Copia lá

PSDB é condenado por usar música de Lula em campanha de Serra

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3 de junho de 2008, 16h14

O PSDB foi condenado a pagar uma indeização de R$ 110 mil ao autor da música “Lula lá”, Hilton Acioli, por ter usado tema musical, sem autorização, na campanha de José Serra à presidência da República em 2002. Para o juiz Vitor Frederico Kümpel, da 27ª Vara Cível Central de São Paulo, houve violação dos direitos patrimoniais do autor da música. O partido pode recorrer da decisão.

Hilton Acioli sustenta, na ação, que os marqueteiros do PSDB se valeram da fama da música, criada a pedido do PT na campanha de Lula em 1989, para valorizar a campanha presidencial de José Serra. Diz ainda que a música está devidamente registrada, nos termos do artigo 21 da Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais). E que, para usá-la, era preciso pedir autorização. O que não foi feito. Por isso, pediu indenização por danos morais e materiais.

Em sua defesa, o PSDB disse que não tinha legitimidade para responder ao processo, porque foi a Casablanca Comunicação & Markenting que recriou a música de Acioli. Mas sustentou que esta é uma prática recorrente entre publicitários em campanhas eleitorais e que letra, harmonia, ritmo e outros elementos da música usada nas suas propagandas “não atingem e não configuram plágio de forma alguma”.

Ouvidos pelo juiz Vitor Frederico Kümpel, os publicitários Paulo César Bernardes e Rui Sergio da Silva Rodrigues disseram que a idéia de recriar a música do adversário surgiu depois que o PT começou a copiar, em suas propagandas, programas sociais de José Serra alterando os nomes. Um deles disse que foi “apenas uma paródia, uma gozação”.

O juiz Vitor Frederico Kümpel se baseou em laudo técnico para decidir. O parecer esclareceu que não se tratava apenas de um jingle, “mas da música oficial (tema) da campanha presidencial do PT no ano de 1989”. E que a situação criada na propaganda de Serra não tinha tom humorístico.

“Em que pese toda a imaginação e criatividade do réu em utilizar, dessa forma, trechos da obra do autor, essa estratégia foi infeliz na medida em que não houve autorização por parte do autor, criador e titular dos direitos da obra”, concluiu o juiz.

Em relação ao argumento de ser uma paródia, Kümpel recorreu ao artigo 7º da Lei de Direito Autoral e ao dicionário Aurélio. O dispositivo diz que “são livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária em que lhe implicarem descrédito”. De acordo com o dicionário, paródia é a “imitação cômica de uma composição literária”. Não é o caso, sentenciou o juiz. Ele fixou condenação no valor de R$ 56.250 por danos morais mais R$ 56.250 por danos materiais.

Leia a decisão

Processo Nº 583.00.2003.080286-6

Processo 03.080286-6

27ª Vara Cível Central

Vistos.

HILTON ACIOLI moveu ação pelo rito ordinário contra PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB). Na inicial (fls. 02/08), afirmou que é exclusivo autor e compositor do famoso jingle da campanha presidencial de 1989 de Luiz Inácio Lula da Silva, denominado “Lula-lá”, em todas as suas variações e utilizado em todas as suas campanhas posteriores, sendo que a obra se encontra devidamente registrada, nos termos do artigo 21 da Lei 9.610/98.

Todavia, a obra foi indevidamente utilizada, sem autorização do autor, pelo PSDB, ora réu, na campanha eleitoral de 2002, veiculadas por redes de televisão, em cadeia nacional, em adaptação não autorizada para “Serra-lá”, em uma expressa referência ao então candidato à Presidência da República, sr. José Serra, valendo-se da fama do jingle do autor para valorizar a campanha do réu.

Tendo em vista a indispensabilidade de autorização, prévia e expressa, do respectivo titular de direitos autorais, pediu a procedência da ação para condenar a ré:

a) a divulgar, por três vezes consecutivas, em rede nacional de rádio e televisão, nos termos do artigo 10, I da lei 9.610/98, sobre a ocorrência das violações “sub judice”; b) ao pagamento de danos materiais; e c) ao pagamento de danos morais. Juntou documentos (fls. 09/24). O réu foi citado a fls. 39, sendo que deixou de apresentar contestação (fls. 40). Sentença a fls. 43/46 que julgou procedente a ação. Recurso de apelação (fls. 48/55).

Contra-razões (fls. 82/94). V. Acórdão de fls. 109 e seguintes que deu parcial provimento ao apelo, dando por nula a citação. Houve resposta do réu que ofereceu contestação (fls. 138/147) na qual alegou preliminar de ilegitimidade passiva “ad causam” e denunciação à lide da empresa Casablanca Comunicação & Marketing.

No mérito, afirmou que é prática recorrente entre publicitários de campanhas eleitorais a elaboração de jingles com mensagens visando a demonstrar o perfil dos candidatos. No horário eleitoral gratuito, segundo a inicial, em outubro de 2002 foi exibida música com a seguinte expressão referindo-se ao candidato José Serra: “Serra-lá”. Inexistente a mínima semelhança entre a obra do autor e o jingle composto para o programa eleitoral da Coligação Grande Aliança.


