Grampo limitado

Entrevista: Desembargador Geraldo Prado, do TJ fluminense

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27 de julho de 2008, 0h00

Geraldo Prado - por SpaccaSpacca" data-GUID="geraldo_prado.jpeg">Felizmente não é só de Tarso Genro que vive o Estado de Direito brasileiro. No mesmo contexto em que o ministro da Justiça recomendava aos cidadãos de bem desse país que se acostumem com a idéia de que o direito ao sigilo de suas conversas ao telefone já não existe, uma outra autoridade, com menos poder mas sem dúvida com mais sabedoria, ensinava : à luz da Constituição, interceptações telefônicas legais não podem durar mais do que 60 dias, assim mesmo em uma situação excepcionalíssima que autorize a decretação do estado de sítio.

Para o desembargador Geraldo Prado, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o artigo 136 da Constituição prevê, em situações críticas, a suspensão dos direitos fundamentais, entre os quais o do sigilo das comunicações, por 30 dias, renováveis por outros 30. Se é assim numa situação de anormalidade institucional, então não se pode pensar que no dia-a-dia das pessoas, juízes autorizem interceptações telefônicas por até 180 dias, como previsto em projeto de lei já em discussão.

A não ser que seja Tarso Genro. O ministro petista sustenta que o avanço das tecnologias transformaram em pó o sagrado direito que as pessoas têm de falar o que quiserem em sua intimidade. Por seu raciocínio, pode-se concluir que o avanço na fabricação de armas de fogo torna inevitável o assassinato e só resta aos cidadãos se conformarem com as balas perdidas.

Na contramão dessa linha de pensamento, Geraldo Prado não se conforma que uma parte do Estado — elementos da policia, do Ministério Público e até mesmo do Judiciário — tenha renunciado, ainda que com a melhor intenção de combater o crime, à obrigação primeira de defender o Estado de Direito.

O desembargador acredita que ainda vivemos uma fase de confusão pós ditadura em que espaços de intensa democratização convivem com bolsões do mais retrógrado autoritarismo. Ele se refere não só aos abusos a direitos individuais, como a banalização do grampo telefônico, mas também ao que chama de “democratização da punição”.

Por razões ideológicas, ele explica, se tenta impingir a idéia de que a prisão se torna mais humana só porque é aplicada contra os ricos e os poderosos, esquecendo-se que prisão é exceção e deve ser usada com total parcimônia.

“Se fizermos um apanhado da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, veremos que mesmo o ministro Joaquim Barbosa, considerado um dos mais rigorosos em matéria penal, cansa de conceder Habeas Corpus pelo reconhecimento da ilegalidade das prisões preventivas”, afirma. Em seus votos, o desembargador gosta de citar exatamente os ministros mais rigorosos para mostrar que o rigor também vale para o cumprimento da Constituição.

Prado entende que o juiz não pode se deixar levar pelo senso comum, como se fosse leigo em relação aos direitos fundamentais. Entende também que o juiz que participa da investigação deveria ficar impedido de julgar no mesmo processo. “Um juiz que tem contato com os dados da investigação, que não passaram ainda pela defesa, tende a assumir a versão inicial como definitiva. Com isso, o direito de defesa vira peça de teatro. O processo desaparece”, sustenta. O desembargador não estava se referindo ao que aconteceu na chamada Operação Satiagraha. Por falta de dados, ele preferiu não comentar a momentosa operação que imortalizou Protógenes Queiroz e Fausto de Sanctis.

Rubro negro, Geraldo Prado tem 48 anos, é casado com uma juíza do Trabalho, tem dois filhos e um neto. É formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Antes de se tornar juiz, em 1988, atuou como advogado e como promotor de Justiça por três anos. Desde 2006, é desembargador do Tribunal de Justiça fluminense. Em 2003, participou da fundação do Movimento da Magistratura Fluminense pela Democracia. “É um movimento de esquerda dentro da magistratura fluminense, de radicalização democrática muito importante. Acho que fizemos muitos avanços e isso é muito bacana”, explica.

Leia a entrevista

ConJur — O que é mais grave, grampos legais ou ilegais?

Geraldo Prado — Por mais eficiente que seja o aparelho de investigação do Estado, quando falamos de ilegalidade, lidamos com cifras ocultas. O campo do ilícito é sempre de especulação, pois não existe contabilidade oficial. A interceptação telefônica clandestina justifica a preocupação do Estado, porque é um mecanismo invasivo da privacidade alheia. É diferente da preocupação com os grampos legalmente autorizados. O que pode ter é ponto de contato entre grampos legais e ilegais.

