Investigação fiscal

Especialistas criticam norma da Receita sobre envio de dados ao MPF

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3 de junho de 2008, 18h59

A Portaria 665, editada pela Receita Federal em abril, é inconstitucional segundo o advogado Maurício Silva Leite, especialista do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados. A norma modifica quais os procedimentos os auditores fiscais devem seguir para formalizar uma representação fiscal para fins penais.

O advogado Maurício Silva Leite afirma que a portaria fere a Constituição. “Tal portaria é inconstitucional, nos moldes em que foi redigida, por impor ao fiscal da Receita Federal o dever de elaborar representação para fins penais, a ser encaminhada ao Ministério Público para eventuais providências. Ocorre que o parágrafo 1º determina que o servidor público realize verdadeiros atos de investigação penal previamente ao encaminhamento da representação para fins penais, tais como depoimentos, declarações e, nome de testemunhas”, destaca.

Para o criminalista, esse tipo de previsão “afronta a Constituição Federal, visto que, segundo o texto constitucional, só as Polícias Federal e Civil podem efetuar investigação criminal”. Silva Leite lembra que qualquer ato investigatório, com objetivo de apurar eventual crime, “é ato privativo e exclusivo da Polícia Federal e da Polícia Civil, não podendo ser delegado à Receita Federal”.

Já o tributarista Igor Mauler Santiago, sócio do Sacha Calmon, Misabel Derzi Advogados, destaca que o artigo 4º, II, da portaria determina que a representação seja remetida em 10 dias da concessão de parcelamentos, exceto o Refis e Paes. “A regra ignora que qualquer parcelamento, e não apenas os ditos especiais, suspende a pretensão punitiva”, comenta.

Santiago chama ainda a atenção para o artigo 6º da Portaria, que impõe o envio da representação criminal para fins fiscais em dez dias da constituição do crédito previdenciário (sonegação ou apropriação indébita de contribuições previdenciárias), não importa se impugnado ou não pelo contribuinte. “Como as contribuições previdenciárias são tributos, a elas aplica-se a jurisprudência do STF que condiciona a denúncia ao fim do processo tributário administrativo”, explica.

Leia a íntegra

Portaria RFB 665, de 24 de abril de 2008

DOU de 28.4.2008

Estabelece procedimentos a serem observados na comunicação, ao Ministério Público Federal, de fatos que configurem crimes relacionados com as atividades da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB).

O SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, no uso das atribuições que lhe conferem o art. 3º do Decreto nº 2.730, de 10 de agosto de 1998, o art. 28 do Anexo I ao Decreto nº 6.313, de 19 de dezembro de 2007, e os incisos III e XVIII do art. 224 do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil, aprovado pela Portaria MF nº 95, de 30 de abril de 2007, e tendo em vista o disposto no art. 83 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, no art. 15 da Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000, no art. 9º da Lei nº 10.684, de 30 de maio de 2003, no inciso VI do art. 116 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e no inciso I do art. 66 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941,

CAPÍTULO I

DO Dever de Representar

Art. 1º Os Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil deverão formalizar representação fiscal para fins penais, perante o Delegado ou Inspetor-Chefe da Receita Federal do Brasil responsável pelo controle do processo administrativo-fiscal, sempre que no exercício de suas atribuições identificarem situações que, em tese, configurem crime relacionado com as atividades da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB).

§ 1º A representação de que trata o caput deverá ser instruída com os seguintes elementos:

I – exposição minuciosa dos fatos caracterizadores do ilícito penal;

II – o original da prova material do ilícito penal e outros documentos sob suspeição que tenham sido apreendidos no curso da ação fiscal;

III – termos lavrados de depoimentos, declarações, perícias e outras informações obtidas de terceiros, utilizados para fundamentar a constituição do crédito tributário ou a apreensão de bens sujeitos à pena de perdimento, bem como cópia autenticada do documento de constituição do crédito tributário, se for o caso, e dos demais termos fiscais lavrados;

IV – cópia dos contratos sociais e suas alterações, ou dos estatutos e atas das assembléias, relativos aos períodos objeto da ação fiscal;

V – a identificação das pessoas físicas a quem se atribua a prática do delito penal, bem como identificação da pessoa jurídica autuada, se for o caso;

VI – identificação das pessoas que possam ser arroladas como testemunhas, consideradas assim aquelas que tenham conhecimento do fato ou que, em face do caso, deveriam tê-lo.

