Valorizar para entender

Democratização começa com simplificação da linguagem jurídica

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5 de junho de 2008, 16h22

Reconhecer a necessidade de simplificação da linguagem jurídica é o primeiro passo para a real democratização e pluralização da Justiça. É de se observar que inúmeras críticas, recentemente, têm sido feitas à atuação do Poder Judiciário no Brasil. Contudo, carece o Judiciário de melhores instrumentos de trabalho. A legislação nacional, além da técnica deficiente, é hoje de produção verdadeiramente caótica. Deficientes também são os instrumentos disponíveis ao Judiciário, porque já não se aceita a tradicional liturgia do processo, o amor desmedido pelos ritos, que quase passaram a ter fim em si mesmos, numa inversão de valores.

É certo que a entrega da prestação jurisdicional não pode deixar de transitar por um processo, previamente regrado com uma linguagem clara, sem margem à ambigüidade na interpretação. O devido processo legal é essencial para a legitimação da atividade judicial, mas esse processo deve ser caminho de realização da Justiça, não estorvo incompreensível e inaceitável.

É preciso perceber que o contato diário do juiz com o jurisdicionado e a própria sociedade não enfraquece o Poder Judiciário. Ao inverso, tende a conferir-lhe maior grau de legitimidade. Esta postura deve ser assumida pelo juiz moderno, tendo encontro marcado com o que preconiza Paulo Freire no sentido de que o ofício do educador exige deste a consciência do inacabado, o reconhecimento de ser condicionado e exige respeito à autonomia de ser do educando. Assim, é preciso que o juiz seja também um educador. Vale lembrar Paulo Freire, “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção.”1 A transferência dos ensinamentos de Paulo Freire, destinados à formação de uma consciência democrática no meio educacional, tem adequação, também, à atividade judicante.

Com efeito, “a prestação da tutela jurisdicional não pode ser enxergada apenas como a desincumbência, por um dos componentes do Estado tripartite, de uma tarefa que lhe é ínsita. É muito mais do que isso. Além de perseguir a pacificação social, ao instante em que diz a quem pertence o direito, tem a atividade jurisdicional um plus deveras salutar: a pedagogia de mostrar aos jurisdicionados como deve ser a conduta destes nas suas relações interpessoais e interinstitucionais.”2 Neste passo é que a Lei dos Juizados Especiais veio propiciar justiça ágil, desburocratizada, simplificada, desformalizada e acessível a todos os cidadãos. Desta forma, os Juízes estão despertando para deixar de lado o monólogo criptografado nas suas sentenças para exercitar um diálogo compreensível que aproxime a Justiça de todos.

Neste sentido, temos as seguintes sugestões para que tribunais e comarcas adotem uma linguagem mais compreensível: campanhas de simplificação da linguagem jurídica; a promoção de cursos de atualização da linguagem jurídica que integrem uma percepção simplificadora; criação de revistas que contemplem peças jurídicas que contenham exemplos de expressões substituídas por alternativas mais simples. Dentre os referidos exemplos temos: “Pretório Excelso” por “Supremo Tribunal Federal”; “peça exordial” por “petição inicial”; “expert” por “perito”; “cônjuge sobrevivente” por “viúvo”3.

Portanto, a simplificação da linguagem jurídica passa a ser um instrumento fundamental, tanto para os Juizados Especiais quanto para a Justiça Tradicional, que oportuniza o acesso à Justiça e contribui, efetivamente, para a compreensão do funcionamento e da atuação do Poder Judiciário como um todo. Afinal, ninguém valoriza o que não entende.

Notas de rodapé:

1. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p.25.

2. CARVALHO, Ivan Lira de. Eficácia e democracia na atividade judicante. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=249. Acesso em: 09/11/2005.

3. JURIDIQUÊS – PORTUGUÊS: o estranho dialeto jurídico. Disponível em: http://jus.uol.com.br/legal/juridiq.html. Acesso em: 06/10/2005.

Bibliografia

A ESTRUTURAÇÃO do parágrafo. Disponível em: http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=redacao/teoria/docs/topicofrasal Acesso em: 07/10/2005.

CAMPOS, Hélide Maria dos Santos. A preocupação com a linguagem jurídica. Disponível em: http://www.vaniadiniz.pro.br/helidemaria/a_preocupação_com_a_linguagem.htm. Acesso em: 06/10/2005.

CARVALHO, Ivan Lira de. Eficácia e democracia na atividade judicante. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=249. Acesso em: 09/11/2005.

CASTRO, Lincoln Antonio de. Direito e linguagem. Disponível em http://www.uff.br/direito/artigos/lac-04.htm. Acesso em 06/10/2005.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

JURIDIQUÊS – PORTUGUÊS: o estranho dialeto jurídico. Disponível em: http://jus.uol.com.br/legal/juridiq.html. Acesso em: 06/10/2005.

MARINHO, Cristiane. A linguagem no direito: análise semântica, sintática e pragmática da linguagem jurídica. Disponível em: http://cristianemarinho.vilabol.uol.com.br/16.html. Acesso em: 06/10/2005.

MARQUES, Luiz Guilherme. A Psicologia do juiz. Disponível em: http:/www.apriori.com.br/cgi/for/viewtopic.php?t= 775. Acesso em: 09/11/2005.

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