Dever de proteção

Qual a semelhança entre o furto privilegiado e o tráfico de drogas?

Autor

10 de julho de 2008, 0h00

Considerações iniciais: situando o problema — a opção do legislador constituinte em combater determinadas condutas por intermédio do Direito Penal

O conteúdo do debate acerca de qual sentido que deve tomar, no interior do Estado Democrático (e Social) de Direito, o modelo penal e processual penal brasileiro vem mantendo acesa uma celeuma filosófica — ainda que não explícita —, a partir de dissensos que envolvem concepções de vida e modos-de-ser-no-mundo centrados nas mais diversas justificações materiais e espirituais. O substrato de fundo destes embates, entre tradições de pensamento tão diversas e, em grande parte dos assuntos, antagônicas, revela uma contraposição ainda mais fundamental consistente em um conflito quanto aos bens jurídico-penais que efetivamente merecem proteção penal nesta quadra da história.[1]

Ao contrário do que acontece na maioria das Constituições contemporâneas, estes conflitos estão positivados no texto constitucional brasileiro. Isso implica a tomada de atitudes por parte do legislador ordinário. Ocorre, entretanto, que o legislador, ao lado da doutrina e da jurisprudência pátrias, continua atrelado ao paradigma liberal-individualista, podendo-se perceber, nestes vinte anos de Constituição compromissória e social, entre outros aspectos:

a) certa dificuldade de coexistência de determinados princípios e valores tradicionalmente imputados ao Direito Penal pelas vertentes liberais-iluministas, caracteristicamente individualistas; e

b) outra gama de princípios e valores (como defini-los?) que sustentam a legitimidade de novas matrizes normativas dirigidas à tutela de bens não individuais.

A opção do legislador constituinte em positivar comandos criminalizantes provocou — ou deveria ter provocado — uma drástica mudança no tratamento dos bens jurídico-penais. Em outras palavras, é possível afirmar que, ao contrário do que sustentam os penalistas adeptos de posturas minimalistas, o constituinte não albergou a tese da “intervenção mínima do Direito Penal”, mas, ao contrário disso, colocou, pelo menos hipoteticamente, a possibilidade de subversão de grande parte de uma hegemonia histórica nas relações de poder sustentadas e reproduzidas, em não desprezível parcela, pela aplicação da lei penal.

Essa questão vem agravada a partir do comando constitucional de o legislador enquadrar algumas condutas no rol dos crimes hediondos. E com as conseqüências que isso terá. Com efeito, a Constituição do Brasil estabelece:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:


(…)

XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

Despiciendo lembrar, já de início, uma questão irrefutável: o comando constitucional (originário) não pode ser inconstitucional. Do mesmo modo, não há registros, nos tribunais e na literatura penal, de questionamento ao enquadramento, no rol dos crimes hediondos, dos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor — para falar apenas destes, não explicitados no inciso constitucional. E relembremos — por absoluta relevância — que, no caso do tráfico de entorpecentes, o legislador constituinte vai ao ponto de vedar a concessão, a esse tipo de crime, de favores legais (v.g., graça e anistia).

Têm-se, então, dois problemas, que se constituem em base para qualquer discussão:

— primeiro, está-se diante de hipótese de obrigação constitucional de criminalizar;

— segundo, está-se diante de uma vedação constitucional de concessão de favores legais aos traficantes. Parte-se, pois, de limitações explícitas ao legislador ordinário. A questão é saber as dimensões desses limites do legislador, isto é, de que modo deve ser atendido o complexo (e duro) comando constitucional.

Nesse sentido, desde logo deve ser apresentada a pergunta: quando da elaboração da Lei 11.343/06, poderia o legislador ter enfraquecido/mitigado a resposta penal conferida às condutas que consubstanciam o tráfico de drogas?

Ou seja, na medida em que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XLIII, prevê o crime de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins como hediondo, proibindo graça e anistia, e sendo a República Federativa do Brasil signatária de tratados internacionais que têm como meta o combate a esse crime, poderia o legislador ordinário, sem apresentar qualquer prognose e em desobediência aos princípios da integridade, da coerência e da igualdade (além da proibição de proteção deficiente), ter concedido favor legal consistente na expressiva diminuição da pena em patamar variável de 1/6 a 2/3?

A necessidade de uma nova visão acerca da questão dos “bens jurídicos”: a importância dos princípios da proibição de excesso (Übermassverbot) e da proibição de proteção deficiente (Untermassverbot)

Tem razão Alessandro Baratta quando esclarece que, no Estado Democrático de Direito, está-se diante de uma política integral de proteção dos direitos. Tal definição permite que se afirme que o dever de proteção estatal não somente vale no sentido clássico (proteção negativa) como limite do sistema punitivo, mas, também, no sentido de uma proteção positiva por parte do Estado.[2]

Isso decorre, obviamente, da evolução do Estado e do papel assumido pelo Direito nessa nova forma de Estado, sob a direção de um constitucionalismo compromissório e social. É por isto que não se pode mais falar tão-somente de uma função de proteção negativa do Estado. Parece evidente que não, e o socorro vem de Baratta, que chama a atenção para a relevante circunstância de que esse novo modelo de Estado deverá dar a resposta para as necessidades de segurança de todos os direitos, também dos prestacionais por parte do Estado (direitos econômicos, sociais e culturais) e não somente daquela parte de direitos denominados de prestação de proteção, em particular contra agressões provenientes de comportamentos delitivos de determinadas pessoas.


Perfeita, pois, a análise de Baratta: é ilusório pensar que a função do Direito (e, portanto, do Estado), nesta quadra da história, esteja restrita à proteção contra abusos estatais. No mesmo sentido, o dizer de João Baptista Machado, para quem o princípio do Estado de Direito, neste momento histórico, não exige apenas a garantia da defesa de direitos e liberdades contra o Estado: exige, também, a defesa dos mesmos contra quaisquer poderes sociais de fato. Desse modo, ainda com o pensador português, é possível afirmar que a idéia de Estado de Direito demite-se da sua função quando se abstém de recorrer aos meios preventivos e repressivos que se mostrem indispensáveis à tutela da segurança, dos direitos e liberdades dos cidadãos.[3]

Tanto isso é verdadeiro que o constituinte brasileiro optou por positivar um comando criminalizador, isto é, um dever de criminalizar com rigor alguns crimes, em especial, o tráfico de entorpecentes, inclusive epitetando-o, prima facie, de hediondo.

Na verdade, a tarefa do Estado é defender a sociedade, a partir da agregação das três dimensões de direitos — protegendo-a contra os diversos tipos de agressões. Ou seja, o agressor não é somente o Estado.