§ 2º Para efeito do disposto no inciso V do § 1º, serão arroladas as pessoas que:


I – possam ter concorrido ou contribuído para a prática do ilícito, mesmo que por intermédio de pessoa jurídica;

II – na condição de gerentes ou administradores de instituição financeira, possam ter concorrido para abertura de conta ou movimentação de recursos sob nome falso, de pessoa física ou jurídica inexistente, ou de pessoa jurídica liquidada de fato ou sem representação regular, presentes as circunstâncias de que trata o caput deste artigo.

§ 3º Em se tratando de crime contra a Ordem Tributária ou contra a Previdência Social, a representação fiscal para fins penais também deverá ser instruída com cópia das declarações apresentadas à RFB pertinentes aos fatos geradores mencionados na representação.

§ 4º Quando o procedimento fiscal for motivado por informações oriundas do Ministério Público Federal ou quando este já tiver conhecimento prévio dos fatos que configurem crime, em tese, a representação de que trata este artigo restringir-se-á à comunicação dos fatos apurados pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, dispensada a formalização de processo específico.

§ 5º Na hipótese de crimes contra a Ordem Tributária, os elementos especificados nos incisos III e IV do § 1º e no § 3º poderão ser juntados após a verificação da definitividade do crédito tributário na esfera administrativa, devendo o processo de representação fiscal para fins penais ser instruído com termo indicativo da forma de juntada, original ou cópia, e número da folha em que consta do processo de exigência do crédito tributário.

§ 6º Na hipótese do § 5º, caberá ao chefe da unidade de controle do processo designar responsável pela juntada dos elementos, após a definitividade do crédito tributário na esfera administrativa.

Art. 2º Quando as situações caracterizadoras de crime a que se refere o art. 1º forem identificadas após a constituição do crédito tributário, o servidor que as houver constatado, no âmbito da RFB, formalizará representação fiscal para fins penais perante o chefe da unidade da RFB de controle do processo administrativo-fiscal, devendo protocolizá-la, no prazo máximo de 10 (dez) dias, contado da data em que tiver conhecimento do fato.

CAPÍTULO II

DOS Crimes Contra a Ordem Tributária

Art. 3º A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a Ordem Tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será formalizada e protocolizada em até 10 (dez) dias contados da data da constituição do crédito tributário, devendo permanecer no âmbito da unidade de controle até que o referido crédito se torne definitivo na esfera administrativa, respeitado o prazo para cobrança amigável.

Parágrafo único. Caso o crédito tributário correspondente ao ilícito penal seja integralmente extinto pelo julgamento administrativo ou pelo pagamento, os autos da representação, juntamente com cópia da respectiva decisão administrativa, quando for o caso, deverão ser arquivados.

Art. 4º Os autos da representação serão remetidos, no prazo de 10 (dez) dias, pelo Delegado ou Inspetor-Chefe da Receita Federal do Brasil responsável pelo controle do processo administrativo-fiscal, ao órgão do Ministério Público Federal que for competente para promover a ação penal, contado:

I – do encerramento do prazo para cobrança amigável, na hipótese de definitividade do crédito tributário relacionado ao ilícito penal, sem o correspondente pagamento;

II – da concessão de parcelamento do crédito tributário, ressalvados aqueles mencionados nos incisos III e IV;

III – da exclusão de pessoa jurídica do Programa de Recuperação Fiscal (Refis) ou do parcelamento a ele alternativo, de que trata a Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000;

IV – da exclusão de pessoa jurídica do Parcelamento Especial (Paes) de que trata a Lei nº 10.684, de 30 de maio de 2003;

V – da concessão a pessoa física do Parcelamento Especial (Paes) de que trata a Lei nº 10.684, de 2003;

VI – da lavratura de auto de infração ou da expedição de notificação de lançamento sem crédito tributário, nas hipóteses de redução de prejuízos fiscais, de bases de cálculo negativas da contribuição social sobre o lucro líquido ou de valor de imposto a ser restituído.

Parágrafo único. Na hipótese do inciso I, deverá ser juntada aos autos da representação cópia da respectiva decisão administrativa, juntamente com o despacho do titular da unidade de controle com a informação da data de sua definitividade.