O apelo indenizatório perpetrado pelo autor não tem o condão suficiente para estabelecer a alegada ofensa, haja vista que letra, harmonia, ritmo e demais elementos musicais não atingem e não configuram plágio de forma alguma. A obra que seria seu objeto não é um jingle, mas uma música que em nada foi copiado pela propaganda eleitoral, tanto que o autor sequer transcreveu ambas de forma a demonstrar essa semelhança. Discorreu sobre ausência de dano moral e a inexistência da finalidade de lucro. Pediu o acolhimento da preliminar ou a improcedência da ação.

Juntou documentos (148/152). Réplica (fls. 154/157). As partes foram instadas a especificar provas a produzir (fls. 158). O autor pugnou pela produção de prova pericial e testemunhal (fls. 159/160). A ré pediu a realização de prova documental e testemunhal (fls. 162). Saneador (fls. 163). Laudo pericial (fls. 180/233). Audiência de instrução e julgamento (fls. 278). Alegações finais do réu (fls. 294/307) e do autor (fls. 309/322).

É o relatório.

FUNDAMENTO e DECIDO.

Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais perpetrada pelo autor Hilton Acioli contra o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) tendo em vista alegada utilização indevida de obra de autoria exclusiva do autor.

As questões preliminares já foram enfrentadas. No que toca ao mérito da ação, importante a realização de laudo pericial, na medida em que a matéria é extremamente de natureza técnica. Em relação à autoria e titularidade ficou constado pelo laudo que, tanto uma quanto outra, pertencem efetivamente ao autor (vide fls. 191/193, notadamente).

Também inconteste que o réu utilizou um trecho da obra “Lula lá” no programa eleitoral do então candidato à Presidência da República, José Serra, exibido em TV (rede nacional), substituindo-se a expressão “Lula Lá” por “Serra Lá”, aliás, fato não controvertido, pois notório. Importante ressaltar também partes importantes do laudo: “…. Observa-se que não se trata de um simples Jingle, (embora o estribilho seja a parte mais conhecida e efetivamente cantada nas campanhas e comícios) como costuma dizer, mas da música oficial (tema) da campanha presidencial do PT no ano de 1989” (fls. 183). “……. Nesse sentido, antes mesmo de ser feita uma comparação das obras por meio de análise de partituras, não há dúvida alguma de que um trecho da obra musical LULA LÁ foi reproduzido no programa eleitoral do então candidato à presidência da República, José Serra, do PSDB, sendo certo que houve modificação da obra, pela substituição do refrão LULA LÁ por SERRA LÁ.

Observa-se também que essa reprodução, embora ilícita (como será demonstrado por meio das respostas aos quesitos) não constitui uma usurpação, nem plágio de obra alheia, pois o próprio locutor indica que essa música não é do Serra. A intenção (bastante clara) na reprodução não autorizada de trecho dessa obra musical (com a modificação apontada) no programa eleitoral do PSDB é de causar um estranhamento no expectador, visando a desacreditar o outro candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula da canção de Hilton Acioli.” (fls. 185).

Ao responder ao quesito de nº 4 — fls. 196 (“O réu, ao se utilizar da obra do autor, observou o disposto no artigo 29 da lei 9.610/1998?”), a douta expert assim se manifestou: “Não. O réu, ao se utilizar da obra do autor, não observou o disposto no artigo 29 da lei 9.610/1998 (inserido no Capítulo III, que trata dos Direitos Patrimoniais do Autor e sua duração), que estabelece que a utilização de obra intelectual por quaisquer modalidades, depende de prévia e expressa autorização do autor, o que não aconteceu no caso dos autos. PORTANTO, houve violação dos direitos patrimoniais do autor. E há um agravante no caso dos autos, pois a autorização jamais seria concedida ao réu, considerando-se que a obra Lula lá foi composta — sob encomenda do Partido dos Trabalhadores — PT, para exaltar o então candidato à Presidência da República do partido, Luiz Inácio Lula da Silva e a utilização feita pelo réu, com alteração do refrão (Serra Lá, ao invés de Lula Lá) visava justamente desacreditá-lo, para favorecer o seu adversário. É importante esclarecer que a utilização da obra do autor pelo réu não se enquadra em nenhuma das limitações aos direitos autorais previstas nos artigos 46, 47 e 48 da Lei de Direitos Autorais (9.610/98). Em especial, não se enquadra na limitação prevista no artigo 47: Art. 7. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária em lhe implicarem descrédito. Conforme verbete do dicionário Aurélio, paródia é a “imitação cômica de uma composição literária”. Trata-se de uma limitação ao direito do autor em homenagem ao humor.


No caso dos autos, a substituição do refrão “LULA LÁ” por “SERRA LÁ” não tem propósito humorístico, muito pelo contrário. No contexto em que foi usado, conjugado à fala do locutor teve o claro intuito de desacreditar o candidato adversário que a obra original exaltava e, por conseguinte, implicou no descrédito da própria obra intelectual. Dessa forma, além de não caracterizar uma paródia, a modificação da obra pelo réu implicou na violação de direitos morais do autor, previstos no artigo 24 da Lei de Direitos Autorais, em especial no inciso IV, que concede ao autor da obra o direito de assegurar a sua integridade e de se opor a quaisquer modificações feitas por terceiros….”