ConJur — Quando isso acontece?

Geraldo Prado — No momento em que há agentes dos Estado atuando, aparentemente, acobertados pela lei. Ou seja, quando um agente quer descobrir se o investigado tem uma amante para extorqui-lo. É um atentado ao Estado de Direito. Talvez, exista uma ou outra interceptação autorizada judicialmente, em que o juiz, iludido por uma situação, acaba servindo de instrumento a um sujeito que quer se beneficiar economicamente. É uma situação patológica. Nós precisamos colocar limites para que a tendência ou sedução de abuso do poder encontre barreiras.


ConJur — Que tipo de barreira?

Geraldo Prado — Já que a interceptação telefônica pode fazer com que pessoas tenham informações extraordinariamente valiosas no mercado político, econômico, em todas as áreas, vamos estabelecer um limite. Às vezes, não se trata do sujeito que usa interceptação telefônica para ganhar R$ 10 milhões. Trata-se de um uso abusivo da interceptação telefônica para conquistar e sedimentar posições de poder contra as instituições democráticas. No caso norte-americano, isso fica evidente com a Lei Patriótica e, no caso europeu, a resistência da sociedade civil contra a tentativa de expansão das instituições de repressão criminal: os europeus entenderam que estavam tentando eliminar a doença ao custo de matar o paciente.

ConJur — É o discurso do medo?

Geraldo Prado — Sim, insuflam o medo. E as pessoas começam a achar razoável ouvir a conversa telefônica do Fernandinho Beira Mar, mesmo sem ordem judicial. Desde que não seja a conversa delas, está tudo bem. Não se dão conta de que estão derrubando as bases do Estado de Direito. Depois é muito difícil recuperar. O Brasil tem uma experiência democrática muito recente, ainda mal resolvida.

ConJur — O número de 409 mil interceptações, apresentado à CPI dos Grampos através de dados das operadoras de telefonia, não é um exagero?

Geraldo Prado — O secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça, Leandro Galluzi, informou que ninguém sabe de onde a CPI extraiu os números. Não há como filtrar as informações das companhias telefônicas para saber como a interceptação é computada. Não há critérios. Tenho um pressentimento de que, no Brasil, como em outros lugares, a interceptação telefônica se expandiu com a difusão dos telefones celulares. Mas não tenho referência de quantas linhas telefônicas existem no Brasil para fazer uma comparação. Se compararmos esse número de interceptações com o de presos, que não tem nada a ver com interceptação mas dá uma dimensão dos processos criminais em curso, percebemos que o que era para ser excepcional equivale quase ao número de processos. O parâmetro é assustador.

ConJur — O que o senhor acha da iniciativa do Tribunal de Justiça do Rio de tentar controlar as autorizações de interceptações na Justiça estadual?

Geraldo Prado — Um aspecto da iniciativa do corregedor do Rio [desembargador Luiz Zveiter] é extraordinariamente louvável: dar número às coisas. É preciso saber exatamente a quantidade de linhas telefônicas que estão sob monitoramento e qual a periodicidade. Se no Rio, por exemplo, são 30 mil linhas telefônicas monitoradas e 25 mil inquéritos policiais em andamento, há algo errado. Se tem 30 mil números interceptados e 300 mil inquéritos, já há uma relação. Lamentavelmente, do jeito que o projeto está formulado no Tribunal, estamos criando um grande catálogo telefônico de linhas monitoradas. Isso esvazia por completo qualquer investigação criminal.

ConJur — É mais fácil para a polícia usar a interceptação como método principal de investigação?

Geraldo Prado — Sim. O movimento da polícia é menor no sentido de uma investigação com outros meios. Não só no Brasil, como em Portugal, Espanha, Estados Unidos, a iniciativa é colocar limites. A expressão banalização das interceptações telefônicas é portuguesa. Não é nossa. Lá, eles chamam de vulgarização.

ConJur — Os juízes também são responsáveis por garantir a democracia?

Geraldo Prado — Claro. A Constituição de 1988 colocou a responsabilidade nas mãos dos juízes, promotores de Justiça e procuradores da Republica. Temos de ser protagonistas na luta pela recuperação e manutenção da democracia. Vamos esquecer certa omissão do passado e olhar para o futuro. Se há abuso das interceptações telefônicas autorizadas judicialmente, o juiz está sendo o primeiro a enfraquecer o Estado de Direito. Os Tribunais Superiores têm que dizer claramente que não aceitam abusos.

