Questão do indígena

Índios presos em MS estão em uma situação dramática

Autor

  • Maria Rachel Coelho Pereira

    é professora de pós-graduação e de Graduação nos cursos de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É coordenadora acadêmica de pós-graduação em Direito Civil e Processual Civil da Estácio de Sá.

24 de julho de 2008, 0h00

É gravíssima a situação prisional, jurídica e social enfrentada pelos detentos indígenas no Mato Grosso do Sul, em particular os Kaiowá e Guarani. A conclusão é de uma pesquisa que durou 16 meses, fruto de um projeto do Centro de Trabalho Indigenista, desenvolvido em parceria com a Universidade Católica Dom Bosco, com recursos da União Européia.

Foram analisados mais de cem processos em andamento e onde as equipes do projeto tiveram como interlocutores os detentos indígenas, suas famílias, comunidades, organizações e as autoridades envolvidas (Funai, Defensoria Pública, Ministério Público, Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública e Poder Judiciário), assim como outros profissionais atuantes na área.

A publicação do diagnóstico Situação dos Detentos Indígenas no Mato Grosso do Sul, apresentou como principais fatos sociais que causam um número alarmante de prisões, suicídios de adolescentes, alcoolismo, assassinatos de lideranças, exploração de mão-de-obra e violência interna nas aldeias. A situação dos detentos indígenas naquele estado, no entanto, nunca foi objeto de necessária atenção dos poderes públicos e da sociedade civil. Os números dos detentos destes povos, muito maiores do que quaisquer outros no Brasil, refletem o drama social vivido por eles.

O quadro é de total desconsideração legal, para com as populações indígenas e violação a garantia de seus direitos nos julgamentos das ações criminais onde figuram como réus, sem o devido acesso ao pleno direito de defesa e ainda o descumprimento das garantias individuais na fase de execução penal. Os direitos e deveres dos indígenas estão consubstanciados no Estatuto do Índio (Lei 6.001/73), e jurisprudência correlata; na Constituição Federal (artigos 231 e 232) e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, já ratificada pelo Congresso Nacional; e, ainda, na Declaração sobre o Direito dos Povos Indígenas (DDPI), da ONU, assinada pelo Brasil.

Esta convenção procura definir detalhadamente, além dos direitos dos povos indígenas, os deveres e as responsabilidades dos Estados na sua salvaguarda. A Convenção 169 é constituída por quarenta e três artigos distribuídos em dez seções, a Convenção possui a marca de estabelecer, em definitivo, que a diversidade étnico-cultural dos indígenas e seus povos têm que ser respeitada em todos seus aspectos, e de obrigar os governos a assumirem a responsabilidade de desenvolver ação coordenada e sistemática de proteção dos direitos dos povos indígenas, e garantia de respeito pela sua integralidade, com pleno gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais, conforme estabelecido nos artigos 8º, 9º, 10 e 12 da Convenção 169.

A situação dos acusados e dos sentenciados indígenas, de acordo com o levantamento, demonstra em entrevistas que os presos reclamam de violação aos seus direitos e garantias constitucionais desde a fase policial até a judicial, face à falta ou deficiência de assistência jurídica. A assistência jurídica oferecida pelo órgão tutelar não é satisfatória. No caso do Mato Grosso do Sul, o representante jurídico da Funai não consegue atender todas as Comarcas ao mesmo tempo, a falta de defensores públicos, principalmente em Comarcas de Primeira Instância, também tem agravado essa situação.

Nesses casos, é comum os juízes nomearem defensores ad doc, que muitas vezes desconhecem a realidade indígena e sequer conhecem a Lei 6.001/73, o Estatuto do Índio. Para demonstrar a ineficiência do Poder Judiciário para julgar as lides indígenas, citamos a violação por parte do Judiciário e do Órgão tutor (Funai) ao artigo 56, parágrafo único da Lei 6.001/73 — Estatuto do Índio — que aduz: “as penas de reclusão e detenção serão cumpridas, sempre que possível, em regime especial de semi-liberdade, no local de funcionamento do órgão federal de assistência aos índios mais próxima da habitação do condenado”, o que não é observado nas execuções criminais e os índios cumprem penas em cadeias públicas ou em presídios de segurança máxima, em total desrespeito a seus hábitos especiais e dignidade humana.

Ainda, a Convenção 169 em seu artigo 10, dispõe mais especificamente sobre os indígenas apenados: “Quando sanções penais sejam impostas pela legislação geral a membros dos povos mencionados, deverão ser levadas em conta as suas características econômicas, sociais e culturais”; e “Dever-se-á dar preferência a tipos de punição outros que o encarceramento”. Para o costume indígena a pena mais gravosa é o banimento e é regra de Direito que ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato. Nos casos estudados até o momento, em nenhum deles estes preceitos legais foram respeitados.

Agora o grande desafio é fazer este trabalho com os detentos indígenas nos Estados do Amazonas, Rio Grande do Sul e Bahia. O índio está invisível no sistema penitenciário. No Estado do Amazonas inteiro, pelo sistema informatizado só existem 3 índios presos, porque não se utiliza o critério da auto-atribuição. E a outra providência, é divulgar para a comunidade jurídica que há uma legislação específica que estabelece garantias institucionais e processuais que viabilizam a igualdade com reconhecimento do direito a diferença cultural.

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    é professora de pós-graduação e de Graduação nos cursos de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É coordenadora acadêmica de pós-graduação em Direito Civil e Processual Civil da Estácio de Sá.

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