Falta flagrante

Entrevista: deputada federal Marina Maggessi

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15 de junho de 2008, 0h00

Marina Maggessi - por SpaccaSpacca" data-GUID="marina_maggessi.jpeg">Para a deputada federal Marina Maggessi (PPS-RJ), grampo é uma realidade concreta de sua vida. Inspetora da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Marina teve seu telefone interceptado indiretamente quando a Polícia Federal grampeou os telefones de colegas seus, acusados na Operação Gladiador de dar proteção ao jogo ilegal no Rio.

A gravação de conversas ao telefone — que para elas são inocentes bate-papos entre amigos, mas que a polícia interpretou como provas cabais de crimes — fez dela uma combatente contra os abusos das interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal no curso de suas operações contra o crime organizado e a corrupção.

Eleita deputada federal logo após as investigações que mandaram alguns de seus colegas de polícia para a cadeia, Marina Maggessi não só ganhou imunidade como se alistou na CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas formada na Câmara para investigar o grampo e propor medidas que impeçam a perpetuação de abusos.

Tanto a CPI como a deputada demonstram mais preocupação com os abusos cometidos com a interceptação legalmente autorizada pelo Judiciário do que com as interceptações ilegais, feitas sem autorização e que, suspeita-se, movimentam um próspero mercado paralelo de bisbilhotagem

Repetindo o que ouviu na CPI de peritos e especialistas, ela questiona e reclama dos métodos e técnicas empregados pela Polícia Federal no manuseio das interceptações telefônicas e no tratamento das informações geradas por elas. Sustenta que a PF fez das escutas o princípio meio e fim das investigações.

A deputada vai além e acusa a PF de agir de má-fé. O alvo predileto de suas críticas é o delegado Élzio Vicente da Silva, que atuou na Operação Furacão, que investiga a venda de decisões judiciais para favorecer o jogo ilegal no Rio de Janeiro. “Ele acusa todo mundo de corrupção, mas nunca deu um flagrante. O relatório dele é todo ‘provavelmente’, ‘provavelmente’, ‘provavelmente’.”, diz ela.

Para a deputada grande parte dessas operações e investigações são inconstitucionais. “Fico chocada com algumas operações que têm sido feitas no Brasil”, diz Marina. “Parece que eles começam a investigar e, se não encontram nada, começam a produzir para não voltar atrás”, afirmou a deputada em entrevista concedida ao Consultor Jurídico em Brasília.

Depois de 19 anos de carreira na Polícia Civil do Rio de Janeiro onde foi responsável pela prisão, entre outros, do traficante Fernandinho Beira-Mar, Marina quer usar sua experiência com interceptações para ajudar o Congresso Nacional a formular uma lei mais segura e eficaz para regular as escutas no país.

Marina Maggessi foi chefe de investigação da Delegacia de Repressão a Entorpecentes por três gestões. Também foi coordenadora de inteligência da corporação. Ficou conhecida por seu profissionalismo, eficiência e idéias fortes. É a favor do desarmamento e absolutamente contra a redução da maioridade penal. Em seu primeiro mandato parlamentar, Marina foi eleita a primeira vice-presidente da Comissão de Segurança Pública. É a primeira mulher no cargo.

Leia a entrevista

ConJur — A senhora disse que esta CPI muito lhe interessa. Por que?

Marina Maggessi —Primeiro, porque, eu conheço muito sobre grampo, tanto teoricamente, quanto operacionalmente. Fico chocada com algumas operações feitas no Brasil e como se induz o Judiciário a erro. Algumas operações da Polícia Federal como, por exemplo, a Furacão e a Gladiador, tem uma metodologia policial de interpretar palavras e de vazar informações. Eu fui vítima disso. Fui interceptada por que estava conversando com um amigo que estava sendo interceptado. Há uma manipulação política vergonhosa.

ConJur — Como a polícia manipula as interceptações? Na interpretação?