ConJur — O papel dos Tribunais Superiores é decisivo nessa questão?

Geraldo Prado —Sim. É fundamental. Também o do Conselho Nacional de Justiça, fazendo com que a mensagem clara dos Tribunais Superiores de que abusos não serão tolerados seja interpretada pelo conjunto da magistratura. É função do magistrado criminal impedir os abusos.

ConJur — O Superior Tribunal de Justiça deve definir se dois anos de gravação fere garantias constitucionais.

Geraldo Prado — O voto conduzido pelo ministro Nilson Naves pode mudar o entendimento do STJ. Porque, antes, estavam aceitando 360 dias de interceptação. A tese que está sendo defendida é de que tem limite. A Constituição, no artigo 136, estabelece que a autorização para interceptações telefônicas dura 30 dias, prorrogável por mais 30. Isso quer dizer que, quando está tudo errado e há um risco muito grande a ponto de o governo decretar estado de sítio, só pode interceptar por 60 dias. Como é que na normalidade se permite interceptar a comunicação das pessoas por 360 dias, 720 dias? E sem uma reflexão concreta sobre a necessidade real da interceptação.


ConJur — A lei de interceptações tem que mudar?

Geraldo Prado — Tem. É preciso deixar o texto mais claro. O novo projeto está prevendo 180 dias improrrogáveis. Eles acham que “improrrogáveis” é uma vitória, quando na verdade a derrota está nos 180 dias.

ConJur — Que tipo de controle pode existir para impedir um número exorbitante de telefones interceptados?

Geraldo Prado — Existem muitas formas interessantes. A primeira é a concentração dos lugares de funcionamento tecnológico das interceptações. Parece que, hoje, essa é a orientação na Espanha e em Portugal. Eles querem ter os juízes de garantia, que não são treinados, não estudam para ser um juiz, mas são juízes do Estado de Direito e dos direitos fundamentais. O juiz de garantia não vai ser o mesmo do processo principal. Os juízes de garantia receberiam os requerimentos, avaliariam os pedidos e decidiriam pela interceptação ou não. Ao autorizar, o controle tecnológico será feito em um lugar próprio, com equipe reduzida, vinculada aos investigadores.

ConJur — O juiz acompanharia de perto os procedimentos?

Geraldo Prado —Sim. Durante o período de interceptação, ele terá de comparecer ao local central das interceptações para verificar a regularidade e até mesmo acompanhar o sistema. Isso tira o juiz do gabinete e o desloca para o controle. O segundo ponto de controle seria na lei com a determinação de que, depois da interceptação, as pessoas submetidas ao monitoramento sejam comunicadas deste estado.

ConJur — Isso é feito em outros países?

Geraldo Prado — Sim. Em outros sistemas, quando encerra o prazo da interceptação, está prevista, automaticamente, a notificação da pessoa que ficou sob monitoramento. Cada país trabalha com limites temporais próprios de acordo com suas Constituições. Findo o prazo, se a gravação não teve utilidade, notifica a pessoa, já que ela pode ter sido monitorada abusivamente.

ConJur — O juiz que for conduzir as investigações não deve ser o mesmo do processo?

Geraldo Prado — Isso é fundamental. Hoje, o juiz que começa a atuar com as medidas cautelares, é o juiz atua no processo. Primeiro, não defendo o juiz investigando, mas o juiz que participa da fase de investigação, que autoriza a prisão, a interceptação telefônica, a busca e apreensão. O inquérito não tem contraditório, não tem defesa. Tem a única função de fornecer subsídios para que a acusação possa ir à presença de um juiz, acusar, provar e, por fim, buscar a condenação. Um juiz que tem contato com o material, que não passou pela defesa, tende – e isso acontece em outros países – a assumir a versão inicial como definitiva. Com isso, o direito de defesa vira peça de teatro. O processo desaparece.

ConJur — Se é tão claro que a intervenção tem um prazo tão curto, por que há pessoas investigadas durante dois anos?

Geraldo Prado — A investigação criminal pode durar o tempo da extinção da punibilidade do crime. Mas isso não é positivo do ponto de vista da sociedade, porque é um estado de incerteza que se prolonga indefinidamente. Se não tiver a atuação do juiz, o Ministério Público faz o controle da periodicidade da investigação. Na minha opinião, o que acontece é que há uma confusão entre o tempo que pode durar uma investigação e o tempo de suspensão dos direitos do investigado. Essa confusão é muito conveniente para uma visão autoritária das coisas e teria dois fundamentos.

