Segunda Leitura

Segunda Leitura: Judiciário não pode transformar concurso em loteria

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  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

8 de junho de 2008, 10h14

Vladimir Passos de Freitas 2 - por SpaccaSpacca" data-GUID="vladimir_passos_freitas1.jpeg">Notícia de jornal, comentando a prisão do deputado Álvaro Lins, do Rio de Janeiro, registrou que: “Em 1994, quando era tenente da Polícia Militar, ele teve o nome encontrado na lista de policiais civis e militares que recebiam propinas de bicheiros. Em 1997, o delegado Hélio Luz, na época chefe de Polícia Civil, quis impedir a nomeação de Lins quando ele passou no concurso para delegados. Mas um mandado judicial garantiu sua posse (Estado de S. Paulo, 2/6/08, A7).]

A intervenção do Judiciário em concursos públicos não chama a atenção. Mas, diariamente, decisões judiciais discutem o edital, o horário de fechamento dos portões, o uso de relógios nas provas, a validade do psicotécnico, os exames físicos com as mais variadas alegações (por exemplo, estar chovendo no dia da prova), o direito de concorrer sem estar formado na abertura do concurso, a alteração de data por motivo religioso, o acerto ou desacerto de uma pergunta, o adiamento de exame físico por gravidez e por aí vai.

Os resultados são pouco avaliados. Há alguns anos, um soldado da PM do Rio Grande do Sul, reprovado no psicotécnico, assumiu o cargo por decisão judicial e, mais tarde, matou o promotor da comarca. Mesmo sem tal gravidade, muitas vezes a decisão dada a favor de uma pessoa afeta a outros tantos (por exemplo, se há 40 vagas, a entrada de mais um pode significar a saída de outro, legitimamente aprovado).

Até a decisão aparentemente ingênua, que autoriza um candidato a prosseguir nas provas, pode ter conseqüências graves para a administração (por exemplo, na Academia Nacional de Polícia da PF, a cada concurso, dezenas de liminares obrigam a administração a contornar o número de pessoas na classe, contratação de outros professores e despesas não previstas no orçamento).

Há outro aspecto. Liminares retardam concursos em andamento, tornando a administração carente de novos servidores. O que, normalmente, é ineficiente, torna-se caótico. Chega-se ao cúmulo de discutir judicialmente o mérito de uma pergunta, com direito a todos os argumentos e recursos possíveis. A controvérsia pode durar anos. E o Estado a necessitar de funcionários, cujo número sempre está aquém do ideal.

Na outra ponta, milhares de brasileiros sonham não apenas com as cobiçadas carreiras de estado (de R$ 10 mil a R$ 20 mil mensais), como com os cargos mais simples (R$ 1 mil por mês). Profissionais liberais, sem constrangimento, concorrem a postos de nível médio. Na turbulência dos empregos no mundo corporativo, todos querem estabilidade e a tranqüilidade de receber o pagamento no dia certo. Mesmo que seja pequeno. Cada vez mais, vêem estudos de anos serem atingidos por ordens judiciais em processos nos quais, por vezes, nem mesmo são citados.

Sabidamente, a organização de um concurso tornou-se algo extremamente complexo. Há o risco de vazarem perguntas. A logística exige mil cautelas (local, fiscalização, tempo, pessoal de apoio). É, cada vez mais, operação para entidades especializadas, geralmente fundações. Ninguém nega que, ao juiz, cabe examinar eventual ilegalidade no certame. Afinal, a possibilidade de o Judiciário rever os atos administrativos é aceita desde a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1803, pela caneta do juiz Marshall, no famoso caso Barbury X Madison.

Mas, para o juiz, junto com o poder vem a responsabilidade. É preciso sempre pensar nas conseqüências da decisão. Não basta examinar o fato e adequá-lo à norma constitucional (que tudo garante) ou a um princípio (às vezes nem escrito). É preciso evitar o risco de o concurso transformar-se em uma loteria, sujeita à sorte ou azar de ter o pedido examinado por um juiz liberal (que concede a liminar) ou um rígido (que a nega). Mais duas coisas: 1) o interesse público prevalece sobre o particular; 2) a administração tem o dever de eficiência (CF, art. 37), necessitando, por isso, de funcionários em tempo oportuno.

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