Prende e solta

Presidente do Supremo tem razão quando critica espetáculo da PF

Autor

  • Walter Ceneviva

    é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor entre muitas outras obras do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas na Folha de S. Paulo.

12 de julho de 2008, 10h20

A ação policial que resulte em prisão de pessoas, ricas e pobres, se submete a princípios legais previstos no Código de Processo Penal — um dos quais é o de a polícia depender de ordem judicial para prender alguém em casos específicos. Na atual série do prende e solta de gente conhecida, há perplexidade no buscar entender o que se passa. A explicação não é fácil, a contar das alternativas de prisão, na lei brasileira, da prisão especial até em flagrante. Em todos os casos, se parte da presunção constitucional de inocência (artigo 5º, inciso 57). A prisão preventiva, que mais se aproxima do que hoje ocorre, tem cabimento (CPP, artigo 311) mediante ordem do juiz, assim como a temporária, criada a partir de 1989.

O campo para a preventiva é muito amplo, pois pode ser decretada como garantia de ordem pública ou econômica, por conveniência da instrução criminal. Tudo, porém, se houver prova da existência de crime e indício suficiente de autoria. As dúvidas nascem porque os conceitos indiciários são freqüentemente carregados de dúvida. Também, nesses casos, levam-se em conta as condições pessoais do acusado: não tentou fugir, não interfere na instrução para a atrapalhar, coopera com a autoridade. É evidente a recomendação de que não seja preso. A redecretação da prisão preventiva é admitida pela jurisprudência só se houver fatos posteriores que a justifiquem.

A prisão administrativa (CPP, artigo 319) pode ser requisitada à polícia pela autoridade que a decretou. Não interessa ao caso atual. É limitada a três meses. É comum a prisão civil, com o exemplo freqüente dos maridos que não querem pagar a pensão de suas ex-mulheres. Não interessa aqui.

Em todas as alternativas, porém, se a prisão não revestiu os característicos legais, a solução é o Habeas Corpus, ação especial de duplo efeito possível: libertar quem esteja preso sem justa causa (é o que aconteceu, segundo a posição do ministro Gilmar Mendes) e quem tenha sua liberdade ameaçada. O juiz paulista mandou prender novamente o banqueiro Daniel Dantas, vendo, nas informações transmitidas pela Polícia Federal ao Ministério Público, a indicação de fatos novos, não considerados no primeiro pedido. Houve um lado falho nesse segundo pedido, pois o ministro, desde a primeira vez, aludiu ao longo prazo no qual as investigações se desenvolveram.

O presidente do STF tem razão, ainda, quando fala da "espetacularização" das prisões, que causa mal grave e irreparável para todos os que, ao fim, sejam considerados inocentes. Já terão sido punidos irremediavelmente. De outro lado, há a queixa de que teria pulado as instâncias, ou seja, o habeas corpus deveria ter sido impetrado perante o Tribunal Regional Federal  da 3ª Região e não diretamente ao STF. A questão permite longas dissertações, que aqui não cabem, mas há bons motivos processuais para sustentar que ainda não havia chegado a hora de a mais alta corte do país se manifestar.

Em tudo isso há um lado positivo: o organismo policial mostrando serviço, que, se bem feito, poderá produzir bons resultados, mas também é muito positivo que o Poder Judiciário se mostre atento à preservação das liberdades fundamentais, sem as quais nenhum Estado de Direito sobrevive.

[Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo neste sábado (12/7)].

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    é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor, entre muitas outras obras, do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas, na Folha de S. Paulo.

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