Preso pela notícia

Jornal é condenado por divulgar prisão que não existiu

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1 de junho de 2008, 0h00

Ao ler o jornal no dia 12 de abril de 2000, o investigador da Polícia Civil de São Paulo Alessandro Gouveia Aleixos, soube que tinha sido preso. A informação de sua prisão divulgada pelo jornal Diário Popular.

Oito anos depois do episódio, o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou o direito de Aleixos ser indenizado pelo jornal por ter divulgado informação falsa que ofendeu sua honra. A decisão partiu da 4ª Câmara de Direito Privado que manteve o dever de indenizar, mas reduziu o valor da indenização. Em primeira instância, a indenização havia sido fixado em 200 salários mínimos (R$ 83 mil). O TJ paulista baixou para 50 (R$ 20 mil).

No pedido de indenização, Aleixo, acusado de vender drogas para adolescentes, alegou que a notícia da prisão que nunca ocorreu na verdade lhe causou danos morais. O Diário de S. Paulo, que sucedeu ao Diário Popular alegou em sua defesa que a prisão que noticiou de fato ocorrera. Explicou que Aleixo foi convocado para depor na CPI do Narcotráfico e ficou à disposição da comissão por quatro dias, podendo ir para sua casa no final dos trabalhos da CPI, mas tendo de retornar obrigatoriamente no dia seguinte. Para o jornal, a medida não é diferente da restrição de liberdade que noticiou.

Não foi o que considerou a Justiça. Em seu voto, o desembargador Carlos Teixeira Leite, relator do processo na 4ª Câmara do TJ-SP, cita o depoimento do corregedor-geral da Polícia que nega que o policial tenha sido preso. “Assim, é óbvio que a empresa jornalística publicou uma inverdade que acabou por causar danos ao policial, que decidiu ajuizar esta ação.”

O desembargador entendeu que um jornal tem obrigação de ter maior cuidado com as noticias que divulgou do que uma emissora de rádio ou televisão que dá a informação ao vivo. “Não existe a necessidade do fator improvisação, não há aquela urgência ditada pelo fato e sua forma imediata de divulgação. Nesse caso, existe o crivo do revisor, outro do redator ou editor, antes da publicação de alguma matéria, inclusive para autorizá-la como desse interesse.”

Os desembargadores da 4ª Câmara acompanharam o entendimento de que Aleixo sofreu prejuízos morais por conta da notícia falsa. Por unanimidade, entenderam também que o valor da indenização deveria ser reduzido.

Leia o:

ACÓRDÃO

Indenização por danos morais. Liberdade de Imprensa e direito à honra. Preceitos de ordem constitucional que precisam ser equilibrados. Matéria publicada noticiando detenção que não ocorreu. Induvidosos sofrimentos de ordem moral. Sentença que condenou a empresa jornalística no pagamento do valor equivalente a 200 salários mínimos a título de indenização por danos morais. Recurso dela, provido em parte para diminuir o valor para 50 salários mínimos que melhor se amolda as peculiaridades e orientação jurisprudencial.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL nº 296.228.4/0-00, da Comarca de SÃO PAULO, em que figuram ALESSANDRO GARCIA ALEIXOS e EMPRESA JORNALÍSTICA DIÁRIO DE SÃO PAULO LTDA. como apelantes e apelados reciprocamente:

ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, dar provimento em parte ao recurso da Empresa Jornalística e negar provimento ao recurso de Alessandro Aleixos.

A r. sentença (fls.362/370) julgou procedente pedido formulado por Alessandro Gouveia Aleixos para condenar a Empresa Jornalística Diário Popular a lhe pagar o valor equivalente a 200 salários mínimos a título de indenização por danos morais ocasionados por publicação de matéria onde foi noticiada sua detenção, fato que, comprovadamente, não ocorreu.

Alessandro, em suas razões de apelação (fls. 381/390) afirma que a reparação do dano moral por prejuízo causado através da imprensa pode ser ressarcido com fundamento no direito comum e daí entende que o valor fixado é insignificante diante dos danos que experimentou, devendo ser majorado, inclusive com a finalidade de inibir a empresa a repetir essa conduta.

