Síndrome do holofote

Não há ação da Polícia Federal sem efeitos cinematográficos

Autor

  • Ives Gandra da Silva Martins

    é professor emérito das universidades Mackenzie Unip Unifieo UniFMU do Ciee/O Estado de S. Paulo das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região professor honorário das Universidades Austral (Argentina) San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia) doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS catedrático da Universidade do Minho (Portugal) presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

15 de julho de 2008, 15h06

Tendo vivido sob os regimes de Getúlio Vargas (1935-45), da mais democrática Constituição do Brasil (1946-64), do regime de exceção (64-85) e sob a democracia implantada, sem traumas maiores, por Tancredo Neves e a Constituição de 88 (85-2008), posso externar meus sentimentos de cidadão, pelas páginas de minha coluna quinzenal no Jornal do Brasil.

O Brasil ainda está longe de ser uma democracia consolidada. Temos um texto constitucional democrático, mas práticas públicas que se afastam, não poucas vezes, de desiderato da lei suprema.

Hoje abordarei um ponto essencial. Sempre digo para meus alunos de Direito, há 50 anos, que o que caracteriza o estado democrático de direito é o direito de defesa e — nos sistemas presidenciais de governo — também o equilíbrio entre os três poderes. Nos sistemas parlamentares de governo, em grande parte o Poder Judiciário é um órgão da administração pública, pela própria interdependência interna dos poderes. Nos regimes presidenciais — e uso a palavra “regime” como concessão atécnica — não. A separação dos poderes é essencial, visto que, muitas vezes, o presidencialismo é o sistema da “irresponsabilidade a prazo certo”, enquanto o parlamentarismo é sempre um sistema de “responsabilidade a prazo incerto”.

Ora, o direito de defesa é realizado, fundamentalmente, pela advocacia. São os advogados, mais do que os políticos, magistrados e membros do Ministério Público, aqueles que realçam e fazem brilhar a democracia por seu próprio exercício.

É de se lembrar que, nas ditaduras, não há direito de defesa.

E a fundamental garantia do direito de defesa é o sigilo profissional, assegurado nos incisos X, XI, XII, XIII e XIV do mais relevante artigo da Carta Magna, que é o artigo 5º, aquele que assegura o elenco maior de direitos e garantias individuais.

Ora, a banca de advogados sempre foi considerada, como nos confessionários religiosos, o altar do sigilo profissional, não devendo ser jamais violado. Mesmo nos tempos do regime de exceção, havia muito mais respeito aos escritórios de advocacia, do que verificamos nos dias que correm, onde invasões violentam os segredos de todos os clientes envolvidos ou não com o episódio.

É que vivemos a época da “síndrome do holofote”. Não há blitz da Polícia Federal em que a prisão não seja cercada de efeitos cinematográficos, documentando a imposição de algemas e ostensiva exibição de armas modernas perante cidadãos que nunca pegaram em uma arma na vida. E a mídia, sempre avisada previamente, lá está para assegurar o impacto jornalístico.

Nunca, no passado, tantos magistrados falaram fora dos autos. Lembro-me da lição do único brasileiro que, numa democracia, foi presidente dos quatro poderes, o ministro José Carlos Moreira Alves (presidente do Judiciário; da República, substituindo o presidente Sarney; da Constituinte, ao instalá-la como presidente do STF e do Legislativo, na sua instalação, em 1987, antes da eleição do presidente Ulisses Guimarães). Negava-se sempre a dar entrevistas e jamais comentava, nem com os amigos mais íntimos, caso sob seu exame. Sua reputação era tal, que se dizia que o STF era o guardião da Constituição e Moreira Alves o guardião do Supremo.

Nunca membros do Ministério Público freqüentaram tanto a mídia, como nestes novos tempos.

Enquanto não voltar o sigilo profissional a ser respeitado e controladas as escutas telefônicas autorizadas e não autorizadas, que violam o sagrado direito à privacidade, seremos uma democracia incipiente, dominada pelos detentores do poder, especializados em acuar a sociedade. O Brasil de há muito não é uma democracia. É apenas um Estado policial.

[Artigo publicado no Jornal do Brasil, desta terça-feira, 15 de julho.]

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    é advogado tributarista, professor emérito das Universidades Mackenzie e UniFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.

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