Resposta atravessada

Juiz se recusou a prestar informações sobre Dantas ao Supremo

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17 de julho de 2008, 17h01

O juiz Fausto Martin De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, negou-se a fornecer ao Supremo Tribunal Federal informações sobre a investigação da Polícia Federal contra Daniel Dantas. O ministro Eros Grau, relator do Habeas Corpus do banqueiro, ficou sem a resposta do juiz quando enviou ofício com pedido de informações.

A resposta, assinada por De Sanctis no dia 26 de junho, que se enganou ao escrever no despacho Eros Grau de Mello, não desmente tampouco admite a existência da investigação. O documento só foi autuado no Supremo no dia 7 de julho, um dia antes da Operação Satiagraha, quando Dantas foi preso. Além de se negar a responder ao ministro, o juiz sugere que o banqueiro e sua irmã Verônica Dantas querem informações sigilosas.

A negativa do juiz contraria jurisprudência pacífica do Supremo. O tribunal já decidiu diversas vezes que o sigilo das informações não alcança as partes investigadas, nem seus advogados. Trocando em miúdos, o investigado tem direito de saber que está sendo investigado.

A primeira decisão nesse sentido foi tomada em 2004, pelo então ministro do STF Sepúlveda Pertence. Para permitir que os advogados tivessem acesso ao inquérito, o ministro se baseou na garantia constitucional de assistência do advogado (artigo 5º, LXIII. Depois desse caso, a decisão vem sendo largamente utilizada pelos demais ministros.

Exemplo dessa posição é o HC 93.767, relatado pelo ministro Celso de Mello em fevereiro deste ano. Segundo o ministro, mesmo que o inquérito esteja sob sigilo, esse sigilo não atinge aos advogados do investigado. O defensor sempre poderá ter acesso a todas as informações que estiverem inseridas nos autos, inclusive às provas sigilosas. O advogado só não pode acompanhar o policial no momento da produção das provas, mas pode ter acesso a elas depois de incluídas no inquérito.

“A prova penal, uma vez regularmente introduzida no procedimento investigatório, não pertence a ninguém, mas integra os autos do respectivo inquérito”, sustentou Celso de Mello. No ano passado, o Conselho de Justiça Federal revogou a regra que condicionava o acesso do advogado aos autos de inquérito sob segredo de Justiça à autorização de um juiz.

Há inclusive uma corrente de teóricos que defende a necessidade de aplicação do contraditório e da ampla defesa em todo o período de persecução penal. O professor Rogério Lauria Tucci é um deles. “A contraditoriedade da investigação criminal consiste num direito fundamental do imputado, direito esse que, por ser um ‘elemento decisivo do processo penal’, não pode ser transformado, em nenhuma hipótese, em ‘mero requisito formal’”, afirmou em trecho do livro Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro.

Teoria e prática

A prática, contudo, mostra que o entendimento é pouco utilizado fora das fronteiras da Suprema Corte brasileira. Prova disso é a justificativa do juiz De Sanctis para se recusar a prestar informações. “Qualquer informação sigilosa deste magistrado ou de qualquer outro implicaria na violação indevida, com possibilidade de responsabilização”, argumentou De Sanctis no ofício ao STF. O juiz diz que tem a obrigação de preservar o sigilo de informações.

Para ele, a abertura de informações poderia gerar manipulação das partes. “A existência eventual de informações de cunho estritamente sigiloso pode ensejar manipulação de informações de interesse de quaisquer partes como o objetivo de obtenção ilícita de informações por vias indiretas.”

Na resposta, De Sanctis sugere que Dantas tinha informações que não estavam publicadas no jornal. “Informações agora trazidas às Cortes Superiores denotam conhecimento que vai além da própria informação da imprensa, podendo já vislumbrar, s.m.j., violação de eventual sigilo”, afirma. A mesma resposta foi dada pelo juiz à desembargadora Cecília Mello, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS), e ao ministro Arnaldo Esteves Lima, do Superior Tribunal de Justiça.

A desembargadora pediu informações a todos os juízes federais de primeira instância da cidade de São Paulo. Nenhum deles admitiu a existência do inquérito e alguns questionaram o próprio pedido de informações. Segundo Maria Cecília em resposta ao STF, os juízes “sustentam o canhestro direito de não informar à Corte sobre quaisquer procedimentos que tivessem conteúdo sigiloso”. No STJ, Lima aplicou a Súmula 691, que não permite a concessão de liminar contra liminar negada por outro tribunal antes do julgamento do mérito.