CAPÍTULO III

DOS Crimes de Contrabando ou Descaminho

Art. 5º A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes de contrabando ou descaminho, definidos no art. 334 do Código Penal, será formalizada em autos separados e protocolizada na mesma data da lavratura do auto de infração, devendo permanecer na unidade da RFB de lavratura até o final do prazo para impugnação.


§ 1º Se for aplicada a pena de perdimento de bens, inclusive na hipótese de conversão em multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria que não seja localizada ou que tenha sido consumida, a representação de que trata o caput deverá ser encaminhada pela autoridade julgadora de instância única ao órgão do Ministério Público Federal que for competente para promover a ação penal, no prazo máximo de 10 (dez) dias, anexando-se cópia da decisão.

§ 2º Não aplicada a pena de perdimento, a representação fiscal para fins penais deverá ser arquivada, depois de incluir nos autos cópia da respectiva decisão administrativa.

CAPÍTULO Iv

DOS Crimes Contra a Previdência Social

Art. 6º A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a Previdência Social, definidos nos arts. 168-A e 337-A do Código Penal, acrescentados pela Lei nº 9.983, de 14 de julho de 2000, será formalizada e protocolizada em até 10 (dez) dias contados da data da constituição de crédito tributário, devendo ser remetida pelo Delegado da Receita Federal do Brasil responsável pelo controle do processo administrativo-fiscal em até dez dias, contados da data de sua protocolização, ao órgão do Ministério Público Federal que for competente para promover a ação penal.

§ 1º Os autos da representação fiscal para fins penais relativos aos crimes previstos no art. 95 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e nos arts. 168-A e 337-A do Código Penal, correspondente a crédito tributário que tenha sido incluído em regime de parcelamento especial cuja lei assegure o benefício da suspensão da pretensão punitiva do Estado, devem ser remetidos ao órgão do Ministério Público Federal que for competente para promover a ação penal, no prazo de 10 (dez) dias, contado da data em que a pessoa for excluída do aludido regime de parcelamento especial.

§ 2º Quitado o parcelamento especial de que trata o § 1º pelo integral pagamento, os autos da representação deverão ser arquivados.

CAPÍTULO V

DOS Crimes Contra a Administração Pública Federal e a Fazenda Nacional

Art. 7º Além dos casos de representação previstos nos artigos anteriores, os servidores em exercício na RFB, observadas as atribuições dos respectivos cargos, deverão formalizar representação para fins penais, perante os titulares das Unidades Centrais, Superintendentes, Delegados ou Inspetores da RFB aos quais estiverem vinculados, sempre que identificarem situações que, em tese, configurem crime contra a Administração Pública Federal ou em detrimento da Fazenda Nacional.

§ 1º A representação de que trata o caput deverá:

I – conter os elementos referidos no art. 1º, no que couber;

II – ser levada a registro em protocolo pelo servidor que a elaborar, no prazo de 10 (dez) dias, contado da data em que identificar a situação caracterizadora de crime;

III – ser remetida no prazo de 10 (dez) dias, contado da data de sua protocolização, ao órgão do Ministério Público Federal que for competente para promover a ação penal.

§ 2º Deverá ser dado conhecimento da representação ao titular da unidade do domicílio fiscal do sujeito passivo, na hipótese de o servidor formalizar representação perante outra autoridade a quem estiver vinculado.

CAPÍTULO VI

DAS Disposições Gerais

Art. 8º Deverão ser atendidas pelas unidades da RFB as requisições ou solicitações de informações e documentos, quando formuladas pelo Ministério Público Federal ou pela Polícia Federal, para instrução de procedimento ou processo criminal decorrente das representações de que trata esta Portaria.

Art. 9º O servidor que descumprir o dever de representar, nos termos estabelecidos nesta Portaria, fica sujeito às sanções disciplinares previstas na Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, sem prejuízo do disposto na legislação criminal.

Art. 10. Verificada, em tese, a ocorrência de crimes que imponham ritos diferentes para as representações pertinentes, estas deverão ser formalizadas em processos distintos.

Parágrafo único. Na hipótese do caput, os originais da prova material dos ilícitos deverão constar do processo que primeiro for remetido ao Ministério Público.

Art. 11. A tramitação das representações para fins penais formalizadas antes da publicação desta Portaria continua regulada pela Portaria SRF nº 326, de 15 de março de 2005.

Art. 12. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

JORGE ANTONIO DEHER RACHID

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