Meio de defesa

Defensoria tem de atuar em todo o processo criminal, diz juíza

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4 de junho de 2008, 12h31

A Defensoria Pública deve atuar durante todas as fases dos processos criminais, tal como determina a Constituição. A decisão é da juíza Isabel Maria de Figueiredo, da 2ª Vara Federal de São Gonçalo (RJ). Ela determinou que a Defensoria Pública da União atue durante todo o processo ou até que a pessoa arrume um advogado.

“Já é mais do que hora de assumir a Defensoria Pública da União, efetivamente, a defesa dos necessitados, especialmente daqueles que têm o bem maior da vida — a liberdade — em discussão”, afirma a juíza. A Defensoria Pública da União havia informado, por meio de ofício, que só atuaria na tutela da liberdade de uma mulher, indiciada por fraude. Informou, ainda, que não poderia atuar junto às varas fora da cidade do Rio de Janeiro.

Para a juíza, uma vez que foi feito o comunicado pela Defensoria, cabe ao órgão informar como será feita a defesa nas etapas posteriores. “Não conta o Juízo com corpo de advogados para atender à indiciada e, a meu juízo, não cabe ao Judiciário resolver problemas de infra-estrutura da Defensoria Pública da União”, afirmou.

A juíza também contesta a responsabilidade atribuída ao Judiciário pelas cadeias lotadas de pessoas de baixa renda. “A falta de defesa especializada que faz com que, em muitos dos feitos, não venham aos autos informações e alegações consistentes em defesa dos réus ou que permaneçam os réus presos além do exigido pelas leis.”

Isabel Figueiredo afirma, ainda, que nas varas federais do interior, é o juiz quem acaba se responsabilizando por encontrar um advogado para defender os réus. Para isso, os juízes se deparam com grandes dificuldades, já que os valores disponibilizados pelo Conselho da Justiça Federal não são suficientes. “Por certo não estão sendo defendidos pelos melhores advogados, salvo pouquíssimas exceções de alguns que atuam por altruísmo”, completou a juíza.

Problema do Executivo

O presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos da União, Haman Tabosa de Moraes e Córdova, informou ao site Consultor Jurídico que a decisão da juíza foi recebida com “absoluta indignação e frustração”. Haman Córdova reconhece que a juíza está fazendo o papel dela. Entretanto, segundo ele, falta perceber que o problema não é da Defensoria Pública da União, mas do Executivo.

Haman Córdova afirmou que a demanda da DPU aumenta todos os dias e não há nem Projeto de Lei que crie mais vagas. A Defensoria está preenchendo 70 vagas. Acontece que no país inteiro há apenas 204 defensores. O defensor explica que enquanto o Ministério da Justiça, a quem o órgão é vinculado, cria mais três mil postos de policiais rodoviários, além de quatro mil para a polícia, não há recurso para a defensoria.

Além disso, Córdova acredita que a defensoria não está pronta para a evolução legislativa. A Lei 11.449/07 estabelece que “dentro em 24 horas depois da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública”.

O chefe em exercício da Defensoria Pública da União no Rio, André Ordacgy, explicou que a DPU depende do Executivo para melhorar sua estrutura. Ordacgy faz uma comparação. Segundo ele, na Defensoria Pública do Estado do Rio são 700 defensores. Eles atuam na Justiça estadual. Já a Defensoria Pública da União no Rio é composta por apenas 30 defensores, que têm competência para atuar não só na Justiça Federal como na Justiça do Trabalho e na Justiça Federal Militar.

Segundo Ordacgy, o Poder Executivo investe no Poder Judiciário, no Ministério Público, responsável pela acusação, mas não faz o mesmo com a Defensoria Pública. “O Judiciário e o MP fazem um bom trabalho porque têm estrutura”, afirma. Já a Defensoria trabalha dentro do princípio da reserva do possível. De acordo com o defensor, os profissionais trabalham todos os dias, estendem seus horários, mas com o número limitado e a quantidade enorme de demanda, fica inviável atender a todos.

O caso

No caso, a juíza manteve a prisão em flagrante de uma mulher acusada de fraude. A juíza entendeu que o endereço da mulher não está claro e isso pode fazer com que ela não seja devidamente intimada, prejudicando eventual aplicação da lei.

A mulher foi presa ao sacar em uma agência do banco Bradesco, em São Gonçalo (RJ), um benefício de pensão por morte, segundo os autos, obtido por meio de fraude. No momento da prisão em flagrante, ela estaria com a identidade alterada, além de dois CPFs, cada um com um nome distinto.