Dito de outro modo, como muito bem assinala Roxin, comentando as finalidades correspondentes ao Estado de Direito e ao Estado Social, em Liszt, o Direito Penal serve simultaneamente para limitar o poder de intervenção do Estado e para combater o crime. Protege, portanto, o indivíduo de uma repressão desmedurada do Estado, mas protege igualmente a sociedade e os seus membros dos abusos do indivíduo. Estes são os dois componentes do Direito Penal: a) o correspondente ao Estado de Direito e protetor da liberdade individual; b) e o correspondente ao Estado Social e preservador do interesse social mesmo à custa da liberdade do indivíduo.[4]

Tem-se, assim, uma espécie de dupla face de proteção dos direitos fundamentais: a proteção positiva e a proteção contra omissões estatais. Ou seja, a inconstitucionalidade pode ser decorrente de excesso do Estado, como também por deficiência na proteção. Nesse sentido, com propriedade Ingo Sarlet assevera que a proteção aos direitos fundamentais:

“não se esgota na categoria da proibição de excesso, já que vinculada igualmente a um dever de proteção por parte do Estado, inclusive quanto a agressões contra direitos fundamentais provenientes de terceiros, de tal sorte que se está diante de dimensões que reclamam maior densificação, notadamente no que diz com os desdobramentos da assim chamada proibição de insuficiência no campo jurídico-penal e, por conseguinte, na esfera da política criminal, em que encontramos um elenco significativo de exemplos a serem explorados."[5]

Não é outra a lição do Tribunal Constitucional espanhol quando assevera que los derechos fundamentales no incluyen solamente derechos subjetivos de defensa de los individuos frente al Estado, y garantías institucionales, sino también deberes positivos por parte de éste. Enfatiza o aludido tribunal, inclusive, que:

“[…] la garantía de su vigencia no puede limitarse a la posibilidad del ejercicio de pretensiones por parte de los individuos, sino que ha de ser asumida también por el Estado. Por consiguiente, de la obligación del sometimiento de todos los poderes a la Constitución no solamente se deduce la obligación negativa del Estado de no lesionar la esfera individual o institucional protegida por los derechos fundamentales, sino también la obligación positiva de contribuir a la efectividad de tales derechos, y de los valores que representan, aun cuando no exista una pretensión subjetiva por parte del ciudadano. Ello obliga especialmente al legislador, quien recibe de los derechos fundamentales «los impulsos y líneas directivas», obligación que adquiere especial relevancia allí donde un derecho o valor fundamental quedaría vacío de no establecerse los supuestos para su defensa. [STC 53/1985]


Pois bem, isso significa afirmar e admitir que a Constituição determina — explícita ou implicitamente — que a proteção dos direitos fundamentais deve ser feita de duas formas: por um lado, protege o cidadão frente ao Estado; por outro, protege-o através do Estado — e, inclusive, por meio do direito punitivo — uma vez que o cidadão também tem o direito de ver seus direitos fundamentais tutelados em face da violência de outros indivíduos.

Quero dizer com isso que este (o Estado) deve deixar de ser visto na perspectiva de inimigo dos direitos fundamentais, passando-se a vê-lo como auxiliar do seu desenvolvimento (Drindl, Canotilho, Vital Moreira, Sarlet, Streck, Bolzan de Morais e Stern) ou outra expressão dessa mesma idéia, deixam de ser sempre e só direitos contra o Estado para serem também direitos através do Estado.[6]

Insisto: já não se pode falar, nesta altura, de um Estado com tarefas de guardião de “liberdades negativas”, pela simples razão — e nisto consistiu a superação da crise provocada pelo liberalismo — de que o Estado passou a ter a função de proteger a sociedade nesse duplo viés: não mais apenas a clássica função de proteção contra o arbítrio, mas, também, a obrigatoriedade de concretizar os direitos prestacionais e, ao lado destes, a obrigação de proteger os indivíduos contra agressões provenientes de comportamentos delitivos, razão pela qual a segurança passa a fazer parte dos direitos fundamentais (art. 5º, caput, da Constituição do Brasil).

O Direito Penal no contexto da necessidade social de proteção de determinados bens jurídicos. O dever estatal de utilizar medidas adequadas à consecução desse desiderato.

Afastando qualquer possibilidade de mal-entendidos, parece não haver qualquer dúvida sobre a validade da tese garantista clássica (por todos, cito Ferrajoli) no Direito Penal e no processo penal: diante do excesso ou arbítrio do poder estatal, a lei coloca à disposição do cidadão uma série de writs constitucionais, como o Habeas Corpus e o Mandado de Segurança. As garantias substantivas no campo do Direito Penal (proibição de analogia, a reserva legal, etc.) recebem, no processo penal, a sua materialização a partir dos procedimentos manejáveis contra abusos, venham de onde vierem. São conquistas da modernidade, representadas pelos revolucionários ventos iluministas.

Portanto, contra o poder do Estado, todas as garantias; enfim, aquilo que denominamos de garantismo negativo. A questão que aqui se coloca, entretanto, relaciona-se diretamente com a proteção de direitos fundamentais de terceiros em face de atos abusivos dos agentes estatais, notadamente o favor legal concedido aos praticantes de crime de tráfico de drogas. De pronto, caberia a pergunta: poderia o legislador descriminalizar um crime como o roubo e o estupro, para citar apenas os casos mais simples? Tais leis descriminalizantes estariam livres de sindicabilidade constitucional?

O início da discussão acerca da existência de dever de proteção

Como se sabe, essa polêmica acerca dos limites do dever de proteção (penal) por parte do Estado teve origem na Alemanha, quando da Lei de 1975 que descriminalizou o aborto (primeiro caso do aborto). Na verdade, o dever de proteção (Schutzpflicht) passou a ser entendido como o outro lado da proteção dos direitos fundamentais, isto é, enquanto os direitos fundamentais, como direitos negativos, protegem a liberdade individual contra o Estado, o dever de proteção derivado desses direitos destina-se a proteger os indivíduos contra ameaças e riscos provenientes não do Estado, mas, sim, de atores privados, forças sociais ou mesmo desenvolvimentos sociais controláveis pela ação estatal. Conforme lembra Dieter Grimm, na Alemanha os deveres de proteção são considerados a contraparte da função negativa dos direitos fundamentais. Isso explica por que o dever de proteção não pode ser visto como outra palavra para os direitos econômicos e sociais.


O Schutzplicht tem a função de proteção dos direitos fundamentais de primeira dimensão, isto é, das liberdades tradicionais. A preocupação recai nos indivíduos e não no bem estar social. Grimm lembra ainda que “não é nenhuma novidade o fato de os bens protegidos pelos direitos fundamentais não serem, ameaçados apenas pelo Estado, mas também por pessoas privadas. O Estado deve a sua existência a esse fato. Ele sempre retirou sua legitimidade da circunstância de salvaguardar os cidadãos contra ataques estrangeiros ou de outros indivíduos”. Até o momento em que a proteção conferida pelas leis em geral pareceu suficiente, não aflorou a questão sobre a existência de uma exigência constitucional de que tal lei fosse editada. Não é por acaso que a idéia de um Schutzplicht específico tenha surgido pela primeira vez quando o legislador aboliu uma lei criminal de proteção, há muito tempo existente, da vida humana em desenvolvimento.[7]

Assim, na Alemanha, há uma distinção entre os dois modos de proteção de direitos: o primeiro — o princípio da proibição de excesso (Übermassverbot) — funciona como proibição de intervenções; o segundo — o princípio da proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot) — funciona como garantia de proteção contra as omissões do Estado, isto é, será inconstitucional se o grau de satisfação do fim legislativo for inferior ao grau em que não se realiza o direito fundamental de proteção.[8]

A efetiva utilização da Untermassverbot (proibição de proteção deficiente ou insuficiente) na Alemanha deu-se com o julgamento da descriminalização do aborto (BverfGE 88, 203, 1993), com o seguinte teor:

“O Estado, para cumprir com o seu dever de proteção, deve empregar medidas suficientes de caráter normativo e material, que permitam alcançar — atendendo à contraposição de bens jurídicos — uma proteção adequada, e como tal, efetiva (Untermassverbot). (…)

É tarefa do legislador determinar, detalhadamente, o tipo e a extensão da proteção. A Constituição fixa a proteção como meta, não detalhando, porém, sua configuração. No entanto, o legislador deve observar a proibição de insuficiência (…). Considerando-se bens jurídicos contrapostos, necessária se faz uma proteção adequada. Decisivo é que a proteção seja eficiente como tal. As medidas tomadas pelo legislador devem ser suficientes para uma proteção adequada e eficiente e, além disso, basear-se em cuidadosas averiguações de fatos e avaliações racionalmente sustentáveis. (…)”.