Marina Maggessi — É óbvio que existem os códigos nas conversas interceptadas. Raramente se ouve um cara falando para outro: “Olha, chegou sua cocaína”. Mas se um policial está acompanhando uma interceptação e ouve: “Chegou sua camisa”, ele tem de ver que camisa é essa. Porque o que interessa é o flagrante. Não tem um flagrante na Operação Furacão, por exemplo. Eles ficaram acompanhando aquele negócio de dinheiro para cá, dinheiro para lá, mas não fizeram um flagrante. O delegado que assina o relatório da operação [Élzio Vicente da Silva] veio depor na CPI . Eu perguntei a ele por que a palavra “chopp” foi interpretada como “dinheiro”? Ele se recusou a responder. O relatório dele é todo “provavelmente”, “provavelmente”, “provavelmente”. O que é isso? Ele passa o tempo todo acusando as pessoas de corrupção, mas não deu um flagrante. Não trouxe um fato concreto. Isso é um perigo.


ConJur — A senhora acredita que a Polícia Federal esteja preparada para cuidar do material das escutas?

Marina Maggessi — Não está. Veja esse delegado que assinou o relatório da Furacão. Ele era procurador e fez concurso para delegado. Regrediu na carreira para ter poder sobre a vida das pessoas. Ele tem quatro anos de polícia. O trabalho dele vazou para a imprensa. E eu perguntei pra ele: ‘Você não ficou com raiva? Você não instaurou nenhum procedimento’? E ele responde: ‘Não, nem liguei’. Quer dizer, foi ele mesmo que vazou.

ConJur — A seu ver, não se trata de falta de preparo para lidar com as escutas mas de má-fé?

Marina Maggessi — Tem má-fé na medida em que não tem como provar o que se fala. Pegam uma conversa de 40 minutos e pinçam uma frase. Dou o exemplo do meu amigo que estava sendo ouvido, o Hélio [Machado da Conceição, preso na Operação Gladiador da PF], que é policial civil. Somos amigos desde que entrei na polícia. Uma noite ele me liga e fala assim: ‘Eu levei Cristina (mulher dele) para o aeroporto’. Ela era diretora de recursos humanos, executiva, ganhava uma prata. Aí eu falei: ‘Ela foi para Curitiba?’. E ele disse que não, que ela tinha ido para o Amapá. E eu perguntei: ‘O que uma pessoa vai fazer no Amapá?’ Ai ele falou: ‘Ela mudou de emprego, agora ela está trabalhando em uma empresa de mineração. É auditora e por isso vai para o interior do Amapá’. Então eu brinquei com ele, porque na polícia existe o jargão de “mineiro”, como no jornalismo tem “foca”. A gente riu para caramba porque eu falei assim: ‘Ah é? Ela está trabalhando na mineração agora também? Então todo mundo aí na casa está na mineração?’ Você acredita que na denúncia isso é colocado assim: ‘Hélio confirma para a deputada que pratica extorsão na polícia’.

ConJur — Onde está o problema na transcrição que a polícia faz das interceptações?

Marina Maggessi — Eles não fazem transcrição da conversa, eles botam o resumo. E sabe aonde isso foi parar? Na decisão do ministro Cezar Peluso, quando recusou o Habeas Corpus do Hélio. Depois eu fui conversar com o ministro Peluso: “O senhor está sendo levado a erro desde o início. Vou fazer um relatório para o senhor tomar pé do que está acontecendo. O senhor já ouviu algum áudio desses? Essa conversa tinha 40 minutos.” O Hélio ele não tem nem passaporte, ele tem um apartamento no Recreio, o carro da mulher, e o carro dele, e tudo à custa dela, porque ela ganha muito bem. Eles são casados, têm uma filhinha, e o cara está apodrecendo na cadeia. Foi levado para Bangu I, ficou incomunicável, e a vida dele foi salva pelos bandidos que ele prendeu do Comando Vermelho. Ficou 20 dias em Catanduvas [presídio de segurança máxima no Paraná]. O bagulho é sério, a manipulação que eles fazem. Porque existem grupos políticos, facções, como a gente chama dentro da polícia. E eu não tenho dúvida nenhuma que eles estão me investigando de tudo quanto é jeito. Graças a Deus eu moro em um apartamento alugado de 50 metros quadrados. Nem carro eu tenho.