Leia a decisão

Comunicação de Prisão nº

D E C I S Ã O

I.

Trato de Comunicação de Prisão de ??????? feita a este Juízo e de pedido de liberdade provisória em seu favor, efetuado pela Defensoria Pública da União.


É o relatório necessário. Decido.

III.

1. Da comunicação de prisão e sua regularidade

Considero regular a prisão, pois ??????? foi presa imediatamente após ter sacado no Banco Bradesco, em São Gonçalo, valor referente a benefício de pensão por morte que teria sido obtido por meio de fraude. Verifico ainda, que o Auto de Prisão em Flagrante encontra-se regular e que foram entregues à presa, no prazo legal, Nota de Culpa e Nota de Ciência das Garantias Constitucionais (fls. 03/10). Finalmente, constato que foi cumprido integralmente o determinado na parte final do parágrafo 1º do art. 306 do CP (fl. 17).

2. Do pedido de liberdade provisória

Passo então a apreciar o pedido de liberdade provisória de fls. 23/25, formulado pela Defensoria Pública da União.

Esclareço que, por medida de celeridade e economia processual, passo imediatamente a apreciar o pedido, o que será efetuado levando em consideração a manifestação do MPF que se encontra à fl. 19, uma vez que o pedido de liberdade provisória não traz adunado qualquer documento que possa alterar a promoção Ministerial, embora tenha sido a mesma elaborada anteriormente ao pedido apresentado pela Defensoria Pública.

Da apontada nulidade do flagrante

Inicialmente, argüi a Defensoria Pública da União a nulidade do flagrante, nos seguintes termos:

“A irregularidade do Auto de Prisão em Flagrante é patente. A Defensoria Pública da União apenas recebeu cópia dos depoimentos dos Policiais Federais que efetuaram a prisão e do Interrogatório da Sra. ???????. A nota de culpa, nota de ciências das garantias constitucionais e do auto de apresentação e apreensão não foram enviados. Daí a nulidade do flagrante.”

Entendo que não cabe razão à N. Defensoria.

De fato, a nota de culpa, a nota de ciências das garantias constitucionais e o auto de apresentação e apreensão não integram o Auto de Prisão em Flagrante. Este é lavrado imediatamente após a prisão, nos termos dos arts. 304/305 do CPP e deverá ser encaminhado à Defensoria Pública no mesmo prazo em que deverá ser entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa (art. 306, §§ 1º e 2º).

Assim, o não encaminhamento desta, bem como da nota de ciências das garantias constitucionais e do auto de apresentação e apreensão eventualmente lavrado não tornam nulo o flagrante. Ressalte-se que a subscritora não está sozinha neste entendimento, como se verifica pela leitura da seguinte ementa, que aponta no mesmo sentido:

PROCESSO PENAL. PRISÃO EM FLAGRANTE. TRANSPORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. LAUDO PRELIMINAR DE CONSTATAÇÃO. AUSÊNCIA. NULIDADE NÃO VERIFICADA. MATERIALIDADE COMPROVADA. CONFISSÃO DO RÉU.

1. (omissis)

2. Não procede igualmente a alegação de violação ao art. 306, § 1º, do CPP, ao argumento de que a cópia do auto de prisão em flagrante enviada à Defensoria Pública veio desacompanhada do Laudo preliminar de constatação. O mencionado dispositivo faz menção tão somente às oitivas colhidas, não exigindo o envio do mencionado laudo.

3. Ordem denegada.

(TRF 2ª Região – 2ª Turma; HC 5038/ES; Relatora JUIZA LILIANE RORIZ; DJU 11/06/2007 pg. 229)

Da questão de fundo

Alega a DPU que não se mostram presentes os pressupostos ensejadores da prisão preventiva, insculpidos no art. 312 do CPP, razão pela qual deve ser concedida liberdade provisória a ???????.

Entretanto, ao contrário, entendo que se fazem presentes, ao menos neste momento, os requisitos previstos no art. 312, para a segregação provisória.

Embora não constem anotações em nome da investigada no documento extraído da Rede INFOSEG, o que é indicação de não possuir a presa antecedentes criminais, e embora não se possa presumir, a partir dos poucos elementos de que se dispõe, que a mesma irá delinqüir novamente ou de que se furtará á citação pessoal, ou mesmo que pretenda interferir na coleta de provas, o fato é que não há nos autos notícia segura de sua residência ou a ocupação lícita da investigada.