Desse modo, duas indagações se põem:

— primeiro, no caso em análise (diminuição da pena de 1/6 a 2/3 aos criminosos condenados por tráfico de drogas que ostentem bons antecedentes e a condição de primariedade, desde que não comprovada a dedicação a práticas criminosas e o envolvimento com organização criminosa), está-se em face de uma proteção insuficiente por parte do legislador (e, portanto, por parte do Estado)?

— segundo, em sendo a resposta positiva, o Poder Judiciário, ao aplicar tábula rasa referida benesse legal, não estará, igualmente, protegendo insuficientemente os direitos de terceiros?

Na Alemanha discutiu-se muito tempo — quando em face da dicotomia Übermassverbot-Untermassverbot — se haveria um direito subjetivo à observação do dever de proteção ou, em outros termos, se haveria um direito fundamental à proteção, questão que ficou resolvida com a resposta dada pelo Tribunal Constitucional, mormente no caso BverfGE 88, 203, 1993. Doutrina e jurisprudência entendem que o dever de proteção pode ser classificado do seguinte modo:


a) o Verbotspflicht, que significa “o dever de se proibir uma determinada conduta”;

b) o Sicherheitspflicht, que significa, em linhas gerais, que o Estado tem o dever de proteger o cidadão contra ataques provenientes de terceiros, sendo que, para isso, tem o dever de tomar as medidas de defesa;

c) o Risikopflicht, pelo qual o Estado, além do dever de proteção, deve atuar com o objetivo de evitar riscos para o indivíduo.[9]

Trata-se da nova concepção do direito esculpido no Estado Democrático de Direito. As lições do passado e os fracassos do direito diante da política fizeram com que o direito assumisse um acentuado grau de autonomia. E o Direito Penal não ficou imune a essa nova perspectiva, o que pode ser percebido pela obrigação de proteger o cidadão a partir de atitudes “negativas” e “positivas”, chegando — por vezes — ao limite da obrigação de criminalizar. E, é claro, tais circunstâncias trazem conseqüências à relação entre legislação e jurisdição.

Da sensível diminuição da liberdade de conformação do legislador no constitucionalismo contemporâneo até a obrigação de criminalizar; da antiga discricionariedade à necessidade de estabelecer justificativas (prognoses) na elaboração das leis.

É possível afirmar, desse modo, que o legislador, em um sistema constitucional que reconhece efetivamente o dever de proteção[10] do Estado, não está mais livre para decidir se edita determinadas leis ou não. Nesse sentido, aliás, já decidiu o Tribunal Constitucional espanhol (embora a Constituição de Espanha nem de longe estabeleça mandado de criminalização como estabelece a brasileira, na especificidade “combate ao tráfico de entorpecentes”), esclarecendo que:

En rigor, el control constitucional acerca de la existencia o no de medidas alternativas menos gravosas […], tiene um alcance y una intensidad muy limitadas, ya que se ciñe a comprobar si se ha producido un sacrificio patentemente innecesario de derechos que la Constitución garantiza […], de modo que sólo si a la luz del razonamiento lógico, de datos empíricos no controvertidos y del conjunto de sanciones que el mismo legislador ha estimado necesarias para alcanzar fines de protección análogos, resulta evidente la manifiesta suficiencia de un medio alternativo menos restrictivo de derechos para la consecución igualmente eficaz de las finalidades deseadas por el legislador, podría procederse a la expulsión de la norma del ordenamiento. Cuando se trata de analizar la actividad del legislador en materia penal desde la perspectiva del criterio de necesidad de la medida, el control constitucional debe partir de pautas valorativas constitucionalmente indiscutibles, atendiendo en su caso a la concreción efectuada por el legislador en supuestos análogos, al objeto de comprobar si la pena prevista para un determinado tipo se aparta arbitraria o irrazonablemente de la establecida para dichos supuestos. Sólo a partir de estas premisas cabría afirmar que se ha producido um patente derroche inútil de coacción que convierte la norma en arbitraria y que socava los principios elementales de justicia inherentes a la dignidad de la persona y al Estado de Derecho. [55/1996] (grifo nosso)

Isto significa afirmar que o legislador ordinário não pode, ao seu bel prazer, optar por meios “alternativos” de punição de crimes ou até mesmo pelo “afrouxamento” da persecução criminal sem maiores explicações, ou seja, sem efetuar prognoses, isto é, a exigência de prognose significa que as medidas tomadas pelo legislador devem ser suficientes para uma proteção adequada e eficiente e, além disso, basear-se em cuidadosas averiguações de fatos e avaliações racionalmente sustentáveis. Não há grau zero para o estabelecimento de criminalizações, descriminalizações, aumentos e atenuações de penas.


Para ser mais claro: o comando explícito de criminalização obriga o legislador a explicitar as razões pelas quais promoveu essa drástica redução de pena aos traficantes que ostentem primariedade. Refira-se que, a demonstrar a situação em que se encontra o país, e, logo, a impossibilidade de qualquer prognose no sentido de aplacar a repressão aos crimes que viabilizam a disponibilização de drogas à população, segundo o Relatório Mundial sobre Drogas 2008, o Brasil é o segundo maior consumidor de cocaína das Américas, com 870 mil usuários, atrás, apenas, dos Estados Unidos, em que a quantidade de usuários alcança os seis milhões. As pesquisas apontam também para um aumento, entre 2001 e 2005, no consumo da droga e que “as crescentes atividades de grupos que traficam cocaína nos Estados da região sudeste impulsionam a oferta da droga”. Aponta, ainda, o relatório que “o território do Brasil é constantemente explorado por organizações criminosas internacionais que buscam pontos de rota para envio de cocaína proveniente da Colômbia, Bolívia e Peru para a Europa”, sendo “provável que isso tenha trazido mais cocaína para o mercado local.” Assim, se prognose existe, esta aponta para o lado contrário do “pensado” pelo legislador.

Mais ainda, há que se lembrar a existência de uma circunstância que coloca o caso sob análise em uma categoria especial: enquanto as demais Constituições do mundo não especificam como os deveres de proteção devem ser supridos, no Brasil, no caso específico dos crimes hediondos (e mais especificamente ainda, no caso do tráfico de entorpecentes), a Constituição é clara ao obrigar a criminalização (e, repita-se, ao mesmo tempo, ao determinar a vedação de favores legais como a graça e a anistia). Isso significa que o grau de liberdade de conformação, especialmente no caso da criminalização dos crimes de tortura, terrorismo e tráfico de entorpecentes fica drasticamente diminuído. Somente a partir de amiúde prognose é que o legislador poderia apresentar proposta com tal grau de radicalidade. Nesse sentido, aponto para a diferença entre o caso da aplicação da Untermassverbot no caso do aborto na Alemanha e o caso da Lei 11.343/06 sob comento: enquanto naquele caso não havia determinação explícita de criminalização no texto da Grundgesetz, neste existe um comando da Constituição brasileira que — de tão drástico — chega a proibir a concessão de graça e anistia.

Mas, poder-se-ia indagar — e certamente este é o ponto de defesa da prevalência da lei: o dever de criminalizar constante na Constituição e a vedação de favores legais alcançaria o caso sob comento? Ou seja, é possível dizer que o legislador não estava autorizado a conceder a benesse do parágrafo 4 do artigo 33 da Lei 11.343/06? Lembremos aqui novamente as palavras de Dieter Grimm, ao dizer que se configura a proibição de excesso quando o legislador vai longe demais; e a proibição de proteção insuficiente, quando o legislador faz muito pouco. Isto é, a questão é saber, nesta segunda hipótese, se o legislador fez muito pouco para proteger o direito ameaçado. Este é ponto.

De como o parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343 viola o princípio da proibição de proteção insuficiente e a existência de precedentes da aplicação da tese da Untermassverbot em terrae brasilis.

