Grampo legal

Juízes reagem a acompanhamento de autorizações de escutas

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14 de junho de 2008, 0h01

A tentativa de alguns setores do Judiciário de acompanhar o número e a freqüência das autorizações de interceptação telefônica concedidas por juízes já começou a encontrar resistência. O juiz criminal carioca Rubens Casara, por exemplo, enviou um ofício à operadora telefônica sem preencher os dados que o sistema de monitoramento implementado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro exige.

Em sua decisão, ele explica que o ofício foi enviado no formato antigo porque considera inconstitucional a regra que manda incluir no sistema do TJ fluminense os dados sobre a autorização. Até agora, apenas o tribunal do Rio de Janeiro possui sistema para acompanhar a concessão. Mas há uma proposta de Resolução — que deverá ser votada nos próximos dias — do Conselho Nacional de Justiça para estender o mecanismo para outros tribunais do país.

O juiz que se recusou a cumprir as determinações do TJ do Rio explicou ao site Consultor Jurídico que não é contra o controle das autorizações. Ele considera que a iniciativa da administração do Judiciário fluminense é boa. Mas, em sua opinião, a tentativa de evitar a violação de um direito pode prejudicar ainda mais o investigado. Segundo o juiz, a lei que regulamenta as interceptações foi cuidadosa ao determinar que, além de ser medida excepcional, o acesso aos dados da interceptação deve ser pelo menor número de pessoas possíveis.

Para Rubens Casara, o fato de um juiz poder ver se já há interceptação do número, autorizada por outro colega, pode levar a um “pré-conceito” na causa que está decidindo. Segundo ele, apenas por esse fato, a medida parece ilegal. Outra questão levantada é a de que se a medida cautelar de interceptação telefônica tiver mais publicidade, pode perder seu efeito, ou seja, passará a não ser tão importante.

A preocupação não é só do juiz estadual. Em artigo publicado no jornal O Globo, os juízes federais Alexandre Libonati, Ana Paula Vieira e Valéria Caldi questionaram a legalidade do controle das autorizações. “Parece-nos que o pretendido ‘controle’ sobre as linhas monitoradas legalmente e o compartilhamento de informações sigilosas com autoridades administrativas que tenham acesso ao citado cadastro violam, frontalmente, o citado artigo 10º da Lei 9.296/96”, escreveram. O dispositivo prevê pena de prisão de até quatro anos e multa para aquele que quebrar o segredo de Justiça.

Um dos motivos pelo qual o controle das autorizações está sendo pensado pelo Judiciário é o fato de na CPI das Escutas as operadoras terem informado que, em 2007, foram 409 mil interceptações no país. Os tribunais, até então, não tinham qualquer número sobre a quantidade de autorizações de escutas telefônicas. O TJ fluminense foi pioneiro em pensar em uma maneira de controlar as autorizações ( clique aqui para ler a notícia).

Controle no desvio

Autor da idéia, o corregedor do TJ do Rio, desembargador Luiz Zveiter, informou à ConJur que grande parte da confusão e das críticas que estão sendo feitas deve-se ao desconhecimento do modelo. “O problema é que as pessoas partem da premissa de que a administração do Judiciário pode praticar o crime”, afirma. Zveiter explica que sua preocupação maior é com o número de ilegalidades que existem em torno das interceptações.

Segundo o corregedor do TJ fluminense, as operadoras não vão aceitar os ofícios com a autorização que não estiverem de acordo com o padrão estabelecido no sistema informatizado. Para imprimir um ofício válido, o juiz terá de acessar o sistema, preencher todos os dados requisitados e, no final, conseguirá gerar um documento com a autorização, que terá numeração seqüenciada, a ser enviado à operadora. Zveiter explicou que, se a regra não for aceita pelos juízes, a questão terá de ser discutida judicialmente.

A idéia do banco de dados com as informações das autorizações tem sido motivo de apreensão entre os juízes. “Hoje, do modo como é feito, quem tem esse banco de dados são as operadores privadas concessionárias de serviço público”, rebate Zveiter.

O desembargador explicou que o sigilo telefônico se refere ao conteúdo e não ao número do telefone. Mas quanto à possibilidade de qualquer juiz ter acesso ao número, Zveiter alerta que toda vez que um juiz fizer uma consulta para saber se determinado número está interceptado com autorização judicial, essa informação também ficará armazenada no sistema criptografado. Não será possível ao juiz remover a informação sobre a consulta.

Sobre o receio de que isso não impediria pessoas do próprio Judiciário de fazer pesquisas para saber se telefones de conhecidos estão grampeados — ou, na pior das hipóteses, para comercializar esses dados — o sistema cria um mecanismo que dificulta esse tipo de ação. Isso porque, em princípio, o juiz só vai entrar no sistema para preencher os dados referentes a uma autorização se tiver um pedido para fazer isso. Sem o pedido, o juiz não tem como justificar sua consulta a determinado número.

E Zveiter quer mais. Ele quer incluir no sistema um dispositivo que permita ao juiz que autorizou a escuta saber se aquela autorização foi consultada. O desembargador lembrou, ainda, que o acesso é apenas ao número, não aos documentos, ao conteúdo das gravações e nem mesmo ao pedido referente à autorização.

O desembargador explicou que antigamente não havia qualquer organização e muitas pessoas podiam ter acesso às informações dos números interceptados. “Era uma confusão”, afirmou. O problema é que os pedidos não eram lacrados, podiam ser abertos por funcionários, sem qualquer controle.

Segundo Zveiter, o Judiciário não irá interferir nas decisões. O fato de autorizar mais ou menos interceptações não será analisado. Mas o tribunal saberá quantas autorizações e quantos números de telefone estão sendo interceptados com autorização da Justiça Estadual fluminense.

Dúvidas cruéis

Para Zveiter, não é necessária lei para implementar o mecanismo. A lei, explicou, é indispensável para regular a forma pela qual o juiz vai aceitar ou não o pedido de interceptação. Mas não para fazer as contas de quantos pedidos foram recebidos. Ele fez uma analogia com o que já ocorre em vários tribunais do país. “Em qualquer processo, o juiz tem de alimentar o sistema”, afirma.

O juiz Rubens Casara explica que a dúvida é se o controle pode ser administrativo ou se teria de ser feito por meio da atuação do Ministério Público e de pessoas prejudicadas pelas autorizações. “Que há excesso de autorização, não tenho dúvida. A questão é se o controle pode ser administrativo”, afirma.

Outro ponto é se os juízes serão “avaliados” pelo número de interceptações telefônicas que autorizam. “O juiz ‘x’ que autoriza 40% a mais que o juiz ‘y’ será punido?”, questiona? Segundo Zveiter, o mecanismo não foi elaborado para isso. O juiz só poderá responder se houver fatos muito mais graves, como a comprovação de venda das interceptações.

O sistema do TJ fluminense impede que o juiz autorize a interceptação telefônica de um número sem antes preencher, além dos fundamentos pelo qual se defere a medida, o número do documento encaminhado pela Polícia ou Ministério Público com o pedido de interceptação, a data em que o pedido foi feito, o nome completo do investigado, o tipo do objeto (interceptação de linha telefônica fixa, celular, entre outros), a empresa de onde é o celular ou o telefone fixo, a decisão (de deferimento ou não) e, por fim, a data em que o pedido foi aceito pelo juiz.

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