Por sua vez, a Empresa Jornalística (fls. 394/400), invocando essa sua específica atividade, alega que a matéria divulgada é sobre a acusação de um traficante de vender drogas a menores, e, que a narração desses fatos foi realizada em linguagem ao alcance do entendimento do leitor. Entende que o fato de Alessandro “ficar à disposição por 4 dias da CPI, mediante condução coercitiva, podendo se ausentar somente no final do dia (ao término dos trabalhos diários da CPI) e devendo retornar obrigatoriamente no dia seguinte” não é muito diferente da idéia de restrição de liberdade, ou detenção. Acrescenta que não agiu de má-fé, daí então, o pedido deve ser julgado improcedente ou o valor da indenização ser reduzido.

Contra-razões de Alessandro às fls. 405/408 e da Empresa Jornalística às fls. 410/414.

Este é o relatório.

É incontroverso que no dia 12 de abril de 2000, a Empresa Jornalística publicou em sua primeira página, a notícia de que o investigador Alessandro Gouveia Aleixos, da Delegacia de Jandira, foi detido sob a acusação de vender drogas para jovens em Alphaville (fls. 16).

Ocorre que, conforme depoimento do Corregedor Geral da Polícia (fls. 215/217), restou induvidoso que Alessandro, ao contrário do que foi noticiado, não foi preso ou detido. Assim, é óbvio que a Empresa Jornalística publicou uma inverdade que acabou por causar danos ao policial, que decidiu ajuizar esta ação.

No caso, o fato de existirem suspeitas a respeito do comportamento de Alessandro, não permite que a imprensa tire conclusões precipitadas e publique notícias falsas. Ademais, supõe-se que um jornal publicado, diferente dos noticiários ao vivo transmitidos por rádio ou televisão, tenha maior cuidado na redação de suas notícias, até porque não existe a necessidade do fator improvisação, não há aquela urgência ditada pelo fato e sua forma imediata de divulgação. Nesse caso, existe o crivo do revisor, outro do redator ou editor, antes da publicação de alguma matéria, inclusive para autorizá-la como desse interesse.

Contudo, não se desconhece que nem sempre essa cautela é cumprida e, sobre isso, oportunas as observações de Israel Drapkin Senderey: “Cada edição de um jornal, é feita de maneira a permitir o destaque de toda a notícia capaz de atrair a atenção do maior número de presumíveis leitores. As alternativas de uma guerra, as grandes tragédias e os crimes, os terremotos ou cataclismas similares, os imprevistos acontecimentos e surpreendentes mudanças políticas, constituem invariavelmente a matéria-prima para este tipo de notícias. Geralmente se consegue criar um estado coletivo de tensão e ansiedade, pois ainda se ignora o rumo que os acontecimentos tomarão. Este estado anímico da massa é, por sua vez, um valioso estímulo para incrementar a circulação de um periódico, o que logicamente constitui a ambição máxima dos seus proprietários e editores, até porque todo acontecimento desperta invariavelmente, como reação lógica, algum juízo ético na massa em geral e em cada indivíduo em particular.”

E, mais adiante: “Poucos temas despertam um interesse tão vivo e universal como o da criminalidade” (Imprensa e Criminalidade, Editora José Bushatsky).

Nesse vértice, é claro que o jornal, diante de um momento de repercussão — a CPI do Narcotráfico — não tomou as devidas cautelas antes de publicar uma notícia a ele relacionada e envolvendo um policial, com certeza pelo maior destaque que experimentou com a informação de que, logo no primeiro dia dos seus trabalhos, houve essa detenção. Todavia, e como se apurou, isso era falso. A prova oral e documental (oficio de convocação de fls. 13, na qualidade de testemunha), são coesas nesse sentido, o que bem acentua a ausência de qualquer investigação a esse respeito por parte do jornalista.

Sobre isso, ou essa falta, em hipótese tão semelhante quanto recente, bem disse o Ilustre Desembargador Francisco Loureiro em caso semelhante: “Evidente que não se exige do jornalista o mesmo rigor e aprofundamento no exame das provas que devem ter as autoridades policiais e judiciárias, sob pena de inviabilizar o jornalismo investigativo. Isso, porém, não isenta o jornalista do dever de ser reto e veraz, de checar suas fontes, de apurar a procedência dos fatos, de pesar evidências, evitando a todo custo a divulgação precipitada de fatos delituosos que possam arruinar a vida e a reputação de pessoas indevidamente citadas.

