio de 2005. Gustavo Santini Teodoro, Juiz de Direito.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO 470.459-4/2-00, da Comarca de SÃO PAULO, em que é apelante GRUPO DE COMUNICAÇÃO TRÊS S/A. sendo apelados ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRA – O. C. B. e OUTRO:

ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NÃO CONHECERAM DO AGRAVO RETIDO E DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores LUIZ ANTONIO DE GODOY (Presidente, sem voto), DE SANTI RIBEIRO E ELLIOT AKEL. São Paulo, 17 de abril de 2007. Guimarães e Souza, Relator.

VOTO Nº 17.298, COMARCA: SÃO PAULO, APELAÇÃO nº 470.459.4/2-00, APELANTE: GRUPO DE COMUNICAÇÃO TRÊS S/A., APELADO: ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS BRASILEIRAS – OCB (E OUTRO):

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS — Reportagem veiculada pela Revista “ISTOÉ”, fazendo referências aos autores, como integrantes de esquema de desvio de verbas — Preliminar de ilegitimidade ativa afastada — Agravo retido não conhecido, pois não reiterado nas razões do apelo — Possibilidade da pessoa jurídica sofrer dano moral — Provas testemunhais que corroboram a versão dos autores — Comprovação de que as matérias publicadas são inverídicas — Indenização devida, mas não nos moldes fixados — Diminuição da importância devida, para evitar enriquecimento sem causa — Aplicação do artigo 75, da Lei 5.250/67 — Agravo retido não conhecido e apelação parcialmente provida, apenas para reduzir o quantum indenizatório.


1. Trata-se de ação de indenização por danos morais julgada procedente pela r. sentença de fls. 1.040/1.055, cujo relatório é adotado, condenada a ré “a pagar a cada um dos autores, a título de reparação de danos morais, a quantia de R$ 250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais), com atualização monetária pela tabela prática e juros de mora à taxa legal, tudo desde a data em que publicada a reportagem”.

A ré também foi condenada “a publicar a íntegra da sentença condenatória e do acórdão que eventualmente a confirmar, às suas expensas e na mesma revista das ofensas, por uma vez, logo na edição seguinte ao trânsito em julgado, independentemente de qualquer intimação específica, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais). Sucumbente, a ré arcará com custas, despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em dez por cento do valor da condenação”.

Apelou a ré pleiteando a reforma da sentença. Alega em síntese que:

a) “as testemunhas ouvidas e apresentadas pelos autores apelados veementemente confirmaram o que havia narrado a revista A testemunha Roberto Rodrigues, beneficiário das gentilezas da OCB na qualidade de então presidente da Aliança Cooperativa Internacional, afirmou que de fato 23 (vinte e três) brasileiros viajaram sob o patrocínio da apelada às custas das verbas fornecidas pelo Departamento Nacional de Cooperativismo — DENACOOP.”;

b) “no tocante à autora pessoa jurídica, há que se ponderar ” prima facie” que carece ela da ação. De fato, não descreve ela dano moral indenizável, eis que este é o sentimento da alma, é a dor, o sofrimento que decorre do ato ofensivo, e a pessoa jurídica, por definição, não pode sofrê-lo”;

c) nenhuma repercussão econômica concreta se comprovou nos autos atingindo a OCB e esta, em nenhum momento, afirma tê-la sofrido. Impossível, então, presumi-la”;

d) “no caso do cidadão DEJANDIR, que presidiu a OCB à época e, segundo a sua qualificação na inicial, após a publicação das reportagens era deputado estadual, é incontroverso que a única referência que lhe fizeram as reportagens impugnadas se resumiu na sua qualificação como integrante da comitiva da OCB que viajou para Miami, formada por oito pessoas…”;

e) “com fundamento na Lei de Imprensa, se torna impossível a imposição da pretendida responsabilização da apelante pela indenização do suposto dano moral”.

Afirmou ainda a recorrente que:

a) “e não se diga que cumpria à apelante a apuração meticulosa das circunstâncias em que tais verbas foram utilizadas pela apelada, já que sendo irrefutável que não foram aceitas as conseqüentes prestações de contas em razão de dúvidas sobre os seus objetivos e de irregularidades então apuradas como a tentativa de se adequar as despesas ao final da execução do projeto inclusive com a inserção de termos aditivos, o que levou à negativa de registro dessas despesas pelo Tribunal de Contas da União…, nada além da narrativa desses fatos poderia a apelante fazer, cumprindo exclusivamente aos apelados o fornecimento das justificativas cabíveis à população do país, eis que somente eles poderiam obter esses dados e a documentação a eles relativa, mercê do sigilo imposto pelo TCU”;

