A primeira vítima

Os escândalos passam, ficam suas lições. Quais?

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18 de julho de 2008, 13h16

Elementos, como fogo e gasolina, quando se juntam sempre dão boas fogueiras. Desinformação e voluntarismo também. O escândalo da vez, que envolve o banqueiro Daniel Dantas, é mais uma dessas oportunidades especiais que o país tem para saber como andam suas instituições.

Ganha terreno uma crença boboca de que um juiz idealista prendeu um corrupto poderoso e um ministro suspeito o soltou. É a luta do bem contra o mal, como definiu o delegado Protógenes Queiroz. Uma luta desigual. Para equilibrar a peleja, o lado do bem resolveu tomar emprestado alguns métodos do adversário.

O paradigma de que o Estado (polícia, promotor e juiz) existe para fazer respeitar regras, como as leis, foi rompido à luz do dia. Inventou-se uma “supressão de instâncias”, que não houve. O juiz sonegou ao acusado um direito constitucional e recusou-se a prestar informações ao TRF, ao STJ e ao STF. O delegado aceitou ajuda externa e, como o juiz, guardou sua operação para si.

Os protagonistas principais para um veículo de informação jurídica como este não são as pessoas. São os paradigmas do Direito. Pouco importa quem “ganhe” ou “perca”, desde que as teses e os fundamentos façam sentido. Protógenes, Dantas, Sanctis ou Gilmar Mendes passam, assim como as manchetes sobre operações da PF, que regularmente se descobrem infundadas meses depois do seu anúncio.

O senador norte-americano Hiram Jonhson disse uma vez que “quando uma guerra começa, a primeira vítima é a verdade”. As vítimas prejudicadas na operação da hora, certamente, não são os acusados — que estão colhendo o que plantaram. Quem foi algemado desta vez foi o direito de defesa. Estão usando o clamor contra a impunidade para fazer crer que pessoas amaldiçoadas não merecem habeas corpi. Stalin e Hitler pensavam assim. O brasileiro comum também: pessoas de quem eu não gosto devem ser condenadas de qualquer jeito, transpira por aí. Não há nada de novo em usar meios de comunicação de massa para desfigurar um inimigo, de forma que ele seja condenado pela sociedade antes do julgamento.

É fato que a população compreende com mais facilidade enunciados como: “Juiz suspeito favorece bandido rico” e tem enorme dificuldade de compreender conceitos abstratos como o sentido do habeas corpus. Ainda que esses conceitos tenham sido construídos sobre séculos de sabedoria e a acusação circense tenha sido produzida por um Dom Pixote improvisado, na esquina.

“Algumas das garantias da liberdade mais caras foram afirmadas a propósito de cidadãos não muito respeitáveis”, diz o ministro aposentado Sepúlveda Pertence, sobre direitos fixados em favor de réus impopulares. O criminalista Arnaldo Malheiros costuma perguntar “se essa gente rasga a Constituição para fazer o bem, aonde chegará para fazer o mal?”

O fato é que um delegado de polícia e um juiz estão ensinando que é dado a eles atropelar a Constituição quando o objetivo lhes parece justificado. O Elias Maluco vai fazer a mesma coisa. Ele também considera justificável o que faz.

O jornalista Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, considera danosa a divulgação de inquéritos ou processos sob sigilo pela imprensa. O respeitado ombudsman do jornalismo brasileiro clama pela inviolabilidade da imagem de pessoas cuja culpabilidade não foi demonstrada. Este site está divulgando os documentos. Não por causa dos alvos, é certo. É para que se possa avaliar a consistência do trabalho da Polícia Federal. Afinal, o trabalho da imprensa todos conhecem. O que mais brasileiros precisam conhecer é a qualidade do trabalho dos policiais, do Ministério Público e de seus juízes. Esse conhecimento contribuirá, certamente, para se compreender melhor as características de seus agentes públicos.

Os relatórios, intervenções, despachos e decisões desta operação (ou qualquer outra) poderiam ser objeto de um seminário adequado à Faculdade de Direito da USP ou qualquer outro endereço da Academia. Abstraídos os personagens do caso concreto e afastados os protagonistas que atuam na causa, professores, advogados, policiais, juízes e promotores analisariam a qualidade do processo. Esse encontro poderia lançar luzes sobre os aspectos aparentemente obscuros do caso e reduzir a desinformação que cresce nos seus arredores.

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