Reforma Tributária

Vinculação de impostos na proposta é irracional e arbitrária

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12 de junho de 2008, 9h49

Na proposta de Reforma Tributária, versão 2008, que convive com a insepulta e órfã versão 2003, o governo federal propõe a criação de um imposto sobre operações com bens e prestações de serviços. Esse tributo resultaria da fusão do PIS, Cofins, Cide-Combustíveis e Salário-Educação. Na exposição de motivos, é referido como IVA-Federal. Na Proposta de Emenda Constitucional, não se assume essa denominação, o que expõe a insegurança conceitual dos seus formuladores.

Mas, afinal, o que vem a ser o imposto proposto? Nada ou qualquer coisa, o que dá no mesmo. Não existem precedentes, na literatura especializada, de imposto com essa denominação. O texto constitucional nada esclarece e remete a uma futura especificação, por meio de uma lei complementar. É natural que muitos pensem que se trata de aventureirismo tributário.

Esse imposto, tal como proposto, pode incidir sobre pessoa física ou jurídica. Pode, até mesmo, ser uma possibilidade de ressuscitar a tributação sobre movimentação financeira. Algo tão estranho e imprevisível que o apelidei, em tom de blague, de “invertebrado gasoso”.

Essa estranha proposição não se esgota na imprecisão conceitual. Vai mais longe. Converte contribuições em um imposto cujo produto da arrecadação é destinado exatamente para as mesmas despesas financiadas pelas contribuições que seriam extintas: seguro-desemprego, seguridade social, infra-estrutura de transportes e educação. Reproduz, portanto, a frase do príncipe siciliano, personagem do romance O Leopardo, de Lampedusa: “se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude”.

Essa inútil conversão não se faz, todavia, gratuitamente. Os percentuais utilizados para fixar essas vinculações foram estabelecidos a partir do que se constatou em 2007, beatificando esse ano como um paradigma a ser observado pelas gerações futuras, porquanto os percentuais são moldados como norma constitucional. Acrescente-se que são percentuais sobre um imposto que ainda não se conhece. Os resultados dessa operação, por conseguinte, situam-se no domínio do imprevisível. As vinculações que já representam uma irracionalidade orçamentária passam a ser também arbitrárias.

É curioso também notar que a mudança proposta subverte a doutrina tributária por conceber um inédito imposto totalmente vinculado, em substituição a contribuições cujo conceito presume a existência de vinculações.

A justificativa para fundir o PIS e a Cofins, a pretexto de simplificar, é pífia. Essas contribuições já têm legislações praticamente iguais. Torná-las absolutamente iguais é matéria que se resolve por lei ordinária. Não demanda Emenda Constitucional. Muito menos requer a instituição de um misterioso e inaudito imposto, com inevitáveis questionamentos judiciais.

Recorrer a uma Emenda Constitucional para extinguir o salário-educação é usar ogiva nuclear para matar mosquito. Essa contribuição já devia ter sido extinta há muito tempo, por lei ordinária.

Resta a Cide-Combustíveis. Os formuladores da proposta talvez não conheçam a história dessa contribuição. Quando o legislador constitucional aboliu o monopólio na importação de combustíveis, percebeu-se que a produção doméstica ficaria mais onerada que a importação, porque à época não havia incidência do PIS/Cofins nas operações de comércio exterior, em contraste com o que ocorria no mercado interno.

Além disso, a Petrobrás deixaria de recolher ao Tesouro, por conta da extinção desse monopólio, recursos contabilizados sob a denominação de Parcela de Preços Específicos (PPE). Duas conseqüências óbvias: favorecimento às importações e perda de receita.

Nesse contexto, buscou-se uma solução que assegurasse o equilíbrio no tratamento tributário e suprisse a perda de arrecadação, sem prejuízo da liberalização nas importações de combustíveis.

O modelo tributário escolhido balizou-se na experiência européia: alíquota ad rem, tendo por base a aplicação de valores fixos por unidade de medida e não por preço, e cobrança em regime monofásico, na importação ou na refinaria.

Como a introdução de um imposto para o setor poderia ser de constitucionalidade duvidosa, optou-se, por meio da Emenda Constitucional 33, pela instituição de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), menos suscetível a questionamentos.

A implantação da Cide-Combustíveis revelou-se exitosa quanto aos objetivos originalmente colimados. Foi também pródiga em subprodutos. Conseguiu deter a sonegação fiscal dos tributos federais na distribuição de combustíveis. Converteu-se em eficiente instrumento regulatório para compensar eventuais variações abruptas de preços, não só pela incidência ad rem, mas também pela possibilidade de redução da alíquota. Recentemente, o governo providencialmente reduziu a Cide para prevenir aumento no preço dos combustíveis, com repercussões inflacionárias.

Parece, enfim, que a Cide-Combustíveis deu certo. Os contribuintes atestam esse sucesso. Dado que deu certo, surge uma iniciativa novidadeira que pretende extingui-la, na contramão das evidências e da vontade dos contribuintes. Espero que a insensatez entre em recesso.

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