Já não é novidade, no Brasil, a incidência do princípio da proibição de proteção insuficiente. Foi aplicada, v.g., no caso do Recurso Extraordinário 418.376,[11] em especial quando do voto do ministro Gilmar Mendes, considerando inconstitucional, por violar a Untermassverbot, o artigo 107, VII do Código Penal, que trazia o favor legal de extinção da punibilidade, nos crimes contra os costumes (definidos nos Capítulos I, II e III do Título VI da Parte Especial do Código Penal), pelo casamento do agente com a vítima. Ficou nítido no voto do ministro Gilmar uma espécie de ruptura paradigmática, no sentido de que o legislador ordinário não possui blindagem e liberdade absoluta para conceder favores legais a criminosos. No caso do RE 418.376, tratava-se de dispositivo penal que, ao conceder o favor legal de extinção da punibilidade do crime de estupro nos casos de casamento da vítima com terceiro ou com o próprio autor, nitidamente protegeu de forma insuficiente o bem jurídico “dignidade da pessoa humana”.


Também o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vem aplicando, reiteradas vezes, o aludido princípio (veja-se, exemplificativamente, o MS 893.436-3/9-00/SP). Mais recentemente, no rumoroso caso do julgamento das células-tronco embrionárias, a tese foi aplicada, na integra, quando da apreciação da ADI 3.510, pelo ministro Gilmar Mendes, presidente da Corte Suprema:

O presente caso oferece uma oportunidade para que o Tribunal avance nesse sentido. O vazio jurídico a ser produzido por uma decisão simples de inconstitucionalidade/nulidade dos dispositivos normativos impugnados torna necessária uma solução diferenciada, uma decisão que exerça uma “função reparadora” ou, como esclarece Blanco de Morais, “de restauração corretiva da ordem jurídica afetada pela decisão de inconstitucionalidade”.

Seguindo a linha de raciocínio até aqui delineada, deve-se conferir ao artigo 5º uma interpretação em conformidade com o princípio da responsabilidade, tendo como parâmetro de aferição o princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot).

Conforme analisado, a lei viola o princípio da proporcionalidade como proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot) ao deixar de instituir um órgão central para análise, aprovação e autorização das pesquisas e terapia com células-tronco originadas de embrião humano.

O artigo 5º da Lei 11.105/2005 deve ser interpretado no sentido de que a permissão da pesquisa e terapia com células-tronco embrionárias, obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro, deve ser condicionada à prévia aprovação e autorização por Comitê (Órgão) Central de Ética e Pesquisa, vinculado ao Ministério da Saúde.

Entendo, portanto, que essa interpretação com conteúdo aditivo pode atender ao princípio da proporcionalidade e, dessa forma, ao princípio da responsabilidade.

Da especificidade do dispositivo

Portanto, em sendo perfeitamente cabível a transposição do princípio do Direito alemão para terrae brasilis, deve-se examinar a adequação do dispositivo da Lei 11.343/06 que proíbe o tráfico de entorpecentes. Assim, tem-se que o artigo 33 define o crime e a pena (5 a 15 anos), revogando a lei anterior (Lei 6.368/76), que estabelecia a pena mínima de três anos. Veja-se o ocorrido: o legislador, depois de aumentar a pena mínima, curiosamente promoveu, no parágrafo quarto do mesmo artigo, um retrocesso, a ponto de alçar a nova pena mínima de 5 anos a um patamar inferior a 2 anos (na realidade, a pena pode descer ao patamar de 1 ano e 8 meses), bem abaixo da antiga pena mínima (3 anos). Com efeito:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena — reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.


§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I — importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

II — semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

III — utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

(…)

§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Antes de tudo, é evidente que não discutirei a hipótese de “tráfico bagatelar” ou outras coisas do gênero. Não parece que essa discussão deva tomar lugar aqui, uma vez que “tráfico insignificante” é atípico e, neste caso, estar-se-ia trabalhando com a contradição secundária do problema de um crime considerado hediondo pela Constituição.

O que deve ser aqui considerado diz respeito à determinação legislativa que veio a aplacar/mitigar a repressão penal do crime de tráfico ilícito de entorpecentes. Não é desarrazoado afirmar que a punição insuficiente para um crime de extrema gravidade e reprovabilidade equivale à impunidade. Ou, em outras palavras, equivale a não aplicação do comando constitucional de criminalizar. Na verdade, o legislador banaliza a punição do tráfico, nesse particular, ao tempo em que a Constituição aponta explicitamente para o outro lado, isto é, para uma atuação eficaz do Estado na repressão do tráfico de entorpecentes.

Dito de outro modo, a Constituição Federal da República do Brasil estabelece diretrizes de política criminal a serem, necessariamente, seguidas quando da edição de leis penais no exercício da atividade legiferante. Com base em tal premissa, o legislador não é dotado de absoluta liberdade na eleição das condutas que serão alvo de incriminação e nem, tampouco, na escolha dos bens jurídicos que serão objeto de proteção penal. Em decorrência, também não pode o Poder Legislativo deliberar sobre a descriminalização de normas protetivas de bens jurídicos com manifesta dignidade constitucional.

Por isso, o legislador ordinário, ao conceder o favor legal de “desconto” da pena com o teto de 2/3, extrapolou sua “competência”, a ponto de se poder dizer que tal atitude equivale à desproteção do bem jurídico ofendido pela conduta de quem pratica o crime de tráfico ilícito de entorpecentes. A determinação constitucional é expressa, não sendo possível — a partir do que vem consagrado no artigo 5o, XLIII — interpretar o contrário do que está disposto no texto constitucional. Trata-se de uma questão de fácil resolução hermenêutica. A força normativa da Constituição não pode ser esvaziada por qualquer lei ordinária. Por isso, há que se levar a sério o texto constitucional.


Veja-se que não há similitude no Código Penal. Crimes graves como o roubo nem de longe permitem diminuição de pena no teto de 2/3. Na verdade, o teto de 2/3 de desconto da pena transforma o crime de tráfico ilícito de entorpecentes em crime equiparável ao furto qualificado, para citar apenas este. A propósito, cumpre lembrar que o ordenamento jurídico considera como de menor potencial ofensivo crimes cujas penas máximas não ultrapassam 2 anos de reclusão.[12]

Acrescento, ainda — a partir da análise de todo o Código Penal — que são raríssimas, em nosso sistema, as causas de diminuição de pena que alcançam o patamar de 2/3. Com efeito, têm-se, na parte geral, as minorantes genéricas da tentativa e do arrependimento posterior, que alcançam esse quantum de desconto desde que — e aqui se enfatize — na primeira, o iter criminis recém tenha iniciado e, na segunda, restrita a crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa, haja reparação do dano ou restituição da coisa, por ato voluntário do agente, até o recebimento da denúncia. E só.

Já na parte especial do Código, verifico que quando alguém comete um crime de homicídio impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção — veja-se que (a) não basta a paixão e que (b) a reação deve ser imediata à injusta provocação da vítima — a pena pode ser reduzida em, no máximo, 1/3. Ainda, à maior parcela dos crimes, mesmo aqueles que não ostentam grande gravidade, não é conferida qualquer benesse específica de diminuição de pena. Observo, além disso, que a primariedade — uma vez aliada à não-comprovação de envolvimento em organização criminosa — deixa de ser, no crime de tráfico ilícito de entorpecentes, uma causa que inviabiliza a “agravação” da pena para se tornar uma causa especial de sua diminuição, circunstância que subverte a parte geral do Código Penal.