b) “apesar dos quase dez anos já decorridos da execução dos aludidos convênios, apesar de há quase cinco anos ter sido reaberta a instrução deste processo em razão de ter sido anulada a anterior sentença prolatada, que julgou a demanda improcedente, o fato é que nenhuma prova nesse sentido foi produzida pelos autores ao menos para informar qual a conclusão dada pelo TCU ao processo relativo ao registro das despesas realizadas pelos apelados”;

c) “por derradeiro, não tem o sr. Dejandir direito à indenização, eis que nenhum fato lhe foi imputado nas reportagens impugnadas, motivo pelo qual jamais poderia ele se apresentar em Juízo como ofendido”;

d) “a r. sentença ora apelada, condenando a apelante, negou vigência também ao artigo 27, inciso VI, da Lei de Imprensa”;

e) “a simples leitura das reportagens impugnadas já nos convence que investem elas não contra as entidades cooperativas, mas sim contra a liberação de verbas de vulto através de convênios, pelo DENACOOP do Ministério da Agricultura, destinadas a aplicações em atividades não muito claras…”;

f) “o valor da indenização arbitrada nestes autos importa, corrigido até abril do corrente ano, em nada menos de R$ 917.000,00 cerca de US$ 394.000 (trezentos e noventa e quatro mil dólares americanos)”;

g) “não tendo sido a lide processada e decidida conforme a Lei de Imprensa, descabe agora a imposição à apelante da pena acessória prevista no artigo 75 daquele diploma — e isto é incontestável, até em vista do valor da condenação —, sendo que a legislação civil comum jamais a previu. Dessarte, essa cominação é flagrantemente inconstitucional, assim como a “astreinte” arbitrada em valores incompatíveis com o Direito aplicável, afrontando desenganadamente a garantia constitucional estampada nos incisos II e XXXIX do artigo 5º da Lei Maior”.


Recurso regularmente processado, com preparo e resposta.

2. Não há falar em não conhecimento da apelação, em razão da ausência do depósito previsto no parágrafo 6º, do art. 57 da Lei de Imprensa.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está consolidada no sentido da desnecessidade do depósito prévio previsto na Lei de Imprensa nas ações de indenização por dano moral.

“Ação de indenização. Apelação. Depósito prévio. Precedentes da Corte

1.Está assentada na jurisprudência da Corte que não é mais necessário o depósito prévio previsto na Lei de Imprensa nas ações de indenização por dano moral” (REsp 612380/Ap, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Superior Tribunal de Justiça).

“Indenização. Dano moral. Lei de Imprensa. Depósito do valor total. Condenação para recorrer. Desnecessidade.

Afastadas as condicionantes para indenização tarifada prevista na Lei de Imprensa, não é de ser exigido o deposito do valor integral da condenação para o efeito da admissibilidade da apelação” (REsp 241774/PR, Relator Ministro César Asfor Rocha, Superior Tribunal de Justiça).

“Não se mostra necessário o depósito prévio do valor da condenação para interposição de recurso de apelação contra sentença proferida com lastro na Lei de Imprensa. Precedentes” (REsp 472.790/MA, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Superior Tribunal de Justiça).

Os ora apelados ajuizaram ação contra a apelante, objetivando a condenação desta última ao pagamento de indenização por dano moral, em razão de matérias jornalísticas publicadas na revista semanal “ISTOÉ” nas edições de 25 de dezembro de 1996 e 08 de janeiro de 1997, intituladas, respectivamente, “Cooperativa de Corrupção” e “Mamata do Cooperativismo”. Alegaram os autores que tais matérias “denunciam o que estaria sendo um esquema montado de corrupção, na utilização de verbas repassadas pelo DENACOOP”. Tais matérias estão descritas na petição inicial da ação.

Sustentaram os autores que as matérias jornalísticas mencionadas denunciam corrupção na utilização de verbas públicas repassadas para projetos de cooperativismo rural em todo o país, em que parte do dinheiro destinado às cooperativas foi desviado para obras particulares, viagens internacionais, festas e compras de roupas, “estimando um ‘rombo’ de, pelo menos, R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais),” “dando conta ainda que havia sindicância aberta pelo Ministério da Agricultura para apurar as denúncias de desvio de verbas, com a participação de funcionários, e com a observação de que o Ministério continuava a alimentar a mamata, com novas liberações de recursos” (fls. 1.041).

Afirmaram ainda os ora apelados que houve abuso do direito de informar e ofensa à honra, diante da publicação de fatos inverídicos ou equivocadamente interpretados.

A r. sentença de fls. 611/625 julgou improcedente a ação, a qual foi anulada pelo v. acórdão de fls. 659/662, para a produção de provas, pois “o feito não permitia exame do mérito antecipadamente, negando-se a possibilidade dos autores de realizar a produção das provas que requereram. É que essa prova se faz necessária na medida em que os demandantes sustentam que os fatos apontados nas publicações constantes das revistas referidas na inicial, de responsabilidade da ré, não corresponderiam à verdade e que, por isso, teria havido abuso no direito constitucional de livre informação e manifestação” (fls. 661).

