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Saiba por que a OAB defende restrição de busca de escritório

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30 de julho de 2008, 17h17

A restrição de busca e apreensão em escritórios de advocacia é um direito do cidadão, não um privilégio do advogado. É o que sustenta a Ordem dos Advogados do Brasil em nota técnica enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nesta quarta-feira (30/7), em defesa da sanção do projeto de lei que restringe as hipóteses de busca.

De acordo com a entidade que representa os advogados, a nota pretende evitar que “o desconhecimento, a propaganda enganosa e a consciência autoritária façam revogar definitivamente o direito de defesa no Brasil democrático, da mesma forma com que a ditadura militar revogou o habeas corpus para os presos políticos”.

O texto altera o artigo 7º da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) estabelecendo punição criminal para quem violar escritórios de advocacia. O texto veta também a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado investigado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.

Pela proposta, as buscas e apreensões em escritórios de advocacia, com ordem judicial, continuam permitidas, mas se restringem aos casos de advogados investigados. Para os advogados, a proposta é salutar porque põe fim a abusos verificados em operações passadas, onde o cliente era o investigado e os policiais, com base em mandados genéricos, levavam todos os computadores dos advogados.

Na nota técnica, a OAB elenca 10 questões que foram postas em discussão desde que o projeto chegou à mesa de Lula e, em cada uma delas, procura mostrar ao presidente que falta base nas alegações de quem defende o veto do projeto. A nota sustenta que o projeto não cria qualquer novo direito. “Ao contrário, explicita-o para separar e tipificar as condutas dos advogados enquanto profissionais e cidadãos”.

E, ainda de acordo com a entidade, não protege o advogado que comete qualquer espécie de crime, pois há na proposta a “autorização expressa para que [os advogados] sejam investigados caso acusados da prática de crime”. A nota da OAB rebate a afirmação de que o projeto permite que escritórios se transformem em depósitos de crimes.

Esse é um dos principais argumentos de entidades de classe da magistratura e do Ministério Público contra a sanção da proposta. De acordo com juízes e procuradores da República, “a prevalecer o pretendido no projeto, não poderiam ser decretadas a busca e a apreensão em escritório de advogado mesmo se surgissem indícios veementes de que o local estaria sendo utilizado para ocultar a arma, um revólver ou uma faca, utilizada para a prática de um homicídio”.

Segundo a OAB, neste caso, o advogado estaria praticando um crime, além de grave falta ético-disciplinar. E o projeto admite a quebra da inviolabilidade neste caso.

“Proteger a fé dos cristãos foi o principal argumento da Inquisição para perseguir, torturar e assassinar os próprios cristãos. Proteger os colonos da má-leitura foi o argumento utilizado pelo Marquês de Pombal para estabelecer a censura no Brasil. Não são diferentes os argumentos utilizados pelos censores e autoritários espalhados pelo mundo. Direito fundamental não se castra, se reconhece”, sustentam os advogados.

A Ordem ressalta que a inviolabilidade do escritório ou local de trabalho do advogado já está prevista na Constituição Federal, no Estatuto da Advocacia, no Pacto de Direito Humanos San José da Costa Rica, homologado pelo Brasil, e na Declaração Universal de Direito Humanos.

Leia a nota técnica enviada a Lula

NOTA TÉCNICA — PLC 36/2006

O Projeto de Lei 36/2006, que dá nova redação ao art. 7º da Lei 8.906, de 04 de julho de 1994, tem provocado críticas injustas de setores da magistratura, do Ministério Público e da polícia, especialmente por dispor sobre o direito à inviolabilidade do escritório ou local de trabalho do advogado e correspondência profissional, instituindo, ainda, hipóteses de quebra desse direito. E não poderia ser diferente, pois guarda íntima relação com o mais elementar e vital direito inerente à pessoa humana: o direito de defesa.

