Países dos contrastes

Eficiência da Receita contrasta com ineficiência da Polícia

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25 de julho de 2008, 16h41

A Receita Federal logrou, no mês de junho, mais um recorde de arrecadação. Repete sucesso que se constata, mês após mês, há mais de uma década. Os resultados têm sido de tal sorte expressivos que conseguiram banir a expressão “frustração de receitas” do dicionário dos analistas de contas públicas federais. Esse conceito era recorrentemente utilizado na explicação dos déficits públicos.

A principal explicação para o bom desempenho de junho foi a recuperação de débitos em atraso, em decorrência de ação conjunta da Receita Federal e Procuradoria da Fazenda Nacional. Neste semestre, o crescimento real de 10% — quase o dobro do que se espera venha a ser o crescimento anual do PIB — resultou do aumento da lucratividade das empresas e da expansão das vendas.

Em anos anteriores, foram identificadas outras razões para justificar os recordes de arrecadação, a exemplo de resolução de litígios judiciais, expansão do crédito, eliminação de brechas fiscais, etc.. As explicações têm variado ao longo do tempo, o que revela seu caráter circunstancial. O que talvez não se perceba, com igual clareza, é que as razões circunstanciais convivem continuamente com uma outra, de natureza estrutural: a crescente eficiência do fisco.

A Receita Federal construiu um sofisticado suporte tecnológico para auxiliar os trabalhos de fiscalização e cobrança de tributos, objeto de reconhecida admiração em todo o mundo. Qualificou seus quadros mediante programas permanentes de capacitação. Eliminou qualquer forma de interferência política na escolha dos quadros dirigentes e na execução de suas atividades. Puniu o mau funcionário, sem qualquer limitação de extração corporativa. Fez bom uso da máxima jesuítica que proclama a firmeza na ação combinada com a suavidade no modo de agir (suaviter in modo, fortiter in re), ao expungir de sua prática a espetaculosidade das operações. Enfim, preferiu ser eficiente e discreta. Os bons resultados são o prêmio por sua escolha, considerado o modelo tributário vigente.

Essa linha de ação contrasta com a que, muitas vezes, tem sido adotada pela Polícia Federal. O exibicionismo, não raro injusto para com as pessoas, tem suplantado a eficiência.

Não se pode deixar de reconhecer o aprimoramento profissional e tecnológico daquela instituição. Não se percebe, contudo, que ela já tenha alcançado um efetivo amadurecimento institucional. Corroboram essa tese: os continuados vazamentos de procedimentos tidos como secretos, em flagrante crime de violação do sigilo funcional; a banalização das escutas telefônicas que ameaça, na feliz expressão do jurista Paulo José da Costa Júnior, “o direito de estar só”; as ilações infundadas que escandalizam profissionais, como a de concluir pela existência de evasão fiscal com base em escutas telefônicas; os arrastões de bens e informações de investigados, o que evidencia a falta de foco investigativo.

Precisamente por força desses erros as ações não prosperam no Judiciário. Mais grave, induz, na opinião pública, uma perniciosa percepção de impunidade. Portanto, antes de ser improdutiva, essa conduta é contraproducente.

É certo que, a par desses desvios profissionais, continuamos prisioneiros de processos intermináveis, justamente em virtude das amplas possibilidades de recursos. Tal fato responde, em boa medida, pela morosidade das ações judiciais. Essa combinação perversa de ineficiência investigativa com prodigalidade processual conduz, muito freqüentemente, à impunidade, que venha a ser a matriz de novas condutas delituosas.

Complementam o ciclo da ineficiência, no combate à corrupção, a falta de clareza das normas e a confusão nas missões institucionais.

A falta de clareza se expressa de várias formas. Quando se presume que existe superfaturamento em obras públicas tem-se como pressuposto que existem padrões prévios para aferição dos respectivos preços. Por que, então, não exigir nos procedimentos licitatórios a comprovação de que os valores contratados são condizentes com os padrões estabelecidos e proceder à sua divulgação pela internet? Os limites entre as atividades de lobby e o tráfico de influência não são observáveis à vista desarmada. Por que, então, não disciplinar, em lei, as atividades de lobby, como pretendia projeto do senador Marco Maciel? As leis não podem castigar o cidadão com a inclemência da falta de clareza.

O imbróglio institucional brasileiro faz Montesquieu, doutrinador sobre a separação dos Poderes, tremer na tumba. No Brasil, o Executivo legisla por Medida Provisória e julga por meio da Polícia; o Legislativo exerce funções judicantes por meio das, cada vez mais inoperantes, CPIs e dos julgamentos por falta de decoro, quando em verdade examina delitos comuns; e o Judiciário legisla ao suprir a inapetência funcional do Legislativo.

De tudo, resta o contraste entre a eficiência e a ineficiência, entre a ordem e a confusão, neste país de tantos contrastes.

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