Meios e fins

Acusadores querem criar milícia jurídica, diz Cezar Britto

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31 de julho de 2008, 16h44

“Aqueles que acusam no Brasil querem criar uma milícia jurídica. O próprio Estado investiga, processa e julga, sem que o cidadão possa se defender. Democracia não combina com milícia, ainda que seja comandada pelo Poder Judiciário, e ela só existe se o amplo direito de defesa for assegurado.” A frase foi dita pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, nesta quinta-feira (31/7), durante o encontro entre dirigentes da OAB e o ministro da Justiça Tarso Genro, em Brasília.

Na ocasião, os advogados defenderam a sanção presidencial ao projeto que assegura a inviolabilidade dos escritórios de advocacia e a criminalização para quem infringir as regras. A matéria foi aprovada no Congresso Nacional no dia 9 de julho.

No encontro no gabinete do ministro da Justiça, Cezar Britto lembrou que, na democracia, é importante que o direito de defesa exista para todos os cidadãos. Segundo ele, o órgão acusador não pode escutar ou dispor de meios para conhecer a estratégia da defesa, como vem acontecendo a partir da instalação de grampos ilegais nos aparelhos de telefone e em escritórios dos advogados.

Britto rechaçou as acusações levadas ao ministro Tarso Genro por grupos de magistrados e membros do Ministério Público, que sugeriram o apoio dos advogados à PLC 36/2007 para esconder armas, provas ilícitas e documentos dos clientes.

“A advocacia não compactua com o crime e acha que o advogado que comete um ato criminoso tem que ser investigado amplamente e punido. A busca e apreensão ao escritório do advogado considerado criminoso está expressamente prevista no texto do projeto de lei que aguarda sanção do presidente Lula” afirmou.

Durante o encontro, Tarso Genro recebeu a nota técnica da OAB com uma ampla contestação aos pontos do projeto de lei que foram criticados. O ministro disse que o projeto ainda está em estudo pelo Ministério da Justiça e acenou que novos encontros com a OAB deverão ser agendados.

Os argumentos da advocacia

O presidente da OAB de São Paulo, Luiz Flávio Borges D’Urso, participou da reunião com o ministro da Justiça, Tarso Genro, e comentou a mobilização da seccional paulista pela sanção do presidente Lula. Para ele, o texto não tem o propósito de blindar advogados e clientes.

“Viemos reforçar a necessidade do presidente sancionar sem vetos a proposta que não tem o escopo de blindar os escritórios de advocacia, mas sim cumprir dispositivo constitucional que garante essa prerrogativa aos advogados em nome do cidadão”, avaliou D’Urso.

O presidente da OAB paulista destacou que o PLC 36/2006, no artigo 7º, proíbe juízes de determinar busca e apreensão em escritórios para colher provas contra clientes. “Esse projeto do deputado e advogado Michel Temer teve origem nos lamentáveis episódios de invasão de escritórios de advocacia, que ocorreram em São Paulo, em 2005, quando por meio de mandados genéricos, agentes do Estado visavam colher provas contra clientes desses advogados, num dos episódios mais amargos para a Advocacia e mais desastrosos para o Judiciário, que determinava as invasões sem parâmetros e de forma genérica”, relembrou o presidente da OAB- SP.

Já o secretário-geral adjunto do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Alberto Zacharias Toron, defendeu que o texto do deputado Michel Temer condensa portarias já aprovadas pelo próprio Ministério da Justiça. “É importante lembrar que o projeto de lei que está submetido à sanção do presidente Lula, na verdade, nada mais faz que condensar as portarias aprovadas pelo próprio Ministério da Justiça. Em segundo lugar, o projeto não resguarda criminosos, não resguarda o crime, ele não cria nenhum privilégio para o advogado. O que ele faz, sim, é detalhar melhor a inviolabilidade dos escritórios, que já vem assegurada na Constituição e prevista também no Estatuto dos Advogados”.

Quanto à tese de que os escritórios de advogados ficariam invioláveis a partir da vigência da lei, Toron afirmou “o escritório do advogado não vai ser mais ou menos inviolável que a residência de um cidadão comum. O que é preciso entender é que do advogado merece uma proteção diferenciada, isto é historicamente reconhecido por conta da missa, do papel, que ele desempenha em prol do cidadão, em prol da defesa do cidadão que o procura”, afirmou.

O ex-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Reginaldo Oscar de Castro, que integrou a comissão da OAB, afirmou: “Os advogados não podem requerer a invasão dos gabinetes dos acusadores, muito menos requerer a interceptação telefônica dos acusadores. E, na verdade, estamos sujeitos a tudo isso como advogados”.

Ele lembrou que o projeto preserva uma premissa (inviolabilidade da advocacia enquanto no exercício profissional), que também está prevista na Constituição.

“Esta inviolabilidade não é em benefício do advogado, é benefício do cidadão que por ele é defendido. De forma que, o Poder Judiciário tem instrumentos absolutamente livres de convicção e de colheita de provas e não pode, agora, querer a obtenção de provas, por meio do Ministério Público e da Polícia Federal, fruto de invasão da privacidade de cada cidadão brasileiro”, concluiu o ex-presidente nacional da entidade.

Por sua vez, a secretária-geral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Clea Carpi da Rocha, defendeu que “o projeto de lei estabelece com muita firmeza que se há um advogado que se desvia da conduta ética e pratica um crime, ele não só deve ser afastado da OAB, mas também deve ser submetido à decisão judicial”.

Também expôs sua opinião o presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous. Ele afirmou que “a ditadura dos juízes é tão indesejável quanto à ditadura militar. Na minha opinião está havendo, cada vez mais no país, uma judicialização excessiva na política e isto acaba refletindo na própria visão que a magistratura tem da advocacia”.

Segundo Wadih, a magistratura está fazendo política a partir do poder soberano do Judiciário. “Não é que o juiz como cidadão não possa se pronunciar politicamente mas , a partir do momento que o Judiciário procura interferir na política é muito preocupante. Isso pode se encaminhar para uma ditadura do Judiciário pelo próprio peso que a magistratura tem na formação da opinião pública”, disse.

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