Sem o reconhecimento do direito de defesa, o cidadão fica órfão no seu relacionamento com o aparelho estatal, sendo presa fácil do autoritarismo, da arrogância, da perseguição, da má-fé, da incompetência ou do simples erro do Estado e seus agentes. Sem o direito de defesa somente restará ao cidadão a fé de que todos os carcereiros, agentes penitenciários, policiais, membros do Ministério Público, magistrados, secretários de segurança pública, ministros da Justiça, governadores e presidentes da República são infalíveis, incorruptíveis, isentos de paixão política ou incapazes de arroubos autoritários. O direito de defesa é o equilíbrio democrático entre o cidadão e o Estado.


É missão da advocacia, aqui e nos demais países democráticos, cuidar do direito de defesa do cidadão. Enfraquecer, proibir ou criminalizar a advocacia é também atacar o direito de defesa. As questões contidas na presente NOTA TÉCNICA têm como finalidade esclarecer os pontos tidos como polêmicos alusivos ao Projeto de Lei 36/2006, evitando que o desconhecimento, a propaganda enganosa e a consciência autoritária façam revogar definitivamente o direito de defesa no Brasil democrático, da mesma forma com que a ditadura militar revogou o habeas corpus para os presos políticos.

Seguem-se, em anexo, as questões mais suscitadas, assim como o texto aprovado de forma unânime pelo Senado e Câmara Federal, para que o desconhecimento não permita conclusões equivocadas, bem assim a manifestação dos insuspeitos juristas Paulo Bonavides e Celso Antonio Bandeira de Melo.

CEZAR BRITTO — Presidente nacional da OAB

1ª QUESTÃO. O PLC está criando direito novo para o advogado brasileiro.

A inviolabilidade do escritório ou local de trabalho do advogado já esta prevista no artigo 133, da Constituição Federal e no inciso II do art. 7º, da Lei 8.906, de 4 de julho de 1994. Também consta expressamente no Pacto de Direito Humanos San José da Costa Rica (art. 8º, 2, d), homologado pelo Brasil. Da mesma forma, no art. XI, 1, da Declaração Universal de Direito Humanos. O Supremo Tribunal Federal, em incontáveis julgados, também assim tem afirmado. O Ministro Eros Grau, quando do HC 89.1025-3 SP, fls. 342/344, bem registrou que “quanto à violação do computador do advogado para averiguação do conteúdo de mensagens eletrônicas, é de enorme gravidade. O preceito veiculado pelo artigo 7º, II, do EOAB afirma a inviolabilidade do escritório ou local de trabalho do advogado, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações. A violação do computador utilizado pelo advogado, violação das mensagens trocadas entre ele e o paciente, é ilícita”. No mesmo voto, se pontuou a seguinte afirmação do Ministro Marco Aurélio; “a entendermos que, no caso, os acusados não podem estabelecer uma estratégia, (…) ter-se-á de caminhar também para idêntico trato em relação não mais à autodefesa, mas à defesa técnica e, quem sabe, também prender os senhores advogados”. Como se vê, o projeto não cria direito novo. Ao contrário, explicita-o para separar e tipificar as condutas dos advogados enquanto profissionais e cidadãos. No primeiro caso, reconhecendo a inviolabilidade; no segundo, a autorização expressa para que sejam investigados caso acusados da prática de crime.

2ª QUESTÃO. É um privilégio para os advogados esta garantia.

Primeiro, a garantia da inviolabilidade não é um privilégio para o advogado. Para ele, a inviolabilidade é um dever, que deve ser guardado, sob pena, inclusive, de cometer falta ética disciplinar. O privilégio é para o cidadão, que não pode ter a sua defesa espionada, bisbilhotada ou vasculhada por aqueles que são encarregados da investigação, acusação ou julgamento. Numa relação democrática o Estado e seus agentes não são superiores ao cidadão. Todos têm que observar os limites e garantias constitucionais. O Estado tem o dever de punir, mas não poder retirar o direito do cidadão de se defender. Por exemplo: caso legalizado o grampo da conversa do advogado com o seu cliente, o que nem a ditadura militar ousou fazer, somente restará ao cidadão o silêncio como defesa. Nem seu advogado saberá o que ocorreu, pois caso ouse perguntar algo ao seu cidadão-cliente estará contribuindo para que este se auto-incrimine. Sobrar-lhe-á, para que efetue a defesa, o recurso da telepatia.