ConJur — A senhora já ouviu falar da existência de um próspero mercado ilegal de informações interceptadas legal ou ilegalmente?

Marina Maggessi — O grampo ilegal só serve para fazer espionagem, chantagem, mas não sai na grande imprensa. O grande perigo é a manipulação do grampo legal. Na Operação Furacão, a juíza expediu um mandato de escuta no final de 2006. O delegado guarda na gaveta aquilo e só bota o grampo 26 dias depois. Qual o motivo disso? Tem alguma coisa muito séria por trás que ele esperou acontecer para burlar a juíza. À luz da Justiça todas essas operações deveriam ser anuladas – Cerol, Anaconda, Têmis, Furacão I, II e III, Gladiador. Na Operação Gladiador, oito pessoas que eles estavam ouvindo, foram mortas. O cara marcava para matar alguém, matava, ligava para o chefe e falava: ‘Já foi’. E eles não fizeram nada para impedir oito mortes. O pior crime é o crime contra a vida. Aonde eles queriam chegar? Não colheram uma prova sequer.

ConJur — A senhora diz que à luz da Justiça as operações deveriam ser anuladas.

Marina Maggessi — Elas começaram e continuaram ilegalmente. Quer ver uma irregularidade horrível? A Operação Poeira no Asfalto começou com a Polícia Rodoviária Federal que não tem atribuição de investigação. Quando o Luiz Carlos Simões escutou o grampo, ele falou: “Essa voz não é minha, eu nunca falei com essa pessoa na minha vida.” [ Confundidos com homônimos, os policiais rodoviários federais Luiz Carlos Simões e Luiz Carlos Roque foram presos e acusados de integrar uma quadrilha que fraudava combustíveis]. Ai ele começou a correr atrás, porque, não tinha dinheiro para pagar um perito. Uma moça do Ministério Público do Rio de Janeiro, perita em fonética, acabou fazendo o laudo dele de graça. Ele começou a investigar por conta própria, para saber de quem era aquela voz, e chegou ao cara. O cara se chama Eli Simões e comprovadamente a voz é dele. Luiz Carlos Simões foi condenado a cinco anos de cadeia. Agora, fica a critério de quem toma conhecimento disso escolher se isso é má-fé ou se isso é incompetência. Sabe o que me parece? Que eles começam a investigar e, se não encontram nada, começam a produzir para não voltar atrás. Eu acho o Ministério Público faz a mesma coisa e eu acho que o Judiciário faz a mesma coisa também.


ConJur — Que tipo de controle é possível estabelecer para evitar a farra de interceptações autorizadas?

Marina Maggessi —Uma coisa importante não é nem a fiscalização do Judiciário, é a degravação do grampo, que tem que ser integral, tem que ser redigida. Então, o mínimo que o juiz tem que fazer é falar: “Por que essa ligação aqui tem 40 minutos de conversa e aqui só tem um minuto degravado?” A manipulação política, está triste. Veja o que aconteceu com o ministro Sepúlveda Pertence, um homem ético daqueles. O que aconteceu ao Carreira Alvim, que seria o presidente no Tribunal [Regional Federal] do Rio de Janeiro. O que eles tentaram fazer comigo. Meu amigo Fernando, que é policial, estava conversando com Marcão, que estava sendo ouvido. No dia da eleição o Marcão ligou para ele: “Qual é mesmo o número da Marina?” Ele respondeu: “2315”. Daí o Marcão: “Que legal, consegui uns trinta votos para ela.” Esse delegado [Élzio Vicente da Silva, da Operação Furacão] colocou no relatório: ‘Provavelmente R$ 30 mil reais’. Aí saí na imprensa: ‘PF diz: jogo do bicho deu dinheiro a Marina Magessi’. Quem é que paga por isso? Esse delegado, porque eu vou entrar com uma ação criminal contra ele.

