Acusação em segredo

Justiça impede advogados de Denise Abreu de ver denúncia

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30 de julho de 2008, 20h09

Denise Abreu, a ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), soube pela imprensa, há nove dias, que foi denunciada por falsificação de documentos. Mas até agora a Justiça negou a ela o direito de saber oficialmente do que é acusada. É o que afirmam as advogadas Beatriz Dias Rizzo e Luiza Oliver, em petição para a juíza Paula Mantovani, da 1ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo.

Por meio da assessoria de imprensa, a Justiça Federal de São Paulo confirmou que a juíza está analisando se recebe ou não a denúncia e que ela está em segredo de Justiça. Por isso os advogados não tiveram acesso.

A negativa da Justiça Federal colide com jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que entende que o sigilo das informações não alcança as partes investigadas, nem seus advogados. Exemplo dessa posição é o HC 93.767, relatado pelo ministro Celso de Mello em fevereiro deste ano.

Segundo o ministro, mesmo que o inquérito esteja sob sigilo, ele não atinge aos advogados do investigado. O defensor sempre poderá ter acesso a todas as informações que estiverem inseridas nos autos, inclusive às provas sigilosas. O advogado só não pode acompanhar o policial no momento da produção das provas, mas pode ter acesso a elas depois de incluídas no inquérito.

No pedido à juíza, feita na terça-feira (29/7), as advogadas afirmam que, “apesar do esforço homérico que a Defesa vem fazendo para ter acesso à denúncia formulada contra sua constituinte, até o presente momento não conseguiu tomar ciência de seu teor”.

No ano passado, a defesa conseguiu Habeas Corpus no Tribunal Regional Federal da 3ª Região que permitia acesso dos advogados à investigação do MP sobre a atuação de Denise na diretoria da Anac.

Na primeira vez que foram ao cartório da 1ª Vara Criminal da Justiça Federal, as advogadas afirmam que “foram informadas, então, de que nada constaria em nome de Denise Maria Ayres Abreu”. Quando voltaram, depois, à 1ª Vara com o número do protocolo “foram informadas de que se trataria de um pedido de quebra de sigilo, ao qual ninguém — nem as partes — teria acesso”, afirmam as defensoras da ex-diretora da Anac. Os advogados dizem que também tem a informação de que há contra Denise um inquérito policial que tramita na 6ª Vara Federal Criminal, cujo titular é o juiz Fausto Martin De Sanctis.

Processo normal

A assessoria do Ministério Público explica que há um processo de 2007 referente à quebra de sigilo telemático (e-mail) de um funcionário da Anac. Como ele é uma testemunha do caso, a juíza decretou o sigilo do processo, inclusive para Denise Abreu. Foi nessa oportunidade que a defesa da ex-diretora entrou com o HC.

Quando a nova denúncia foi oferecida, o processo por prevenção foi distribuído à juíza Paula Mantovani. Segundo o MPF, a denúncia não pode ser entregue para a defesa porque já está na Justiça Federal. O MPF afirma que com o HC em mãos, a defesa de Denise Abreu teve acesso à investigação durante todo o Procedimento Investigatório Criminal.

Falsificação de documentos

Denise Abreu afirma ainda que a procuradora Thaméa Danelon quebrou o sigilo da denúncia contra ela ao divulgar o caso para a imprensa. Segundo o MPF, com o Habeas Corpus conseguido pela defesa da ex-diretora, não existe sigilo na denúncia.

Segundo o MPF, quando era diretora da agência, Denise apresentou para a desembargadora Cecília Marcondes, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS), um documento que garantiria a segurança de pouso no aeroporto de Congonhas (SP). Apresentado como uma norma que deveria ser seguida pelas companhias que operavam no aeroporto, o documento IS-RBHA 121-189 era na verdade um estudo interno da Anac.

Thaméa Danelon afirmou que a Justiça Federal só constatou que a regra não estava em vigor depois do acidente com o vôo JJ 3054 da TAM, ocorrido em 17 de julho do ano passado, que matou 199 pessoas. O documento foi apresentado em recurso no qual o MPF tentou impedir o funcionamento do aeroporto depois de derrapagens na pista antiga.

A Justiça Federal negou a liminar pedida pelo MPF e proibiu apenas o pouso de três tipos de aeronaves no aeroporto. Segundo depoimento da desembargadora Cecília Marcondes ao MPF, Denise Abreu sustentou em fevereiro de 2007 que a norma era válida. Segundo a desembargadora, o documento foi decisivo para a decisão que liberou a pista para pousos e decolagens de todas as aeronaves.

Leia a petição das advogadas de Denise

Excelentíssima Senhora Juíza federal da 1ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo.

Autos nº 2008.61.81.010440-4

Denise Maria Ayres de Abreu, por suas advogadas infra-assinadas, vem à presença de Vossa Excelência expor e requerer o que segue.