O dever da verdade foi atropelado pela premência do furo jornalístico, pelo sensacionalismo, pela manchete fácil, pela criação do fato a ser depois investigado. Notícia falsa cria presunção de culpa, ou até mesmo responsabilidade objetiva”.

Portanto, e pela gravidade da notícia, com muitos comentários em seu meio social e profissional, aliás, o que também se confirmou para esse aspecto negativo, é induvidoso que Alessandro sofreu prejuízos de ordem moral, que, obrigatoriamente, devem ser indenizados. Nesse vértice, verificado o ilícito por abuso no exercício desse direito-dever de informação, o demais é mera conseqüência de nosso ordenamento jurídico.

Aliás, a respeito da necessidade de algum limite à liberdade que deve nortear a atividade da imprensa, pela apelante, e, sempre impedir essa diretriz, o Desembargador Maia da Cunha, que também compõe esta 4ª. Câmara, com muita propriedade, argumenta: “Com efeito, em casos complexos de proximidade entre dois direitos constitucionais, é necessário lembrar que a constituição Federal protege tanto o direito de informar, com base na liberdade de imprensa, quanto o direito de o cidadão ter preservadas de ofensas a sua honra e a sua dignidade. A livre manifestação da imprensa, assim, encontra limite apenas na ofensa à honra e à dignidade daqueles que se vêem objeto de notícia ou de reportagem.

Os doutrinadores já se debruçaram sobre o tormentoso tema, lançando obras riquíssimas acerca de assunto e todos, sem exceção, sempre reconheceram a dificuldade de conciliar e equilibrar conceitos de tamanha grandeza. A liberdade de informação e a livre manifestação da imprensa precisam ser compatibilizadas com o direito inalienável que possui cada cidadão de não ver sua honra enxovalhada e denegrida sob o pretexto de que é livre o direito de informar.

A partir daí, o que precisa se analisar, em cada caso positivo, se ele atingiu a honra daquele que protagonizou o fato veiculado a pretexto do direito de informação”.

Finalmente, sabe-se que o valor da reparação do dano moral é uma questão controvertida, complexa, e, pela sua própria essência, abstrata. Em concreto, isso deve atender o escopo de sua dupla função: reparar o prejuízo, buscando minimizar a dor da vítima e, punir o ofensor, para que não volte a reincidir. Por outro lato, é necessário assegurar uma justa compensação, sem, entretanto, incorrer em enriquecimento ilícito por parte de quem a recebe, e, paralelamente, determinar a ruína daquele responsável pelo seu pagamento.

Aliás, esse é o entendimento da jurisprudência:

“Consoante entendimento pacificado desta Corte, o valor da indenização por danos morais só pode ser alterado na instância especial quando ínfimo ou exagerado o que não ocorre no caso em tela. Com efeito, o quantum indenizatório arbitrado pelo Tribunal a quo não escapa à razoabilidade, nem se distancia do bom senso e dos critérios recomendados pela doutrina e jurisprudência”(AgRg no Recurso Especial/0169648, Min. Fernando Gonçalves).

O valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça quando a quantia arbitrada se mostrar ínfima, de um lado, ou visivelmente exagerada, de outro. Hipótese de fixação excessiva, a gerar enriquecimento indevido do ofendido (Resp 573.809/MT, Rel. Min. Barros Monteiro).

Logo, objetivando remunerar apenas o que decorreu deste episódio, nesse caso em atenção aos motivos e argumentos do recurso em exame, e, diante das peculiaridades do fato e sócio-econômica das partes, de rigor reduzir a indenização para cinqüenta salários mínimos e o que melhor atende a orientação jurisprudencial que se consolida nessas hipóteses.

Ante o exposto, dá-se provimento em parte ao recurso da Empresa Jornalística e nega-se provimento ao recurso de Alessandro.

Participaram do julgamento, os Desembargadores Francisco Loureiro e J. G. Jacobina Rabello.

São Paulo, 29 de maio de 2008.

TEIXEIRA LEITE

Presidente e Relator

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