ConJur — Além da degravação completa, o que mais é preciso fazer para coibir abusos?

Marina Maggessi — Tem uma coisa importantíssima: todas as pessoas ouvidas durante uma operação devem ser informadas que estavam sendo escutadas em determinado período. Mesmo as que não foram denunciadas. Outra coisa: não se pode fazer resumo. O resumo é proibido em todos os países de primeiro mundo, porque implica juízo de valor. Tem que colocar a conversa degravada, o áudio completo tem que ficar com o juiz até a ação transitar em julgado. E deve ser disponibilizado para a defesa também.

ConJur — Hoje não existe nenhuma disposição para se apurar e punir os casos de vazamento de gravações interceptadas? De quem é a responsabilidade pelo vazamento?

Marina Maggessi — O responsável é o delegado que assina o relatório. Quem vaza é ele. Pensamos em criar um dispositivo assim: qualquer prova de grampo que vazar, deixará de ser prova. Assim, eu quero ver eles vazarem.

ConJur — Por que não se apura e não se pune vazamento?

Marina Maggessi — Quem é que investiga delegado? Delegado, da corregedoria. Está cheio de coisa arquivada. Por exemplo, o delegado que botou um grampo ilegal no presidente da OAB do Rio de Janeiro. Foi aberto um procedimento na corregedoria e o delegado corregedor mandou arquivar.

ConJur — Qual a avaliação que a senhora faz desses quatro meses de CPI?

Marina Maggessi — O que eu achei mais interessante foi a coragem de discutir uma coisa que nunca ninguém havia discutido no país. Todo mundo engole isso, engole, engole, engole. É um estado de exceção tão horrível, que me dá nojo. Estamos trabalhando.

ConJur — A CPI tem condições de construir uma legislação que proteja melhor o direito constitucional do sigilo telefônico?

Marina Maggessi — Eu não tenho dúvida. Até porque o Judiciário pela primeira vez está ouvindo isso. Existem vaidades e inimizades, mas lá no travesseiro, de noite, lá no íntimo, eles pensam (os juízes): ‘Poxa, eles estão me enganando mesmo. Eles estão me manipulando’. Todo mundo está arriscado a ser enganado, mas ser manipulado é um desrespeito muito maior. Pelo menos o ministro Peluso sentou e me ouviu bastante quando eu falei sobre isso. Levei o despacho dele e mostrei que tinha o meu nome lá e falei para ele: ‘Pede o áudio, ouve, uma vez só’.

ConJur — A senhora está sendo grampeada?

Marina Maggessi — Tenho certeza. Não adianta ter medo, sabe? Eles fazem de tudo para me pegar. Prenderam meu amigo, Fernando, da minha equipe. Se eu não tivesse virado deputada eu também seria presa. Não é brincadeira não. Tenho certeza que tem grampo em todos os telefones, aqui do gabinete, da minha casa… porque eu sei quando eu estou no grampo, e não é porque tem barulhinho lá atrás não. Meu e-mail também está no grampo. Estou com a máquina mais possante que existe, mas para eu abrir o meu e-mail do Globo demora para cacete, porque está redirecionando tudo para alguma máquina.

ConJur — A senhora não tem medo?

Marina Maggessi — Nunca andei com segurança, nem quando prendi todos esses caras do tráfico. Esses delegados só têm uma certeza: se me matarem, vão ter que matar minha equipe toda. Vai ficar ruim para o lado deles. A minha Polícia Civil sabe investigar pra cacete e vai chegar em quem fez. E eu não acredito que eles façam qualquer coisa, porque é um bando de covarde. Eles não têm valentia, não têm coragem.

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