“Se já possuíam tal informação, porque haveriam de ocultar perante a Corte Regional? Que informações fidedignas são essas que, a despeito de não figurarem na matéria jornalística com a precisão citada, fazem com que impetrem dois Habeas Corpus perante nossas Cortes Superiores, direcionando os pedidos a esta Vara Criminal?”, questiona De Sanctis sobre as respostas anteriores.


A defesa de Dantas entrou com um Habeas Corpus na Justiça Federal depois que a Folha de S.Paulo publicou reportagem no dia 26 de abril informando que o banqueiro estava sendo investigado pela PF. O pedido foi negado pelo TRF e no STJ. No dia 11 de junho, o HC preventivo chegou ao Supremo.

Quando Dantas foi preso, o pedido de adiantamento da defesa foi parar nas mãos do presidente do STF e plantonista Gilmar Mendes. Em 9 de julho, o ministro aceitou o pedido de liberdade do banqueiro.

[Notícia alterada no dia 18 de junho para acréscimo de informações]

Leia o ofício

Ofício nº 463/2008-Gab

Ref. Habeas Corpus nº 95009

São Paulo, 26 de junho de 2008.

SENHOR MINISTRO

Em atenção à solicitação formulada no Ofício nº 3908/R, de 17.06.2008, recebido aos 23.06.2008, relativo ao HABEAS CORPUS nº 95009, em que figuram como impetrantes Nélio Roberto Seidl Machado e Alberto Pavie Ribeiro, como pacientes DANIEL VALENTE DANTAS e VERÔNICA VALENTE DANTAS, e, finalmente, como impetrado o Exmo. Ministro Arnaldo Esteves, relator do HABEAS CORPUS nº 107.514 junto à 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, passo a prestar informações solicitadas, como segue:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO

EROS GRAU MELLO (erro do original)

RELATOR DO HABEAS CORPUS Nº 3908/R

Eg. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

BRASÍLIA – DF

Inicialmente, cabe frisar que informações foram solicitadas a este juízo a respeito das idênticas alegações dos impetrantes, bem ainda, por todos os juízes do Fórum Federal Criminal de São Paulo, em razão de solicitação da Desembargadora Federal Cecília Mello do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, quando a autoridade apontada como coatora na ocasião seria apenas o juízo da 2ª Vara Criminal (Habeas Corpus nº 2008.03.00.015482-6).

No pedido realizado junto àquela Corte Regional Federal, os impetrantes sequer fizeram constar que haveria inquérito policial instaurado contra os pacientes, muito menos o numero deste (autos nº 2007.61.81.001285-2), e tampouco que tinha sido distribuído a esta 6ª Vara Federal Criminal.

Pelo teor do pedido dos impetrantes junto ao E.S.T.F., pode-se observar que também perante o Superior Tribunal de Justiça os impetrantes já consignavam tais informações, não retratadas perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Se já possuíam tal informação, porque haveriam de ocultar perante a Corte Regional? Que informações fidedignas são essas que, a despeito de não figurarem na matéria jornalística com a precisão citada, fazem com que impetrem dois Habeas Corpus perante nossas Cortes Superiores, direcionando os pedidos a esta Vara Criminal?

Devem inicialmente revelar como tiveram conhecimento de tais novos detalhes se nem mesmo a reportagem fornece essas informações, salvo quanto “já ter contratado espiões particulares” o primeiro paciente (tudo conforme a notícia da imprensa).

Ora, a existência eventual de informações de cunho estritamente sigiloso pode ensejar manipulação de informações de interesse de quaisquer partes como o objetivo de obtenção ilícita de informações por vias indiretas.

Nesse diapasão foram as informações prestadas junto ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região por este magistrado e por outro do Fórum Criminal, titular da 9ª Vara, Hélio Egydio de Matos Nogueira, e acabaram por acarretar nova reflexão da Desembargadora Federal Cecília Mello que textualmente reviu sua própria decisão.

A propósito, as informações prestadas por este juízo na ocasião foram no seguinte sentido:

“Vossa Excelência solicitou informações de todas as Varas Criminais da Subseção Judiciária Federal de São Paulo, não apenas do juízo impetrado (que, conforme apontado no tópico da solicitação, figuraria apenas o da 2ª Vara Federal Criminal), mas da 5ª Vara, bem como “… às demais Varas de São Paulo/Capital especializadas em matéria penal”, ressalvando, quanto a estas, o devido sigilo.

O Habeas Corpus interposto pelos impetrantes tem por lastro informação de um determinado veículo de imprensa, ou melhor, uma determinada matéria jornalística, que revelaria a existência de uma investigação sigilosa, em curso, contra o primeiro paciente, a partir de dados de um disco rígido obtido por suposta “manobra jurídica”.