Desde 18 de julho p.p., diversos veículos de comunicação vêm divulgando a notícia de que o Ministério Público Federal teria oferecido denúncia em face da peticionária, na qual estaria sendo acusada de ter apresentado documento falso, em ação em que figurava como parte a ANAC, agência da qual era uma das Diretoras, à época.

Referida denúncia seria decorrente dos autos nº 1.34.001.005879/2007-17, com trâmite perante a Procuradoria da República de São Paulo e teria sido distribuída a essa Vara Federal Criminal.

A partir de então, essas subscritoras passaram a realizar diariamente (diversas vezes por dia, diga-se de passagem) pesquisa, em nome da peticionária, no setor de distribuição da Justiça Federal de São Paulo. Em nenhuma oportunidade, entretanto, lograram localizar os autos a que se referiria a denúncia.

Até a data de hoje, aliás, em nome da peticionária existe, apenas, um inquérito policial, em trâmite perante a 6ª Vara Federal Criminal, que visa apurar eventual crime contra o sistema financeiro (doc. 01).

Diante das infrutíferas tentativas de localização dos autos por meio de pesquisa no setor de distribuição, compareceram ao cartório desse Juízo a fim de verificar se, de fato, nenhum procedimento ministerial teria dado entrada em cartório. Foram informadas, então, de que nada constaria em nome de Denise Maria Ayres Abreu.

Indagada se seria possível certificar a inexistência de referido procedimento, a diretora dessa Secretaria, Sra. Tânia, informou que poderia certificar, apenas, a existência de autos e não sua inexistência.

Paralelamente às buscas na Justiça Federal, essas subscritoras, em 21 de julho p.p., se dirigiram à Procuradoria, a fim de obter cópia da famigerada denúncia com a Dra. Thaméa Danelon, responsável por sua lavratura. A funcionária Mi informou, entretanto, que todos os documentos referentes ao caso teriam sido remetidos para o fórum.

Considerando que a imprensa — não obstante tratar-se de procedimento sigiloso, ao qual só foi franqueada vista à Defesa por determinação do Tribunal Regional Federal — obteve informações sobre o teor da denúncia, essas subscritoras, em 22 de julho p.p. peticionaram à Procuradora da República requerendo cópia da inicial acusatória.

Na data de ontem, 28 de julho p.p., quando pela terceira vez compareceram à Procuradoria a fim de verificar que fim teria levado seu pleito, foram informadas pela funcionária Simone de que a petição não teria sido despachada pela Procuradora, tendo sido remetida diretamente a esse Juízo para “juntada aos autos”.

Indagada acerca de que “autos” seriam esses, a funcionária, ao consultar o sistema interno da Procuradoria, informou que haveria, apenas, “um registro” de um procedimento autuado sob o nº 2007.61.81.010823-5.

Ao verificarem o “extrato e movimentação processual” relativo ao mencionado número, constataram, apenas, tratar-se de procedimento sob “segredo de justiça”, em trâmite perante essa Vara. Não constavam os nomes das partes, a natureza do procedimento ou data de distribuição (doc. 02).

Dirigindo-se à 1ª Vara Criminal Federal, foram informadas de que se trataria de um pedido de quebra de sigilo, ao qual ninguém — nem as partes — teria acesso. Ao indagarem acerca do eventual oferecimento de denúncia, essas subscritoras foram, então, informadas de que essa teria sido autuada em apartado, sob o nº 2008.61.81.010440-4.

Requerida vista dos autos, obteve-se a informação de que eles se encontrariam na conclusão, não sendo possível, portanto, sua consulta.

A fim de confirmar que, de fato, referido procedimento se referiria à peticionária, foi requerido o extrato de sua movimentação, do qual, todavia, também não constam o nome da parte e quaisquer outras informações (doc. 03).

Assim, apesar do esforço homérico que a Defesa vem fazendo para ter acesso à denúncia formulada contra sua constituinte, até o presente momento não conseguiu tomar ciência de seu teor.

É imprescindível, entretanto, que seja conferida à Defesa, antes que Vossa Excelência decida pelo recebimento ou rejeição da denúncia, a oportunidade de consultar os autos.

Somente assim a Defesa poderá, ao confirmar o teor da denúncia — que, de acordo com a mídia seria de uso de documento falso —, juntar documentos que demonstram, de forma cabal, a absoluta insubsistência da acusação, evitando, conseqüentemente, o início de uma ação penal incapaz de atingir o objetivo almejado.

Diante do exposto, requer a peticionária seja conferida imediata vista dos autos.

São Paulo, 29 de julho de 2008.

Beatriz Dias Rizzo

OAB/SP 118.727

Luiza Oliver

OAB/SP 235.045

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