Presunção de culpa

Prisão temporária, que deveria ser exceção, virou regra

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20 de julho de 2008, 0h00

As recentes operações deflagradas pela Polícia Federal, com dezenas de decretos de prisão, reacenderam o debate sobre a necessidade de se prender um suspeito para interrogá-lo e para afastá-lo dos fatos e das provas do crime. Essa é a chamada prisão temporária, que vale por cinco dias e está prevista na Lei 7.960/89, criada em um período tão policial quanto o que se vive hoje.

A prisão temporária, ou “prisão para averiguação”, nasceu com a Medida Provisória 111/89 para ser decretada contra os suspeitos de homicídio doloso, seqüestro ou cárcere privado, roubo, extorsão, extorsão mediante seqüestro, estupro, atentado violento ao pudor, rapto violento, epidemia com resultado de morte, envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte, quadrilha ou bando, genocídio e tráfico de drogas.

Por ser considerada antidemocrática, já que foi inspirada em projeto de lei proposto em 1983, portanto, antes da Constituição de 1988, a MP não foi convertida em lei. Mas, ainda em 1989, foi colocado em debate o Projeto 3.655/89, de autoria do Poder Executivo, sobre o mesmo assunto. Depois de uma polêmica tramitação, deu origem à Lei 7.960/89.

Além dos crimes já previstos na MP revogada, a nova lei acrescentou no rol das possibilidades de prisão temporária os crimes cometidos contra o sistema financeiro nacional. O delito foi incluído na lei em razão de escândalos, à época, de remessa ilegal de dinheiro para o exterior.

Hoje, a constitucionalidade da lei é questionada em pelo menos duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas no Supremo Tribunal Federal. Uma foi apresentada pelo PSL em dezembro de 2004 e a outra, pelo PTB na terça-feira (15/7). As ações ainda não foram julgadas, mas há pedido de preferência para que sejam colocadas em pauta no segundo semestre deste ano.

O argumento dos partidos é de que a lei é inconstitucional porque a Constituição Federal só autoriza prisão se tiver condenação transitada em julgado. O PSL e o PTB também alegam que a prisão temporária serve apenas para forçar o acusado a assumir a culpa, o que também afeta a Constituição Federal, que dá ao acusado o direito ao silêncio. Outra alegação é que a lei, em vigor desde o dia 21 de dezembro de 1989, não apresentou resultado favorável no que se refere à diminuição da criminalidade, conforme a justificativa dada quando foi criada.

Inimiga da Advocacia

A necessidade da prisão temporária é criticada, principalmente, por quem milita no Direito Criminal. A reclamação é de que a prisão, que deveria ser encarada como exceção, tem se tornado regra e método de tortura, já que primeiro se prende o acusado para, depois, apurar a participação dele em possíveis crimes.

“A prisão temporária tem sido utilizada para fragilizar o envolvido. Isso quer dizer deixá-lo no xilindró até o último dia e ouvi-lo quando ele está fragilizado. A Constituição tem como fundamento a dignidade do homem. É por isso que sou contra a prisão temporária”, afirma o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal. “A presunção é da inocência e não da culpa”, defende o ministro. Para ele, os excessos fizeram a prisão temporária cair na banalidade.

A jurisprudência tem admitido livrar o suspeito da prisão temporária quando o crime é afiançável ou quando a pena pode ser substituída por prestação de serviços. Mas, de acordo com advogados, a Polícia e Ministério Público já deram um jeito de prender para inquirir. O que tem sido feito é a conjunção de mais de um crime para inflar a acusação e demonstrar a periculosidade do acusado.

O advogado criminalista Daniel Bialski afirma que uma prática comum é a acusação ser de estelionato, que é crime afiançável, e ser inserido nos autos o crime de formação de quadrilha, que é inafiançável, só para se pedir a prisão temporária. “É aí que fica caracterizado o excesso. O exagero parte inicialmente da Polícia e acaba sendo chancelado pelo Judiciário, que não consegue filtrar quando é que cabe ou não a prisão temporária. Isso acaba sacrificando a regra, que é a liberdade.”

Para o criminalista Arnaldo Malheiros, o que faz a prisão temporária inconstitucional é que ela foi criada para a investigação. “A pessoa do investigado não pode ser considerada essencial à investigação porque o interrogatório é facultativo.” Segundo Malheiros, prisão temporária só pode ser decretada em casos extremados quando, por exemplo, a vítima de um crime violento precisa reconhecer o suspeito, mas, por algum motivo, a vítima não está disponível. Daí a Justiça decreta a prisão temporária. “Fora isso, não há fundamento para a prisão temporária.”

Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, também criminalista, defende que só deve ser preso, como regra, quem é condenado criminalmente ou quem é preso em flagrante. Fora essas duas hipóteses, circunstâncias previstas na lei autorizam a prisão temporária, mas só quando imprescindível para a investigação. “Tem de ficar demonstrada a necessidade estrita. Não basta colocar o argumento. É preciso demonstrar fatos que justifiquem a prisão.”

Para Mariz, a prisão temporária não pode ser usada para os fins de hoje. “Nunca se viu tanto abuso na história da humanidade democrática. Prende-se não mais para praticar a tortura física, mas sim a moral, porque vem acompanhada de exposição pública. A imagem do suspeito é destruída. Isso é tortura moral.”

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