A solicitação, mediante Habeas Corpus baseado num suposto vazamento de informação sigilosa, remete-se a expediente semelhante impetrado por um determinado advogado que, tendo tomado conhecimento da possível existência de procedimento contra o seu cliente, teria questionado às Varas Criminais acerca da sua existência.

Naquela ocasião, este magistrado decidiu:

‘… No que tange aos procedimentos sigilosos, não há como atender ao requerente diante da própria natureza das eventuais diligências em curso, pois, do contrário, este juízo estará violando norma penal proibitiva em evidente ofensa ao art. 10 da Lei nº 9.296, de 24.07.2006, e ao próprio dispositivo citado pelo peticionário (art. 7º, XIII, da Lei nº 8.906, de 04.07.1994). Com relação aos feitos sem sigilo, diante da sua inexistência com relação ao requerente, caberá dirigir-se ao distribuidor, onde poderá obter a certidão negativa da Justiça Federal. Isto colocado e cuidando de requerimento genérico. INDEFIRO o pedido. Intime-se e arquive-se’ (j. 11.11.2004)


Foi interposto Mandado de Segurança nº 2004.03.00.066217-6, cuja Relatora foi a Desembargadora Federal Vesna Kolmar, que julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, VI, do C.P.C..

De fato, s.m.j., o presente Writ parece mais uma tentativa na tomada de conhecimento prévio de feitos eventualmente sigilosos, causando certa perplexidade diante da imposição legal do segredo.

Com efeito, o artigo de lei citado (artigo 10 da Lei nº 9.296, de 24.07.2006), o Código Penal (artigos 153, § 1º-A e 154), bem ainda a Resolução nº 589, de 29.11.2007, do Conselho da Justiça Federal (artigo 6º) deixam claro a obrigação do magistrado na preservação do sigilo sob pena de incidência criminal.

A falta de concretude para o embasamento do Habeas Corpus resta claro à medida que sequer se sabe ao certo a real autoridade coatora, sendo de nota que a persistir o argumento genérico de violação de decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com base em suposta matéria jornalística, demandaria a prestação de informações de todas as Varas Criminais existentes nos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.

A generalidade da questão poderia ensejar, no futuro, manipulação de informações de interesse de quaisquer partes com o objetivo de obtenção ilícita de informações por vias indiretas.

Ora, se ilegalidade existir, esta deverá, se o caso, ser objeto de manifestação jurisdicional no momento oportuno e com a vida adequadamente eleita, apontando-se a real autoridade coatora.

Vossa Excelência solicita informações “resguardando-se o devido sigilo”, dando ensejo a todo tipo de interpretação quanto à possibilidade de revelação ou não de informações, textualmente nominada pelo legislador, como sigilosa, criando um sentimento de perplexidade deste magistrado diante da gravidade, não do teor da matéria jornalística (que deverá ser objeto, se o caso, de futura apreciação judicial), mas da tentativa transversa de obtenção de informações de procedimentos sob sigilo.

Expresso, ainda, a Vossa Excelência que, em assim agindo, não pretendo de modo algum imiscuir-me em questões que refogem à minha atividade jurisdicional, mas como forma de suscitar a análise de um tema que a todos interessa, subjacendo à questão envolvida, neste momento, o interesse público, diretamente, e o direito à defesa, indiretamente.”

Como se percebe, a atuação dos impetrantes pode configurar tentativa de obtenção de informações de eventuais procedimentos sob sigilo (não apenas de inquérito policial, como curiosamente afirma), além mesmo da própria matéria jornalística.

Qualquer informação sigilosa deste magistrado ou de qualquer outro implicaria na violação indevida, com possibilidade de responsabilização.

Após assentar pedido com base em matéria de jornal, à medida que se dirigem às Cortes Superiores, agregam novos elementos, inclusive sobre “inquérito policial”, seu número e sua eventual distribuição a este juízo, de tal forma a causar perplexidade, o que revela o desejo de obtenção, a qualquer custo, de informações cobertas por sigilo.

Por outro lado, informações agora trazidas às Cortes Superiores denotam conhecimento que vai além da própria informação da imprensa, podendo já vislumbrar, s.m.j., violação de eventual sigilo.

Na oportunidade, apresento a Vossa Excelência protestos de distinta consideração, colocando-me à disposição para esclarecimentos adicionais.

FAUSTO MARTIN DE SANCTIS

JUIZ FEDERAL

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