O d. magistrado “a quo” proferiu despacho saneador, indeferindo as preliminares de inépcia da petição inicial, desnecessidade dos autores postularem valor certo a título de indenização, possibilidade da pessoa jurídica sofrer dano moral, afastando ainda a preliminar de ilegitimidade ativa de Dejandir Dalpasquale, e ainda fixou os pontos controvertidos, quanto a matéria fática, designando audiência (fls. 701).

Contra mencionada decisão foi interposto agravo retido às fls. 703/704, não reiterado por ocasião da interposição do apelo. Assim, dele não se conhece.

Conforme esclareceu a r. sentença “a quo”, os pontos fáticos controvertidos são eles: “legalidade e moralidade das viagens para cursos, congressos e, de modo geral, intercâmbios de experiências no cooperativismo mundial, regularidade da compra de roupas, pela afiliada do Rio de Janeiro, para recepcionistas em um congresso, que custou cem vezes menos do que o publicado na revista; legitimidade das viagens internacionais, dentro de projetos aprovados pelo governo brasileiro, voltados ao aperfeiçoamento contínuo do cooperativismo” (fls. 1.047).

As testemunhas ouvidas dão azo às assertivas dos autores e demonstram a inveracidade do conteúdo das matérias publicadas pela Revista “ISTOÉ”.

Roberto Rodrigues, testemunha dos autores, afirmou que (fls. 722/723):


Sou presidente da Aliança Cooperativa Internacional, Engenheiro Agrônomo, professor de Economia Rural na UNESP, além de agricultor. A aludida Aliança é órgão de cúpula do Cooperativismo mundial, agregando cerca de 250 organizações de cooperativas em 102 países. A ACI é membro do conselho consultivo da ONU. A OCB (Organização do Cooperativismo Brasileiro) é órgão representativo do Cooperativismo Brasileiro, criado por força da Lei nº 5.764/71, cabendo a ela a estruturação de todo o sistema cooperativo no Brasil… A OCB não tem poder de controle sobre a gestão e sobre a utilização de recursos de cooperativas ou de organizações estaduais de cooperativas: cada entidade integrante do sistema de cooperativismo nacional cuida de sua própria gestão e presta contas diretamente aos órgãos ou entidades dos quais obtêm recursos.

O DENACOOP não é apenas departamento nacional de cooperativismo, mas também de associativismo, razão pela qual esse órgão destina também recursos a outras entidades e associações não integrantes do cooperativismo. Tenho conhecimento da reportagem publicada na revista da requerida e que deu origem a esta lide.

Tive conhecimento de uma viagem patrocinada pela OCB a 23 brasileiros, tratava-se de uma viagem de intercâmbio na área educacional, gerencial e também comercial, não fiquei sabendo detalhes a respeito do custo dessa viagem. Ao que é de meu conhecimento, essa viagem foi realizada com a aprovação de um projeto pelo DENACOOP…

Não tenho dados precisos a respeito de quanto se gastou nesse evento, mas posso informar que as entidades participantes do congresso procuram sempres reduzir ao máximo os custos e despesas…

Não recebo honorários de nenhuma espécie, nem remuneração de qualquer tipo, pela participação nesses congressos e eventos. Trata-se de atividade não remunerada. A reportagem fez alusão a gastos com roupas ou vestimentas femininas. Quando li isso, procurei me informar a respeito do que exatamente se tratava e fiquei sabendo que com a quantia de R$ 700,00, aproximadamente, tinha sido adquirido pano para confecção de uniforme das recepcionistas do congresso que se realizava no Rio de Janeiro…”.

A testemunha Américo Utumi disse que a OCB não tem poder para fiscalizar e controlar a utilização das verbas destinadas pelo DENACOOP a associações e sindicatos rurais (fls. 724).

Já as testemunhas Maria Luisa R. de Lima e Mônica Nicida Garcia, ambas Procuradoras da República, afirmaram não se recordarem de terem verificado qualquer alusão aos autores OCB e Dejandir Dalpasquale, no inquérito civil público instaurado para apurar irregularidades, tais como desvio de verbas públicas pelo DENACOOP (fls. 771/772).

A testemunha Marco Antônio Silveira Castanheira (fls. 825/827), funcionário no DENACOOP, disse que o repasse das verbas à OCB e também sua utilização foram regulares, desmentindo as reportagens da ré, referentes às viagens internacionais e aos convênios de estímulo ao cooperativismo.