No fundo, trata-se de uma questão que beira à teratologia, quando se constata que o legislador ordinário foi buscar na figura do furto privilegiado — artigo 155, parágrafo 2o, do Código Penal — a inspiração (sic) para diminuir a pena do crime de tráfico ilícito de entorpecentes. Sim, porque esse — o furto privilegiado — é o único crime que recebe tratamento análogo ao recebido pelo tráfico de entorpecentes, verbis:

Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

(…)

§ 2º —- Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

Ou seja, o legislador, ao desvalorar a ação, na falta de outro elemento, socorreu-se do mesmo critério utilizado para abrandar a punição nos crimes de furto cujo objeto material é de pequeno valor econômico. Mutatis mutandis, os parâmetros para a avaliação do desvalor da ação nessas duas modalidades delitivas — o crime hediondo de tráfico de drogas e o singelo crime de furto — por mais espécie que isto possa causar, são “idênticos”.

E mais: ao se considerar a alteração legislativa e, logo, a benesse instituída no parágrafo 4º da Lei 11.343 como válidas, ter-se-á como legítima a atuação do legislador — em futuras alterações legislativas — na mitigação da proteção conferida a um crime equiparado, por força constitucional, a crime hediondo.


Veja-se, assim, a situação teratológica — e me permito utilizar novamente essa adjetivação, porque merecida — que se delineia em terrae brasilis: a Constituição exige tratamento mais rigoroso a determinados crimes e o legislador atenua, sem qualquer autorização/justificação/ressalva constitucional, a proteção conferida a tais crimes. Ora, isso é ler a Constituição de acordo com a lei ordinária! Pior do que isso, sem qualquer prognose. E não precisamos aqui recordar, por tudo o que já avançamos em termos de teoria constitucional e de controle de constitucionalidade, o caso Marbury v. Madison para saber que uma lei ordinária não pode “alterar” a Constituição!

De como a atenuação da pena no patamar de 2/3 viola os princípios da igualdade e da integridade do direito e de como o dispositivo repristina o direito penal do autor.

Além de infringir o princípio da proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot) e, por conseqüência, o dever de proteção (Schutzplicht) ínsito aos ditames do Estado nesta quadra da história, o dispositivo sob comento viola o princípio da coerência, da integridade e da igualdade.

Uma das exigências do direito no Estado Democrático é a manutenção de sua integridade e de sua coerência. Veja-se que a integridade é duplamente composta, conforme Dworkin[13]: um princípio legislativo, que pede aos legisladores que tentem tornar o conjunto de leis moralmente coerente, e um princípio jurisdicional, que demanda que a lei, tanto quanto o possível, seja vista como coerente nesse sentido. A exigência da integridade (princípio), no dizer de Dworkin, condena, veementemente, as leis conciliatórias e as violações menos clamorosas desse ideal como uma violação da natureza associativa de sua profunda organização. A integridade é uma forma de virtude política, exigindo que as normas públicas da comunidade sejam criadas e vistas, na medida do possível, de modo a expressar um sistema único e coerente de justiça e equanimidade na correta proporção, diante do que, por vezes, a coerência com as decisões anteriores será sacrificada em nome de tais princípios (circunstância que assume especial relevância nos sistemas jurídicos como o do Brasil, em que os princípios constitucionais transformam em obrigação jurídica um ideal moral da sociedade).

O caráter nitidamente “conciliatório” do aludido parágrafo 4º afronta a integridade e a igualdade no tratamento dado pelo legislador no combate à criminalidade. No dizer de Dworkin, uma lei é considerada “conciliatória” quando mostra incoerência de princípio, podendo ser justificada — se é que pode — somente com base em uma distribuição eqüitativa do poder político entre as diferentes facções morais. Por isso ele diz que “certamente quase todos nós ficaríamos consternados diante de um direito conciliatório” que tratasse crimes similares de forma diferenciada, em bases arbitrárias. O que a integridade condena é a incoerência de princípio entre os atos do Estado personificado.[14] Veja-se que, nos Estados Unidos, o ideal de integridade é levado ao patamar de princípio constitucional, pois se considera que a cláusula de igual proteção da 14ª Emenda veda conciliações internas sobre questões de princípios importantes. Essa cláusula é utilizada pela US Supreme Court para declarar inconstitucionais leis que conferem tratamento diferenciado a diferentes grupos ou pessoas (por exemplo, em termos de direitos fundamentais).[15]

Nessa linha, é possível certificar que o aludido parágrafo 4º — que estabelece tratamento absolutamente diferenciado a acusados primários e em patamar absolutamente desproporcional (incoerente, pois) — fere o princípio da igualdade. Afinal, não há explicação coerente ou razoável que justifique, ao mesmo tempo, o aumento da pena mínima de 03 para 05 anos e, na mesma lei, a diminuição do patamar de 2/3 para os réus primários, sem que, para tanto, haja precedentes na legislação brasileira e sem que tenha havido qualquer preocupação com os efeitos colaterais de tal decisão (v.g., a aplicação analógica do favor legal a todos os demais crimes hediondos e, por extrema obviedade, aos crimes que não são hediondos).


Ou seja, a característica “conciliatória” do referido dispositivo fere de morte o princípio da igualdade nas suas duas frentes: a um, na instituição de indevidas diferenciações; a dois, a sua conseqüência, decorrente da aplicação analógica dessas indevidas diferenciações. Visto sob qualquer desses escopos, a lei não resiste à integridade legislativa e jurisdicional.

Veja-se que a partir dos princípios da coerência e da integridade,[16] tendo-se por pressupostos os assentados fatos de que o legislador, até a revogação da Lei 6.368/76, não concebia o desconto da pena e de que a pena mínima era de três anos de reclusão, torna-se absolutamente paradoxal, contraditório, incoerente e contrário a qualquer possibilidade de integridade aprovar uma nova lei que aumenta a pena mínima e, ao mesmo tempo, possibilita uma diminuição, por condição pessoal do réu, de até 2/3 da pena, recolocando, assim, a pena mínima em patamar inferior ao que existia anteriormente. Ora, se o legislador resolve aumentar a pena mínima, é porque deve ter motivos (prognose) para tal. Se ele aumenta em mais da metade a pena mínima, não tem sentido, ao mesmo tempo, diminuir a pena em percentual maior que próprio aumento. Simples, pois!

E, na medida em que não há qualquer prognose do legislador, tem-se que se deve partir dos motivos implícitos que o levaram a aumentar a pena mínima para 5 anos, isto é, a penalização era diminuta e a pena mínima não atendia minimamente o desvalor da ação de traficar ilicitamente (observe-se, conforme já mencionado, que estatísticas e relatórios comprovam o aumento do consumo de drogas e do tráfico ilícito de entorpecentes no país). Pois exatamente a partir dessa motivação é que a diminuição – repita-se, totalmente excepcional, porque assistemática (bastando examinar o restante do Código Penal e da legislação) — é inconstitucional.

Pretendendo ser mais claro: a quebra do princípio da integridade provoca também retrocesso social no combate ao crime de tráfico de entorpecente. Ou seja, uma vez eleita pelo próprio legislador constituinte a via da criminalização (sem direito sequer a graça e anistia) do crime de tráfico de drogas e já estando em vigor legislação que atendia ao comando constitucional, parece razoável afirmar que a nova lei desatendeu aos propósitos constituintes. A menos que o mesmo legislador houvesse comprovado que o favor legal, com fortes evidências, proporcionaria uma diminuição da ocorrência do crime tão fortemente combatido pelo legislador constituinte.

Observe-se, ainda, que a análise não esgota seus efeitos na apreciação singularizada dos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes. A se aceitar como legítima e válida — e, portanto, imune ao controle de constitucionalidade — a atuação do Poder Legislativo quando da previsão de diminuição da pena do crime de tráfico de drogas de acordo com a condição pessoal do agente (como ocorre no caso em pauta), teremos que anuir com uma eventual descriminalização ou diminuição da proteção — a critério do legislador infraconstitucional — de crimes como a tortura e o roubo qualificado pelo resultado morte. Enfim, às maiorias parlamentares de ocasião competirá determinar a necessidade de repressão aos crimes hediondos e equiparados. E isso não pode, de forma alguma, ser aceito em um Estado Constitucional.