ConJur — Quais?

Geraldo Prado — Primeiro, é a herança do longo período de ditaduras em que a legalidade da investigação era secundária. Apenas de 2001 para cá, passamos a ter nos Tribunais Superiores, especialmente no Supremo Tribunal Federal, ministros com compromisso com a democracia. O segundo ponto, associo à nova ordem econômica, que valorizou o indivíduo em um nível jamais alcançado, não no que toca às garantias constitucionais, mas em relação à condição econômica. Fica parecendo que os direitos fundamentais são apenas de um segmento da população. Quem se organiza melhor, acaba obtendo algum resultado. Tem um processo de seletividade na titularidade dos direitos fundamentais e isso entrou na cabeça dos juízes.

ConJur — Os juízes também são pressionados por essa visão?

Geraldo Prado — Os elementos culturais são tão poderosos que o juiz não consegue enxergar prova ilícita. Simplesmente, não consegue ver. O sentimento geral da população, que tem acesso aos meios de comunicação, é de que não tem erro: se precisar gravar o Fernandinho Beira-Mar por 120, 360 dias ou 10 anos é problema dele. A pessoa começa a pensar isso e o juiz não é diferente.

ConJur — Como o juiz pode evitar a contaminação por esse apelo?

Geraldo Prado — Existem várias iniciativas que devem ser somadas. Começa pelos Tribunais Superiores com a coragem de tomar decisões de acordo com a Constituição. O juiz tem que ter confiança, pois vai contrariar a totalidade da população. O Supremo não pode se intimidar com a reação da classe média, dos meios de comunicações, das corporações, de todo mundo no que toca aos direitos fundamentais. Fico triste quando vejo uma notícia como “Ficha suja, AMB divulga lista de candidatos que respondem a processo”. É a Associação dos Magistrados Brasileiros, que contorna a tutela constitucional da presunção de inocência, mantida corajosamente pelo Tribunal Superior Eleitoral e pelo Supremo.


ConJur — Há uma interferência da AMB no processo político?

Geraldo Prado — Sim. E não é a ABI [Associação Brasileira de Imprensa], a OAB, a entidade dos músicos, o CREA [Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura]. É a entidade dos juízes. A AMB não pode falar que princípio constitucional de presunção de inocência e nada são a mesma coisa. O segundo passo está no ensino jurídico. Quanto mais fraca economicamente é a faculdade, menor a condição de ter bons professores e maior a chance de produzir futuros profissionais que não vão se diferenciar das pessoas sem formação jurídica. A reforma do ensino e o papel da OAB na filtragem para ingresso no mercado são muito importantes. Tenho um amigo que diz que a compreensão da importância dos direitos fundamentais se faz por um de dois caminhos: pela razão – o cara pensa, estuda, avalia e afirma que os direitos fundamentais são uma proteção contra a arbitrariedade – ou pela experiência pessoal dramática – teve pai, mãe ou filho preso arbitrariamente, violado, espancado. E eu te conto uma centena de relatos absurdos nesse sentido.

ConJur — A criminalidade está levando os juízes a terem uma postura mais punitiva?

Geraldo Prado — É a democratização da punição. É uma cultura meio compensatória. É preciso ter um certo cuidado com isso. Os fins justificam os meios? Há tantas operações policiais e investigações e, ao mesmo tempo, um número muito pequeno de punições, quase sempre atingindo setores intermediários da escala econômica. Raramente atingem os cabeças, ou seja, os beneficiários efetivos. Portanto, o juiz da Justiça final, vingador, além de não ser admitido, não é o juiz que a Constituição prevê. Estrategicamente, a postura repressiva é ineficiente, porque produz uma decisão que os tribunais vão dizer que não vale. O juiz sabe disso. É preciso distinguir o juiz vingador que quer democratizar o Direito Penal, punindo de cima para compensar as punições de baixo. A prisão é excepcional. Determinadas formas de castigo não se tornam mais humanas só porque são impostas também aos ricos. No lugar de questionar as péssimas condições carcerárias, coloca-se em questão a universalização da prisão.

ConJur — É importante que o juiz tenha a consciência de que o Estado de Direito está em jogo.

Geraldo Prado — Sim. Por exemplo, tenho intimamente a convicção de que João é o autor do crime, mas não tenho elementos para fundamentar isso. A partir da decisão que tomar, saberei se estou em um Estado de Direito ou não. O juiz que decide na dúvida contra o acusado está contra o Estado de Direito. O que decide na dúvida em favor do acusado, ainda que intimamente ele esteja convencido da responsabilidade do mesmo, está a favor do Estado de Direito. Não tem jeito, o juiz tem que escolher o lado do muro que vai ficar.