3ª QUESTÃO. A inviolabilidade absoluta do direito de defesa pode estimular o crime.

O projeto não trata de inviolabilidade absoluta. Um erro não pode justificar outro. O erro cometido por alguns advogados não pode justificar o erro de se revogar o direito de defesa. Transformar a advocacia em cúmplice da criminalidade é o maior sonho dos inimigos da democracia. Assim ficariam eles livre para errar, perseguir ou tornar verdadeiras as suas teorias morais. Ser o responsável pelo direito de defesa não faz do defensor o próprio criminoso. Confundir esta regra é extremamente grave. Ademais, a inviolabilidade prevista no PLC 00036/2006 não é absoluta. O projeto já admite, desde o seu preâmbulo, as hipóteses de quebra desse direito. A principal é expressamente admitir que (§ 6º, do art. 1º) “presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crimes por parte de advogados, a autoridade competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade”. E não poderia ser diferente, pois nenhuma lei pode conceder habeas corpus preventivo para que se cometa crime no Brasil. Nem aos advogados e nem à OAB interessa a liberdade para delinqüir. O advogado que cometer crime, atividade incompatível com a advocacia, pode e deve ser investigado. E isto, repete-se, esta assegurado no PLC 00036/2006.


4ª QUESTÃO. O projeto impede a investigação criminal contra os advogados.

Não impede e tampouco a OAB o defenderia se assim o fosse. Ao contrário, o projeto expressamente admite busca e apreensão dos escritórios de advocacia para investigar e punir os criminosos travestidos de advogados. Tampouco protege com a inviolabilidade os clientes investigados pelo mesmo crime, como expressamente registrado no § 7º, do art. 1º do citado projeto. Basta uma rápida e superficial leitura do texto aprovado para assim entender.

5ª QUESTÃO. Os escritórios de advocacia, como acusam os magistrados e seguidores, podem se transformar em “depósitos de crimes”.

É evidente que não. O advogado, neste caso, estaria praticando um crime, além de grave falta ética-disciplinar. O projeto, como exposto, admite a quebra da inviolabilidade neste caso. A nota das associações dos magistrados e outras, sem prova ou subsídio histórico, acusa a advocacia brasileira de possível cúmplice da pedofilia e outros graves crimes. É justamente em razão dessas acusações descabidas, abundantes em tempos atuais, que se mostra necessária a sanção do projeto. Repita-se: havendo indícios da prática de crimes por parte de advogados e seus clientes, conjuntamente, a inviolabilidade pode e deve ser quebrada.

6ª QUESTÃO. Outra acusação tem relação com o § 8º, do art. 1º do PLC, pois aí se diz que o advogado se ocultará nos outros advogados para esconderem seus crimes.

Mais uma vez a verdade se inverte. Neste caso o crime do primeiro se estenderia para o segundo ou todo o seu escritório (§ 6º, do art. 1º). É o óbvio mais do que ululante. Ainda seguindo o esdrúxulo e agressivo exemplo apontado pelos magistrados, é crível pensar que um criminoso travestido de advogado depositaria no servidor do seu escritório fotos de pedofilia? É evidente que não. Mas se assim o fosse, apenas para ilustrar, todos os demais poderiam ser investigados, apurando-se a culpa de cada um.

7ª QUESTÃO. O presidente da ANPR disse que o veto à lei é bom para a advocacia, pois evitará que os próprios advogados sejam pressionados para que cedam seus escritórios para o crime.