A agravar a situação, a Lei 11.343/06 trouxe como critérios de diminuição de pena circunstâncias concernentes a um ultrapassado direito penal do autor, não mais aceito em um Estado que se declare Democrático de Direito. A propósito, a doutrina do direito penal do autor, adotada com prevalência pela Escola de Kiel, surgida durante a vertente nacional-socialista da Alemanha e utilizada para legitimar a repressão durante o período nazista é, agora, também de forma equivocada, invocada para a concessão de benefícios. Veja-se, pois, a dimensão do paradoxo! Assim como não é dado ao Führer a preponderância sobre o próprio direito, não se pode proporcionar, em um Estado Constitucional e Democrático de Direito, ao legislador poderes de contrariar a base normativa do Estado, ou seja, a sua Constituição. Aqui, francamente violado o princípio da igualdade: o indivíduo que trafica e que for primário tem tratamento absolutamente diferenciado daquele que não ostenta essa peculiaridade.


Para comprovar a assertiva anterior: seria possível conferir ao genocida ou ao latrocida primário, sem antecedentes criminais e sem envolvimento comprovado em organização criminosa, o favor legal de diminuição de 2/3 da pena? A resposta, que parece simples, conduz à solução da questão proposta: a Constituição não permite ao legislador tal liberdade de conformação. Tampouco o sistema penal — que deve necessariamente ser entendido como um sistema — aceitaria tal descritério na proteção dos bens jurídicos.

Ainda — na mesma linha, considerando-se o princípio da igualdade, a pergunta que deve necessariamente ser feita é: por que não aplicar o favor legal aos demais crimes hediondos? E, melhor ainda, por que não aplicar esse favor legal para aqueles condenados por crimes não hediondos? Lembremos da discussão da extensão da Lei da Tortura para os crimes hediondos no que tange à progressão de regime…! Absolutamente estranha essa preocupação “mitigadora” e “conciliatória” do legislador para com o tráfico de entorpecentes.

No limite, em face do dever de criminalização e do fato de que esta não pode estar dissociada da pena de prisão stricto sensu, não é possível compatibilizar as circunstâncias de se tratar de crime hediondo e, ao mesmo tempo, de crime apenado com pena abstrata mínima que autorizaria tanto a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos quanto à fixação da pena em regime inicial aberto[17]. Claro que a determinação das penas abstratas é tarefa para o legislador, mas o estabelecimento de pena mínima que autorizaria o cumprimento da pena, desde logo, em liberdade é um despropósito.

Com efeito, não se pode conceber que a um crime cuja previsão de punição decorre, dada a relevância e a natureza do bem jurídico protegido, da própria Constituição Federal, possa ser determinada uma pena que, no sistema — não fosse a pontual vedação estabelecida pelos artigos 2º da Lei 8072/90 e 44 da Lei 11.343/06 —, implicaria a substituição, de plano, por penas restritivas de direitos ou o cumprimento da pena em regime prisional aberto, o qual, se fundamenta em autodisciplina e em senso de responsabilidade do condenado. Para tanto, basta a constatação de que é permitido que o apenado trabalhe fora do estabelecimento prisional, sem qualquer vigilância, permanecendo recolhido apenas durante o período noturno e nos dias de folga: trata-se, pois, de regime prisional destinado à reinserção do indivíduo na sociedade. Ou seja, a benesse legislativa transforma o crime equiparado a hediondo em um delito equiparado a crimes de menor gravidade em que em que se autoriza o cumprimento da pena, desde o início, em liberdade; equipara, analisando por outro enfoque, o tráfico de entorpecentes com crimes que autorizam a reinserção direta do apenado em liberdade. E isso é absolutamente incompatível com a determinação constitucional e com os tratados internacionais firmados para o controle e repressão do crime de tráfico de entorpecentes.

Observo — e aqui insisto — que o condenado pelo crime de tráfico beneficiado pelo favor legal instituído no parágrafo 4o do artigo 33 da Lei 11.343/06, apenas não ficará em liberdade em função de vedações que excepcionam a regra geral. Eis aí – na própria edição de regras excepcionais — o reconhecimento da situação deturpada e desproporcional que se criou no ordenamento.

Mais do que isso, o patamar mínimo estabelecido na Lei 11.343/06 — fosse a sanção aplicada no mínimo legal — autorizaria, nos termos do artigo 77 do Código Penal, a Suspensão Condicional da Pena. E é absolutamente incongruente “equiparar” as penas de crimes que permitem a substituição da pena e o regime aberto desde logo (v.g., dano, furto, estelionato, apropriação indébita, calúnia, injúria, difamação, etc.) com um crime do quilate do tráfico.


O falso dilema representado pela alegação de que a anulação de leis penais favoráveis ao réu, via controle de constitucionalidade (difuso e/ou concentrado), viola o princípio da legalidade

Ainda é dominante — no âmbito do Direito Penal brasileiro — a tese de que qualquer lei que venha a trazer benefícios ao acusado está imune ao controle de constitucionalidade, porque isto equivaleria à violação do princípio da legalidade. Trata-se de uma visão equivocada, uma vez que o princípio da reserva legal, antes de ser um dispositivo legal-penal, é um princípio constitucional. O legislador ordinário deve obedecê-lo cada vez que elabora uma lei. Caso contrário, existiria uma zona isenta de controle jurisdicional da constitucionalidade. E, assim, seria considerada lícita até mesmo a descriminalização do crime de estupro.

O controle de constitucionalidade das leis é uma conquista civilizatória. E, obviamente, não poderia haver leis imunes a sindicabilidade. Fosse verdadeira a tese de que a anulação de uma lei que estabelece favores legais ao acusado fere o princípio da legalidade e estaria criado um “enclave penal” no interior do Direito Constitucional. A questão não é nova. Por todos, cito o caso do aborto na Alemanha, já mencionado retro, e o julgamento dos soldados da antiga Alemanha Oriental, conhecido como o “caso Mauerschützen”, em que, após a reunificação, um grupo de soldados da antiga RDA foi condenado por homicídio, por atirarem em fugitivos que tentavam ultrapassar o muro de Berlim. O Tribunal Constitucional alemão (Bundesverfassugnsgericht), examinando o recurso, negou-lhe provimento, (BGHSt 39, 1); também negou provimento ao recurso dos altos funcionários da RDA, condenados pelas mortes de fugitivos por minas terrestres (BGHSt 39, 168, entre outros). O Tribunal Constitucional considerou que as condenações dos acusados pelas instâncias ordinárias não violaram o art. 103, 2, da Lei Fundamental alemã, que trata do nullum crime, nulla poena, sine lege.

Não se pode olvidar o recente caso da anulação, por inconstitucionalidade e por malferimento dos tratados internacionais e da Constituição, da lei da “obediência devida”, que concedeu anistia aos militares argentinos. A referida lei foi declarada inconstitucional, com votos dos Ministros Ricardo Lorenzetti, Juan Maqueda, Eugênio Zaffaroni[18] e Helena Highton de Nolasco, pela Suprema Corte Argentina, fundamentalmente por violar tratados internacionais, firmados pela República Argentina, de proteção aos direitos fundamentais e de combate à tortura e a outros crimes graves. A Corte Argentina decidiu que os delitos que lesam a humanidade, por sua gravidade, não podem ser objetos de indulto, uma vez que não só afrontam a Constituição, como, também, toda a comunidade internacional. Em suma, acabou por reconhecer o dever de proteção, não só por parte do Estado, mas, também, por parte de toda a comunidade internacional[19].