A respeito dos depoimentos testemunhais cabe transcrever trecho da r. sentença “a quo”, de fls. 1.049:

“O testemunho de Arlindo Porto Neto, arrolado pelos autores, Senador da República, Ministro da Agricultura à época dos fatos, também foi muito esclarecedor (fls. 817/821). O que mais impressiona é que segundo afirmado pela testemunha, nenhum jornalista da ISTOÉ o procurou para falar a respeito dos fatos (fls. 820). Ou seja, houve um desapreço pela busca da verdade, pois era por intermédio de órgão vinculado àquele Ministério (DENACOOP) que as verbas eram liberadas, sendo lógico que lá as informações poderiam ser confirmadas ou não, com a conseqüente obtenção de dados importantes para esclarecer todas as facetas do episódio. E mais, a fotografia utilizada na reportagem, com a legenda “ligações perigosas”, está completamente fora do contexto em que tirada. Ou seja, a ré preferiu engendrar reportagem tendenciosa, que acabou injustamente atingindo a honra e a imagem dos autores.

Os relatos das outras testemunhas dos autores confirmam tal conclusão (fls. 864-873), sendo desnecessárias transcrições ou resumos, eis que praticamente repetem o que dito pelas testemunhas anteriores, formando assim um quadro probatório sólido e consistente, confirmador das alegações da petição inicial. Por outro lado, as demais testemunhas da ré nada esclareceram, no sentido de confirmar o teor da reportagem (fls. 896/897 e 946), ou prestaram informações genéricas que ficaram isoladas no contexto geral da prova colhida (fls. 944-946 e 966-967)”.

Não há dúvida sobre a possibilidade da autora OCB figurar no pólo ativo, pois ainda que seja pessoa jurídica, pode sofrer dano moral, conforme Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça. As provas dos autos levam à conclusão de que a honra objetiva da litisconsorte ativa OCB foi atingida, em razão das reportagens inverídicas sobre sua atuação como entidade cooperativista.


Da mesma forma, o autor Dejandir Dalpasquale também tem direito a indenização, pois sua imagem fora divulgada como a de um desonesto que está envolvido em “ligações perigosas”.

O art. 12, da Lei 5.250/67, afirma que “Aqueles que, através dos meios de informação, praticarem abusos, responderão pelos prejuízos que causarem”.

Conclui-se que houve ataque à honra dos autores a ensejar a indenização.

Yussef Said Cahali, in Dano Moral, 2ª edição, pág. 20, citando ensinamento de Dalmartello, esclarece que:

“Parece mais razoável, assim, caracterizar o dano moral pelos seus próprios elementos; portanto, “como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos”; classificando-se, desse modo, em dano que afeta a “parte social do patrimônio moral” (honra, reputação, etc.) e dano que molesta a “parte afetiva do patrimônio moral” (dor, tristeza, saudade, etc.); dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)”.

Vê-se, pois, que a imputação feita aos autores atingiu- lhes, no mínimo, a parte de seu patrimônio moral (honra, reputação, etc.), como se extrai da lição mencionada.

Em outras palavras, como assinala Carlos Alberto Bittar, apud ob. Cit., ibidem:

“qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendose como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o de intimidade e da consideração pessoal). Ou da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua ( o da reputação ou da consideração social)”.

A indenização deve ser arbitrada, levando-se em consideração, principalmente, as circunstâncias em que se deu a ofensa e as condições das partes.

Um único reparo merece a r. sentença “a quo”, e é no que tange a importância arbitrada a título de danos morais.

Na espécie, para que não haja enriquecimento sem causa, com o estabelecimento de indenização exorbitante ou, ao contrário, ínfima a ponto de não compensar os danos experimentos pelos autores, com moderação, é de ser arbitrada na importância de R$ 105.000,00 (cento e cinco mil reais), para cada um, quantia essa devida a partir desta data, com juros de mora contados desde a publicação da reportagem, mantida no mais, a r. sentença de primeiro grau, por seus próprios fundamentos, inclusive quanto à atualização monetária.

Por fim, a multa diária, a ser aplicada para o caso do não cumprimento, pela ré, da determinação para publicar, na íntegra a sentença condenatória e este acórdão, na importância diária de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), é de ser mantida, não havendo falar em afronta a qualquer dispositivo constitucional ou legal, pois aplica-se, “in casu”, a Lei de Imprensa.

Nos termos do caput, do art. 75, da Lei 5.250/67: “Art. 75 — A publicação da sentença cível ou criminal, transitada em julgado, na íntegra, será decretada pela autoridade competente, a pedido da parte prejudicada, em jornal, periódico ou através de órgãos de radiodifusão de real circulação ou expressão, às expensas da parte vencida ou condenada”.

Pelo exposto, não se conhece do agravo retido de fls. 703/704 e dá-se parcial provimento ao recurso, para os fins acima explicitados. Guimarães e Souza, Relator.

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