Proteger a fé dos cristãos foi o principal argumento da Inquisição para perseguir, torturar e assassinar os próprios cristãos. Proteger os colonos da má-leitura foi o argumento utilizado pelo Marquês de Pombal para estabelecer a censura no Brasil. Não são diferentes os argumentos utilizados pelos censores e autoritários espalhados pelo mundo. Direito fundamental não se castra, se reconhece. A afirmação é tão absurda que não merece resposta.

8ª QUESTÃO. A OAB não pune os advogados faltosos.

A OAB, diferente das demais carreiras jurídicas, tem punido severamente os advogados faltosos. Não age com o corporativismo inerente à toga. O primeiro ato da atual gestão foi, inclusive, o de multiplicar por três os órgãos encarregados dos julgamentos de matéria disciplinar do Conselho Federal, o que resultou na manutenção de 1.194 punições aplicadas pelas seccionais. É bom registrar que a punição imposta pela OAB não impede a ação penal.

9ª QUESTÃO. Somente os advogados têm proteção constitucional.

A proteção do advogado está inserida no constitucional direito de defesa do cidadão (art. 133, da CF). Mas não só a dele. O presidente da República tem fixada a sua garantia no art. 86 e outros, da Constituição Federal. Os deputados e senadores no art. 53, da Lei Maior. Os jornalistas, a proteção do sigilo da fonte, por determinação do inciso XIV, do art. 5º, da Carta-Cidadã. A magistratura tem as suas prerrogativas e garantias fixadas expressamente no art. 95, do Estatuto Republicano. O Ministério Público no inciso I, § 5º, do art. 128, do mesmo diploma legal. Apenas para exemplificação, a vitaliciedade, direito oriundo do Brasil Imperial e exclusivo da magistratura e do Ministério Público, somente autoriza o afastamento definitivo do acusado de prevaricação, corrupção, peculato ou improbidade após sentença transitada em julgado. É dizer: mesmo com “ficha suja” poderão continuar judicando e atuando no órgão ministerial, respectivamente, ordenando a quebra da inviolabilidade do escritório da parte que o acusa. Alguém lembra de nota técnica das entidades propondo a relativização da vitaliciedade? Não. E não poderia, pois estas prerrogativas, como todas as outras, são garantias do Estado Democrático de Direito. Revoga-las é comprometer a própria democracia. Erros não justificam erros.

10ª QUESTÃO. O PLC pode ser sancionado pelo presidente da República.

Não se tem dúvida. A nota técnica emitida conjuntamente por juízes e membros do Ministério Público demonstra que seus signatários não leram o texto aprovado de forma unânime pelo parlamento brasileiro ou, se o leram, não o fizeram sob a ótica do Estado Democrático de Direito. Em todo o país que se entende democrático, o direito de defesa é princípio fundamental. Permitir que o Estado-polícia, o Estado-ministério público e o Estado-juiz espionem, vasculhem, invadam e destruam a defesa é fortalecer a lógica autoritária que a Constituição Federal expressamente revogou há vinte anos. Rejeitar essa garantia é praticar grave injustiça contra a advocacia brasileira, que, desde o seu nascedouro, lutou bravamente para garantir as prerrogativas da magistratura e do Ministério Público, quando ameaçadas pela ditadura militar. Querer revogar o direito de defesa sob o argumento de que alguns advogados cometem deslizes éticos é o mesmo que querer acabar com a vitaliciedade da magistratura porque alguns magistrados compactuam com a corrupção. Da mesma forma é defender a mordaça do Ministério Público em razão de alguns dos seus integrantes não se escusarem a quinze minutos de fama nos noticiários nacionais. A advocacia sempre separou o joio do trigo. Não confunde a democracia com autoritarismo, não embaralha no mesmo conteúdo magistratura e Ministério Público com aqueles que não respeitam a ética e praticam o crime. A inviolabilidade não é do advogado, mas do cidadão e de seu direito amplo à defesa.

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