A importância dos tratados internacionais firmados pelo Brasil

A par da importância dos próprios tratados internacionais utilizados como parâmetro para a declaração de inconstitucionalidade de leis como a da “obediência devida”, na Argentina, já anteriormente assinalada, importa também registrar o reforço hermenêutico de tais documentos (acordos, tratados, convenções, etc.) para a aferição da invalidade do citado parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06. Nesse sentido, embora no Brasil essa questão ainda esteja controvertida[20] (principalmente no que tange aos tratados e convenções internacionais ratificados anteriormente à Emenda Constitucional 45/04), isto é, se os tratados internacionais servem, de per si, para a declaração da inconstitucionalidade de legislação ordinária que com eles se confronte, não se pode negar a força do direito internacional para encontrar respostas e soluções para casos análogos que exsurgem no direito interno. Sua força hermenêutica é inegável.


Relembre-se, na especificidade “combate ao crime de tráfico de entorpecentes”, a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, concluída e assinada em Viena, internalizada, no Brasil, sob a forma do Decreto 154, em 1991, que estabelece — tendo por preocupação a magnitude e a crescente tendência da produção, da demanda e do tráfico ilícitos de entorpecentes e de substâncias psicotrópicas, que representam uma grave ameaça à saúde e ao bem-estar dos seres humanos e que têm efeitos nefastos sobre as bases econômicas, culturais e políticas da sociedade, e, ainda, a crescente expansão do tráfico ilícito de entorpecentes e de substâncias psicotrópricas nos diversos grupos sociais e, em particular, pela exploração de crianças em muitas partes do mundo, tanto na qualidade de consumidores como na condição de instrumentos utilizados na produção, na distribuição e no comércio ilícitos de entorpecentes e de substâncias psicotrópicas, o que constitui um perigo de gravidade incalculável, reconhecendo que os vínculos que existem entre o tráfico ilícito e outras atividades criminosas organizadas, a ele relacionadas, que minam as economias lícitas e ameaçam a estabilidade, a segurança e a soberania dos Estados e também que o tráfico ilícito é uma atividade criminosa internacional, cuja supressão exige atenção urgente e a mais alta prioridade em seu artigo 3º, itens 1, 2 e 4, que os países/partes que ratificarem o tratado devem adotar as medidas necessárias para caracterizar como delitos penais em seu direito interno quando cometidos internacionalmente uma série de condutas caracterizadoras de tráfico ilícito de entorpecentes e que deverão dispor de sanções proporcionais à gravidade dos delitos.

No mesmo sentido refiram-se, ainda, as convenções de Genebra para a Repressão do Tráfico Ilícito das Drogas Nocivas, de 1936, e de Nova York, de 1961, bem como o acordo assinado, entre os países de Língua Portuguesa (1997) visando à Redução da Demanda, Prevenção do Uso Indevido e Combate à Produção e ao Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, firmado em Salvador. Existe, ainda, uma série de acordos firmados entre o Brasil e países como Espanha (1999), Romênia (1999), Peru (1999), Itália (1997), África do Sul (1996), México (1996), Estados Unidos (1995), Rússia (1994), para mencionar, exemplificativamente, apenas estes, todos com a finalidade de integração para prevenção, controle e combate do crime de tráfico ilícito de entorpecentes.

Conclusão: a solução do problema via controle de constitucionalidade concentrado e difuso

Falar do lado “esquecido” do dever de proteção do Estado é tarefa difícil e delicada. Afinal, está-se a contrapor e a pôr em xeque teses até pouco tempo tidas como imodificáveis. Parece óbvio que o direito penal é um campo especial do direito. Mas, por outro lado, é necessário verificar se o novo paradigma exsurgente do Estado Democrático de Direito não necessita alterar a antiga contraposição Estado-sociedade ou Estado-indivíduo.

E por que isto? Porque o Estado não é mais inimigo, como já referido à saciedade. Trata-se de outro Estado. E, convenhamos, trata-se também de outra criminalidade. Tanto o Estado quanto a criminalidade mudaram desde a ruptura provocada pelas teses da Ilustração. É preciso compreender que o grau de autonomia atingido pelo direito após os seus fracassos decorrentes das duas grandes guerras aponta, agora, mais e mais, para uma co-responsabilidade entre o legislador e o poder de aplicação da lei. A antiga “blindagem” do legislador — e, lembremos que, sem a devida blindagem constitucional, a política solapou o direito — deve dar lugar a um amplo processo de controle da compatibilidade formal e material da legislação ordinária com as constituições.


E qual é a razão que justificaria que o direito penal poderia escapar dessa nova concepção/formatação da relação entre os poderes do Estado? Ora, a regra contramajoritária, aplicada nos restritos limites da Constituição, pode, sim, alterar os escopos de determinada norma penal. Não fosse assim, o legislador teria total liberdade de conformação. Tais questões devem ser encaradas de frente pelos penalistas e pelos constitucionalistas. Entendo, pois, que deve haver a suspensão dos pré-juízos forjados em um imaginário liberal-individualista.

Para ser mais explícito: devemos admitir que o legislador penal comete equívocos e que estes podem trazer malefícios à sociedade. Ademais, constitui tarefa do legislador demonstrar, nas hipóteses em que deseja abandonar as funções clássicas do direito penal — e isso não lhe é vedado —, as razões pelas quais faz determinadas escolhas. Essa questão assume foros de maior gravidade quando se está em face de um comando explícito de criminalização, isto é, querendo ou não, o legislador não pode deixar de considerar o tráfico de entorpecentes como crime de extrema gravidade, ao lado da tortura e do terrorismo.

Isso significa dizer que o legislador não poderá fazer “desvios” hermenêuticos a partir da utilização de um afrouxamento que transforma a principal incidência do delito — o tráfico stricto sensu — em um crime cuja pena pode chegar a menos de 2 anos de reclusão, o que, comparável com as demais penalizações, escancara esse desvio cometido pela nova lei. Tal circunstância viola os princípios da integridade, coerência e igualdade. Além disso, como bem diz Dworkin, o direito deve ser decidido a partir de argumentos de princípio, e não de políticas (o favor legal de 2/3 é nitidamente um aparato legal de conveniência). Certamente tal diminuição não decorre de algum argumento principiológico…! Aliás, no caso em pauta, sequer o legislador apresentou razões para essa estranhíssima previsão de um favor legal que ele não tem concedido para os demais crimes.

É evidente que se poderá replicar que o legislador ordinário, ao conceder o favor legis de até 2/3, deixou ao juiz a possibilidade de aplicá-lo ou não. Tal questão, contudo, não assume relevância, uma vez que a tradição jurisprudencial tem apontado para a circunstância de que, via de regra, o desconto máximo beira a um direito subjetivo do acusado, o que, aliás, é medida correta. Também se poderia argumentar que, assim o fazendo, o legislador não descriminalizou ou tornou impunível a conduta de um crime hediondo, estando dentro de sua esfera de liberdade de conformação estabelecer esse patamar de até 2/3. Ocorre que, novamente, há que se atentar para o comando de criminalização constante no inciso constitucional.

Ora, se proíbe-se graça ou anistia, é porque não se pode admitir um apenamento equivalente ao conferido aos crimes de menor gravidade de nosso sistema, em que o apenado, como regra, desde já, é colocado em liberdade (veja-se que pena poderá atingir 1 ano e 8 meses). E, a toda evidência, não é esse o desiderato do constituinte, ou seja, mesmo que se diga que as leis são compostas de vaguezas e ambigüidades, há claros limites semânticos que limitam interpretações despistadoras como a feita pelo legislador da Lei 11.343/06. E não devemos esquecer uma questão das mais relevantes, óbvia, mas que merece destaque e lembrança nas palavras de Hans-Heirich Jescheck[21] Die Freiheitsstrafe ist als Rückgrat des Strafensystems bestehen geblieben, da sie für dir schwere u. die durch Geldstrafe nich ausreichend zu erfassende mittlere Kriminalität sowie auch für der häuchfigen Rüchfall die einzing Reaktion ist.


