Censura eleitoral

MP confunde direito de informação com propaganda eleitoral

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13 de junho de 2008, 21h34

O direito à informação, estabelecido pelo artigo 220 da Constituição, deve fazer com que a Justiça Eleitoral rejeite a representação contra o jornal Folha de S.Paulo, processado por publicar entrevista com a pré-candidata à Prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy (PT). Essa é a opinião de advogados especialistas em Direito Eleitoral ouvidos pelo Conjur.

A Promotoria de Justiça Eleitoral entrou com uma ação contra a empresa Folha da Manhã S/A, que edita o jornal, na 1ª Zona Eleitoral de São Paulo, por uma entrevista de Marta concedida aos jornalistas Renata Lo Prete e Fernando de Barros e Silva, no dia 4 de junho.

Foi a segunda vez, em menos de 15 dias que o Ministério Público Eleitoral em São Paulo confundiu informação jornalística com propaganda eleitoral. No começo do mês, o promotor de Ribeirão Bonito (SP) pediu a apreensão do jornal Agosto por publicar entrevista com um pré-candidato a prefeito da cidade. O juiz deferiu o pedido e o jornal foi apreendido.

No caso da Folha, o MPE entendeu que a entrevista infringiu os artigos 36 da lei 9.504/97 e 3º da resolução 22.718 do Tribunal Superior Eleitoral. Os dispositivos estabelecem que a propaganda eleitoral só é permitida após 5 de julho. A multa em caso de descumprimento varia de R$ 21,3 mil a R$ 53,2 mil.

A Folha já entrevistou outros dois pré-candidatos ao cargo de prefeito de São Paulo: Geraldo Alckmin (PSDB) e Soninha (PPS). Neste sábado (14/6), é a vez de Gilberto Kassab (DEM) ter seu espaço.

A defesa do jornal diz que a entrevista é material jornalístico e classifica a ação dos promotores como “censura inaceitável”. O promotor Eduardo Rheingantz, um dos autores da ação, entendeu que “a entrevista foi uma infração à norma que proíbe a propaganda eleitoral antecipada”.

O advogado Ricardo Penteado, que representa o prefeito de São Paulo e também pré-candidato à reeleição Gilberto Kassab (DEM), afirma que a simples entrevista jornalística não pode ser considera propaganda eleitoral antecipada. “Ao disciplinar as regras de propaganda, o TSE se preocupou em deixar claro na resolução que não é proibido informar. A atividade jornalística é uma das poucas asseguradas pela Constituição”, explica o advogado.

Para Penteado, “o papel do MP é assegurar a igualdade dos candidatos. Essa preocupação de fiscalizar é nobre, mas o que se vê aqui é um equívoco”. Ele avalia que, no caso, não houve intenção do jornal em tentar usar o direito de informar para fazer propaganda com essa informação.

O advogado diz que restringir a informação é tratar qualquer candidato como um leproso da comunicação. Penteado acredita que, pelos precedentes da Justiça Eleitoral, a representação não deve ser acolhida.

O advogado Renato Ventura, autor do livro Lei eleitoral Comentada , também cita o direito constitucional de informar para dizer que a tendência é que a ação não seja aceita.

Ventura explica que uma entrevista pode ser considerada propaganda antecipada se o candidato fizer promessas ou falar o que fará daqui para frente. “Se falar do passado, das suas realizações, a jurisprudência mostra que isso não é propaganda. É notícia”.

O advogado também nota que a propaganda antecipada pode acontecer em jornais, feitos por pessoas ligadas aos candidatos, que só tratam dele. “Nesse caso, pode-se caracterizar o abuso, o que não é o caso da Folha”.

Reação da classe

Entidades de imprensa reagiram ao processo. Ele foi classificado como um abuso, absurdo e equívoco. Segundo a Associação Nacional dos Jornais, trata-se de um equívoco do MPE. “Não se pode confundir matéria jornalística com propaganda eleitoral. O que a Folha fez foi jornalismo e não cabe punição”, afirma a entidade.

O presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), Maurício Azedo, entende que a entrevista é material jornalístico. “O fato de uma pessoa ser provável candidato não impede que os meios de comunicação continuem a entrevistá-la, porque isso não constitui propaganda eleitoral antecipada, e sim um exercício da liberdade de expressão.”

Segundo Azedo, a ação contra o jornal “é um abuso, é uma manifestação totalitária que viola as disposições sobre liberdade de imprensa, nos termos assegurados na Constituição, com o pretexto de impedir propaganda eleitoral antecipada”.

O presidente da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), Sérgio Murillo de Andrade, diz que o rigor da Justiça Eleitoral “acaba resvalando no direito constitucional da liberdade de imprensa”. Para ele, “é censura, sim, e isso prejudica o cidadão, que ficaria sem conhecer os candidatos se houvesse apenas a propaganda eleitoral que, como o próprio nome diz, não é jornalismo”.

Até o adversário político de Marta, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), discorda dos promotores. “Entendo que a Folha não infringiu a legislação. Afinal de contas, a Marta foi prefeita, foi ministra. Foi uma entrevista com uma cidadã. O que a Folha fez foi entrevistar uma eventual postulante ao cargo de prefeita, assim como eu, que fui entrevistado diversas vezes.”

Ele se solidarizou com o jornal e pediu reflexão à promotoria. “Quero fazer aqui um pedido à promotoria Eleitoral que reflita com relação a essa ação para que possamos, com bastante diálogo, compreender melhor a importância que os órgãos de comunicação sérios, como a Folha, que precisam levar a mensagem daqueles que estão na vida pública para que a população conheça suas idéias e propostas.”

Já o ministro Carlos Britto, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, afirmou em entrevista coletiva que a Justiça Eleitoral deve analisar caso a caso entrevistas ou reportagens publicadas na imprensa que sejam contestadas por suposta propaganda eleitoral. “O que (os jornais) devem fazer é evitar o proselitismo e o marketing pessoal”, afirmou. Sobre o caso da Folha, ele preferiu não comentar por entender que ele poderá chegar ao TSE.

Caso de Ribeirão Bonito

No começo do mês, o jornal Agosto, de Ribeirão Bonito (SP), teve uma edição censurada por ordem judicial. O jornal, pertencente à Associação Amarribo (Amigos Associados de Ribeirão Bonito), publicou entrevista com um dos candidatos a prefeito da cidade. O promotor da cidade considerou a reportagem propaganda eleitoral antecipada, interpretação aceita pela Justiça. Não apenas a edição foi recolhida, como teve de ser retirada da internet.

Na mesma edição em que foi publicada a entrevista, Agosto anunciou que todos os candidatos à prefeitura seriam entrevistados, recebendo o mesmo espaço, um por edição, e que a ordem das entrevistas seria definida por sorteio.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) considerou a decisão ato de censura. “O caso toma proporções ainda mais estranhas, pois os pré-candidatos que apareceram nas matéria foram citados como réus e intimados a dar explicações à Justiça, quando, segundo o jornal Agosto, nenhum deles foi consultado antes do texto ser publicado, a exceção do primeiro entrevistado, para dar as declarações ao periódico”, afirma nota da entidade.

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