ConJur — O agente público pode ser responsabilizado pelo excesso?

Geraldo Prado — Em vários lugares do mundo, isso foi discutido. Se há dolo, pode ser responsabilizado diretamente. A alegação de que não se pode responsabilizar diretamente o agente passa pelo argumento de que isso intimida. Isso estimula formas clandestinas de ação. Os grupos de extermínio, as milícias, nascem quando os mecanismos institucionais se enfraquecem ou, ao menos, passam a imagem de incapacidade para lidar com os problemas. Para quem foi vítima de interceptação telefônica ou prisão indevida, pouco importa se o juiz estava de boa ou de má-fé. O dano já está causado. O Estado arca com isso, pois, muitas vezes, a prisão é necessária.

ConJur — Um delegado ouvido pela CPI dos Grampos afirmou que se a polícia percebe, depois de uma semana, que está interceptando alguém que não tem nada a ver com a investigação, simplesmente, interrompe a gravação.

Geraldo Prado — É a visão do delegado. Ele está preocupado com a funcionalidade e não com as conseqüências sociais para a pessoa. Isso demonstra que a lei brasileira atual é frágil. Não sei se o projeto de lei melhorou nesse aspecto. A lei foi pensada no viés da investigação e não olhando os dois lados. Na recente reforma do Código do Processo Penal, mudaram o capítulo da prova para dizer que o juiz pode produzir provas de ofício no inquérito. O juiz é o árbitro. imagina, um juiz que vai apitar o jogo do Fluminense e diz, antes do jogo, ao técnico do time para não escalar o fulano e sim outro jogador mais forte. É isso que acontece quando o juiz toma partido.

ConJur — Há uma ânsia por Justiça a qualquer preço?

Geraldo Prado — O crime é sempre algo que choca. É compreensível que a reação da sociedade à notícia do crime seja mais intensa e emocional. O não compreensível é que pessoas com responsabilidade de manter o Estado de Direito ajam como se fossem leigas. Imagina se os médicos escolhessem os pacientes que vão operar pela folha de bons serviços sociais prestados.

ConJur — O senhor concorda com o presidente do Supremo quando diz que é necessário tirar a exclusividade do MP para propor ações, principalmente em casos de vazamento?

Geraldo Prado — No meu livro Sistema Acusatório, defendo que a garantia da imparcialidade do juiz está exatamente na existência do Ministério Público. É claro que o MP não pode ser uma instituição de um único promotor que toma a decisão e ninguém possa controlar. Mas ninguém pode substituir o MP na tomada de determinadas decisões. O que se poderia fazer – e estava no projeto original de reforma do Código de Processo Penal – era prever um mecanismo de recursos internos dentro do Ministério Público. O problema não está no MP, na magistratura, na advocacia, mas sim nas pessoas. Colocar nas mãos do Ministério Público a proposta de certas ações foi positivo por incrível que pareça. Já teve um período depois da Constituição, em que queriam a ação penal popular. Ou seja, o João rouba o meu carro. O José, que não tem nada haver com nada, acusa o João. É o limite máximo do estado policial.

ConJur — A gente vive em um estado policial?

Geraldo Prado — Costumo dizer que a ditadura foi terrível, mas estabeleceu um parâmetro. Ou você estava com ela ou contra ela. Hoje, é tudo muito confuso. Hoje, há segmentos de intensa democratização e espaços de extraordinário autoritarismo. O estado policial em que vivemos hoje não se presta mais ao mesmo tipo de categorização da idéia que foi pensada lá atrás. É diferente.

ConJur — Conversa de advogado e cliente pode ser alvo de interceptação?

Geraldo Prado — Em rigor não. Conversa entre advogado e cliente está regulada pelo princípio de confidencialidade, tem proteção e não pode ser alvo de gravação. A única exceção é se o advogado também está sendo investigado pela prática de crime. Mas neste caso a decisão do juiz tem que ser muito mais fundamentada do que seria nos demais casos. O juiz terá que se basear em indícios de que o advogado não está atuando como advogado, mas sim como co-autor de alguns dos crimes que permitem a investigação pela via da interceptação telefônica. Isso é muito excepcional. Se a conversa for captada entre advogado e cliente não a prova não terá qualquer validade. Não se pode extrair absolutamente nada disso.

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