O réu, por sua vez, não elaborou quesitos ao laudo, contudo, em audiência de instrução e julgamento foram colhidos dois depoimentos, um do publicitário Paulo César Bernardes (fls. 284/285) e outro do publicitário Rui Sergio da Silva Rodrigues (fls. 286/287), ambos como informantes, tendo em vista o deferimento das contraditas nos termos ali consignados. Ambos explicaram a estratégia utilizada na campanha presidencial. Como o PT começou a se valer de artifícios na campanha usando programas do PSDB com outro nome, criaram a estratégia de utilizar a música do Lula para demonstrar quanto era absurdo o Lula utilizar os programas sociais do Serra.

Segundo tais testemunhas era essa a intenção. Inclusive, a testemunha Rui Sergio afirmou que fizeram uma paródia, uma gozação. Mas, como bem concluído pela perita, a situação criada não tinha nada de humorístico e, sim, muito pelo contrário, fazer a população desacreditar no candidato adversário, no caso o Lula.

Em que pese toda a imaginação e criatividade do réu em utilizar, dessa forma, trechos da obra do autor, essa estratégia foi infeliz na medida em que não houve autorização por parte do autor, criador e titular dos direitos da obra. A própria testemunha Rui Sergio declarou que não sabia dizer o porquê de não terem consultado o autor.

A lei que regula o direito de autor (Lei 9.610/98) prevê que ao autor pertencem os direitos tanto morais quanto patrimoniais sobre a sua obra (art. 22). Os direitos morais estão ligados à identificação e reconhecimento da criação com o seu criador, resguardando a paternidade da obra, ou seja, segundo o professor Carlos Alberto Bittar: “Os direitos morais são os vínculos perenes que unem o criador à sua obra para a realização da defesa de sua propriedade”.

Segundo o artigo 24 da referida lei são direitos morais do autor:

“I — o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;

II — o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;

III — o de conservar a obra inédita;

IV — o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-la, como autor, em sua reputação ou honra;

V — o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;

VI — o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação ou imagem;

VII — o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.

§1º Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I a IV.

§2º Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público.

§3º Nos casos dos incisos V e VI, ressalvam-se as prévias indenizações a terceiros, quando couberem”.

São direitos personalíssimos, inalienáveis, imprescritíveis, irrenunciáveis etc. Igualmente ocorre violação ao direito moral do autor quando há vinculação de sua obra com algo que ele não coaduna, não acredita, ou mesmo não quer associar-se, maculando a sua honra.

O que se deve deixar claro é que cabe apenas ao autor utilizar, fruir e dispor de sua obra e qualquer utilização alheia sempre dependerá de sua autorização prévia (art. 29 da lei 9.610/98), ainda que a reprodução seja parcial (inciso I). Dessa maneira, vislumbra-se a presença dos requisitos ensejadores da responsabilidade civil, ou seja, a conduta, o nexo causal e os danos.

Os danos materiais foram muito bem fundamentados no robusto e consistente trabalho desenvolvimento pela perita, cabendo a condenação no valor de R$ 56.250,00 (cinqüenta e seis mil, duzentos e cinqüenta reais), conforme bem esposado a fls. 198/203, tornando a presente sentença já plenamente líquida.

Os danos morais igualmente se vislumbram no presente caso, valendo salientar mais uma vez o trabalho da perícia nesse diapasão, bem como, o depoimento da testemunha Hermelino Jorge Mantovani Neder (fls. 280/281), músico, que narrou a indignação do autor e os consectários dos fatos sub judice a ele ocasionados.

Tomando em consideração a capacidade econômica das partes, bem como, a extensão dos danos, ou seja, a repercussão dos mesmos, levando em conta ainda o caráter punitivo e compensatório, fixo o valor dos danos morais em igualdade ao valor patrimonial encontrado, ou seja, R$ 56.250,00 (cinqüenta e seis mil, duzentos e cinqüenta reais).

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a ação pelo rito ordinário que HILTON ACIOLI moveu contra PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB) e condeno o réu ao pagamento da quantia de R$ 56.250,00 (cinqüenta e seis mil, duzentos e cinqüenta reais) a título de danos materiais, bem como, ao pagamento da quantia de R$ 56.250,00 (cinqüenta e seis mil, duzentos e cinqüenta reais) a título de danos morais, totalizando o importe condenatório em R$112.500,00 (cento e doze mil e quinhentos reais), com correção monetária a partir do ajuizamento da ação e juros legais a partir da citação, observando os índices da Tabela Prática do Egrégio Tribunal de Justiça.

Condeno, ainda, a ré ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios que fixo (CPC, art. 20,§ 3º) em vinte por cento (20%) do valor da condenação.

Extingo o feito nos termos do inciso I do artigo 269 do Código de Processo Civil.

P. R. I. C.

São Paulo, 25 de abril de 2008.

VITOR FREDERICO KÜMPEL

Juiz de Direito

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