Antes mesmo da apresentação do pedido que ora aprecio, já havia o MPF se manifestado nos seguintes termos:

“Verifica-se ainda que o endereço fornecido pela flagranteada é lacunoso “Rua Projetada – Imburí _ ES (fls. 07) e se localiza no Espírito Santo.

Assim, parece que não há elementos para ensejar a concessão de liberdade provisória, pelo menos enquanto não vierem aos autos maiores dados acerca da flagranteada que permitam concluir pela inexistência de risco de aplicação da lei penal.

Isto posto, opina o MPF pela manutenção do flagrante, em face de sua regularidade formal.”

Com razão o MPF quando aponta que será praticamente impossível localizar a indiciada para que venha a Juízo, com os parcos dados quanto a seu domicílio.


Além disso, devo admitir que, tendo a indiciada sido presa portando documentos referentes a duas identidades e tendo conseguido o benefício irregular com a utilização de falsidade, tão vago endereço não dá qualquer segurança quanto à possibilidade de vir a ser localizada para que possa estar garantida a instrução criminal e, eventualmente, a própria aplicação da lei penal.

Ao contrário do afirmado pela DPU, não há nos autos comprovação de residência fixa da indiciada. É portanto manifesta a presença do periculum libertatis autorizador da medida excepcional, lastreada na conveniência da instrução criminal e necessidade de assegurar a aplicação da lei penal, já que há provas da existência de crime e indícios suficientes de autoria: a ré foi presa ao sacar benefício obtido por meio de fraude, fazendo uso de documento com sua identidade também alterada, portando dois cartões do CPF, cada um com um nome distinto (fls. 11/12).

Para a garantia da instrução criminal e a segurança da aplicação da lei penal, torna-se imprescindível que demonstre a custodiada que não colocará obstáculos à apuração dos fatos nem se furtará a comparecer a Juízo todas as vezes em que chamada e, para tanto, demonstre o local onde poderá ser encontrada para ser citada/intimada.

Entendo que deve ser mantida a prisão, ao menos até que venham aos autos documentos que comprovem o domicílio da indiciada e que a mesma exerce ocupação lícita, com base no disposto no art. 312 do CPP.

III.

Por tudo o exposto e adotando também as razões do MPF como razão de decidir, INDEFIRO o pedido de liberdade provisória. Do ofício de fl. 12:

Quanto ao conteúdo do ofício 15/GAB/AGL/DPU/RJ (fl. 22), onde a Defensoria Pública da União informa que atuará apenas na tutela da liberdade da indiciada, entende este Juízo ser indispensável que seja informado como pretende que seja dada continuidade à defesa, já que também não conta o Juízo com corpo de advogados para atender à indiciada e, a meu juízo, não cabe ao Judiciário resolver problemas de infraestrutura da Defensoria Pública da União.

Já é mais do que hora de assumir a Defensoria Pública da União, efetivamente, a defesa dos necessitados, especialmente daqueles que têm o bem maior da vida – A LIBERDADE – em discussão, ao longo de todo o processamento dos feitos criminais, respeitando o conteúdo dos arts. 5º, LXXIV e 134 da Constituição da República.

A todo tempo se coloca nos ombros do Judiciário a responsabilidade pelo fato de estarem os presídios lotados de pobres, sem que se atente que é a falta de defesa especializada que faz com que, em muitos dos feitos, não venham aos autos informações e alegações consistentes em defesa dos réus ou que permaneçam os réus presos além do exigido pelas leis.

Na Justiça Federal, especialmente no interior, fica sobre os ombros dos Juízes e Juízas a responsabilidade por “achar” advogado que aceite defender os réus, pelos parcos valores disponibilizados pelo Conselho da Justiça Federal. Por certo não estão sendo defendidos pelos melhores advogados, salvo pouquíssimas exceções de alguns que atuam por altruísmo.

Por tudo isso, DETERMINO À DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO que permaneça assistindo durante todo o feito, ou até que a mesma, eventualmente, constitua advogado.

Intime-se pessoalmente a requerente, a Defensoria Pública da União e o MPF.

Encaminhe-se cópia desta decisão, imediatamente, por fax, à Defensoria Pública da União. Após, aguarde-se a vinda dos autos principais para que sejam juntados.

São Gonçalo, 30 de maio de 2008.

ISABEL MARIA DE FIGUEIREDO SOUTO

Juíza Federal

2ª Vara Federal de São Gonçalo

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