Bastidores da notícia

Jornalista conta em livro o lado de dentro das reportagens

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1 de junho de 2008, 0h01

Quando toda a imprensa mineira divulgava as glórias do governo Aécio Neves, um repórter saiu de São Paulo e foi para Belo Horizonte produzir uma reportagem que dizia algo diferente: “Aécio maquiou gastos da saúde em Minas”. O autor da reportagem que vê o que os outros não vêem e que caminha na contramão da imprensa é Frederico Vasconcellos, repórter especial do jornal Folha de S. Paulo.

Os bastidores desta reportagem, manchete da Folha no dia 13 de agosto de 2006, os caminhos quais percorreu até chegar à revelação são contados por Vasconcelos no livro Anatomia da Reportagem — Como investigar empresas, governos e tribunais, publicado pela editora Publifolha. A revelação das contas mal explicadas do governo de Aécio Neves é apenas uma das inúmeras reportagens que Vasconcelos conta de trás para frente.

Em princípio, o livro pode parecer uma aula simples de jornalismo investigativo, mas é mais que isso. Ele não ensina, didaticamente, como fazer uma boa reportagem. Dá algumas dicas. E deixa para o leitor a tarefa de tirar das experiências de Vasconcelos as lições sobre como se conduzir no mundo espinhoso do jornalismo. É um livro que faz pensar, de leitura fácil e, quase sempre, agradável.

Anatomia da Reportagem narra a evolução da carreira do próprio Vasconcelos. O repórter relata como conseguiu as grandes notícias exclusivas com que construiu sua reputação, desde que deixou sua terra natal, Pernambuco, onde teve seu primeiro emprego de jornalista na revista Manchete, até se tornar um dos mais respeitados jornalistas da Folha de S. Paulo.

É autor dos livros Fraude (Scritta, 1994), que revela os bastidores das importações superfaturadas de equipamentos de Israel no governo Orestes Quércia, em São Paulo, e Juízes no Banco dos Réus (Publifolha, 2005), sobre investigações jornalísticas que fez na Justiça Federal paulista durante seis anos. Este livro recebeu o Prêmio Jabuti em 2006, segundo colocado na categoria livro-reportagem.

O novo livro de Vasconcelos explica o porquê de seu êxito: ele sempre fugiu dos outros jornalistas. Não no sentido pessoal, de fazer amigos e criar a sua rede de relacionamentos. Mas no sentido profissional que faz com que, quando vai a campo, prefira sempre caminhar na contramão da maioria. Como o caso do governador Aécio Neves, há tantos outros.

Há, por exemplo, o caso do ex-secretário da Presidência da República no governo FHC Eduardo Jorge Caldas Pereira. EJ, como ficou conhecido, foi enxovalhado pela imprensa. Foi acusado de participar do esquema de desvio de verbas na construção do prédio do Fórum Trabalhista de São Paulo, episódio que rendeu a condenação do juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto. Choveram reportagens agressivas, críticas infundadas e notícias sobre o “corrupto EJ”. Mas nada foi provado.

O primeiro jornalista a notar que a imprensa seguia apenas a corrente de acusações, sem parar para analisar a veracidade das informações, foi Frederico Vasconcelos. Depois de longos encontros com EJ e da leitura criteriosa de pilhas de documentos, fez a primeira reportagem que marcou o início da limpeza do nome do empresário Eduardo Jorge.

Frederico Vasconcelos dá pista de como encontrar a reportagem de ouro: leia aquilo que ninguém lê. Sim, diz o jornalista, por trás de editais chatos, extensos balanços das empresas e leituras maçantes do Diário Oficial é possível encontrar grandes notícias. Basta ligar o desconfiômetro.

Foi de uma dessas leituras que Vasconcelos descobriu que a Cobrasma, de propriedade do ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) Luís Eulálio de Bueno Vidigal Filho, estava supervalorizando a sua estimativa de lucro. A informação saiu da leitura do balanço divulgado pela própria empresa.

Anatomia da Reportagem mostra quem é Frederico Vasconcelos. Ele representa, hoje, uma maneira de fazer jornalismo que agoniza na urgência das redações atropeladas pela notícia online e mal-acostumadas com a facilidade das assessorias de imprensa. Frederico Vasconcelos é um dos poucos que tem a vontade e o privilégio de gastar horas para apurar uma hipótese, descobrir o fato e contar ao leitor aquilo que enxergou, ir além do ato de informar, sem ser parcial. Pela carreira profissional do autor, Anatomia da Reportagem vale a leitura.

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