§§§

Por todas as razões enunciadas, padece de inconstitucionalidade o parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06, por violação do dever de proteção (Schutzplicht) a partir da proibição da proteção insuficiente (Untermassverbot) e do princípio da igualdade, em face da quebra da integridade do sistema.

Assim,

I. Em sede de controle concentrado, deve-se declarar a inconstitucionalidade do aludido parágrafo 4º da Lei 11.343/06, com um apelo ao legislador (Appellentscheidung), isto é, se o legislador desejar, de fato, conceder favores legais, que o faça sem violar a Constituição Federal e os tratados internacionais formados pelo Brasil; de todo modo, neste caso, o dispositivo resta nulo, írrito, nenhum.

II. Em sede de controle difuso (juiz singular e Tribunais), igualmente é possível deixar de aplicar o dispositivo, de dois modos: primeiro, pelo juiz de direito, que poderá deixar de aplicar o dispositivo (no Brasil, qualquer juiz pode deixar de aplicar um a lei sob fundamento de sua inconstitucionalidade); segundo, por qualquer Tribunal da federação. Se o Tribunal, por seu órgão fracionário, optar pela nulidade pura e simples do parágrafo em questão, terá que suscitar o incidente de inconstitucionalidade, nos termos do art. 97 da Constituição. A conseqüência é que ao acusado não será concedido o favor legal de diminuição da pena constante no aludido parágrafo 4º.

III. A opção pela elaboração de uma decisão redutiva (inconstitucionalidade parcial sem redução de texto) por juízes e tribunais

Enquanto não for declarado inconstitucional o citado dispositivo (§ 4º. do art. 33) em sede de controle concentrado — para o qual é recomendável que se provoque, de imediato, através de ADI, o Supremo Tribunal Federal — parece razoável, de forma opcional e para resolver problemas concretos, incentivar que juízes singulares e órgãos fracionários elaborem sentenças redutivas, a partir do mecanismo da inconstitucionalidade parcial sem redução de texto. Isso pode ser feito a partir de subsídios do direito alienígena e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal do Brasil. Com efeito, do direito alemão aprendemos que, por vezes, podemos salvar um texto jurídico, não o declarando inconstitucional, a partir de uma adição de sentido. É o caso da verfassunsgskonforme Auslegung (Interpretação Conforme a Constituição). Em outros, retira-se uma das incidências da norma, isto é, na hipótese de se querer expungir da norma um dos sentidos que são contrários à Constituição. Neste caso, estar-se-á em face de uma Teilnichtigerklärung ohne Normtextreduzierung (Nulidade Parcial sem Redução de Texto). Em ambos os casos, não há mutilação formal do texto. Altera-se, apenas, o seu sentido.


Uma pergunta, desde logo, se impõe: a nulidade parcial sem redução de texto e a interpretação conforme a Constituição podem ser aplicadas pelo juízo singular e pelos demais Tribunais, ou tal aplicação se afigura como prerrogativa exclusiva do Supremo Tribunal Federal? Estou convencido de que não há qualquer óbice constitucional que impeça juízes e tribunais de aplicarem a interpretação conforme e a nulidade parcial sem redução de texto. Entender o contrário seria admitir que juízes e tribunais (que não o STF) estivessem obrigados a declarar inconstitucionais dispositivos que pudessem, no mínimo em parte, ser salvaguardados no sistema, mediante a aplicação das citadas técnicas de controle. Por que um Juiz de Direito — que, desde a Constituição de 1891, sempre esteve autorizado a deixar de aplicar uma lei na íntegra por entendê-la inconstitucional — não pode, também hoje, em pleno Estado Democrático de Direito, aplicá-la tão-somente em parte?

O mesmo se aplica aos Tribunais, que, na especificidade da Interpretação Conforme a Constituição e da Nulidade Parcial sem Redução de Texto, estão dispensados de suscitar o incidente de inconstitucionalidade.[22] Refira-se que em nada fica maculado esse entendimento em face da recente edição da Súmula Vinculante 10 ("Viola a cláusula de reserva de plenário [CF, artigo 97] a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta a sua incidência no todo ou em parte.") do Supremo Tribunal Federal. Ela não se aplica à Interpretação Conforme e nem à Nulidade Parcial de Redução de Texto. E explico o porquê: assim como uma decisão de Nulidade Parcial sem Redução de Texto (também chamada de decisão de inconstitucionalidade parcial qualitativa,) feita pelo STF não necessita ser enviada ao Senado, não cabe exigir incidente de inconstitucionalidade, não havendo, assim, violação ao full bench (art. 97 da CF). Isso porque, tanto na Interpretação Conforme a Constituição quanto na Nulidade Parcial sem Redução de Texto, não há expunção de texto ou parte de texto normativo, apenas havendo o afastamento de uma das incidências do texto. Como há vários sentidos, e o Tribunal opta por um deles (na Interpretação Conforme há uma adição de sentido), na nulidade parcial qualitativa o resultado hermenêutico faz com que o texto permaneça com um minus. Na medida em que, em ambas as hipóteses, o texto permanece em sua literalidade, não há que se falar em incidente de inconstitucionalidade. Aliás, não haveria como operacionalizar o incidente de inconstitucionalidade de um sentido de um texto. Numa palavra, a Súmula 10 é aplicada apenas aos casos em que há inconstitucionalidade com redução de texto.

III.I. A fórmula para a aplicação da nulidade parcial sem redução de texto.

Aplicando a nulidade parcial sem redução de texto, tem-se que determinado dispositivo é inconstitucional se aplicado à hipótese “x”. No caso sob análise: o artigo 33 da Lei 11.343/06 (§4º.) será inconstitucional se aplicável de forma a possibilitar que ao condenado seja aplicada pena mínima inferior a 03 anos de reclusão. O dispositivo será inconstitucional se a sanção aplicada vier a contrariar o comando constitucional de resposta rigorosa ao crime de tráfico ilícito de entorpecentes, de forma que a defasada pena estabelecida pela legislação anterior à Constituição Federal seja, ainda, abrandada, afrontando, assim, os propósitos constitucionais e os tratados assinados e ratificados com o objetivo de punir de forma mais veemente o crime de tráfico de entorpecentes. Ou seja, o critério, em face da nulidade do parágrafo 4º passa a ser o preceito secundário do art. 12 da Lei 6.368/76, que estabelece a pena mínima de 03 anos para o tráfico de entorpecentes. Isto é, se a lei anterior estabelecia a pena mínima de 03 anos e não concedia “desconto” de pena pela qualidade pessoal do acusado (primariedade), a nova lei não poderá ser aplicada em patamar que diminua a repressão a patamares abaixo da pena mínima anterior. Conseqüentemente, aplicada a técnica da nulidade parcial, a pena mínima deve ser de 3 anos.


III.II. Justificativa.

A possibilidade de fixação de pena mais branda não configura resposta adequada à repressão do crime de tráfico de entorpecentes, conforme comando constitucional do constituinte originário (mandado de criminalização, com vedações a priori). Ou seja, a impossibilidade de fixação de pena inferior a 03 anos de reclusão passa a ser condição de possibilidade para a aferição da incidência do tipo penal. Nesse sentido, especificamente, sobre o modo de aplicação da nulidade parcial sem redução de texto, ver ADI 319, rel. Min. Moreira Alves, RTJ 137, pp. 90 e segs.; também as ADI 491, 939 e 1045.

Trata-se de aplicar, mutatis mutandis, aquilo que no direito português se denomina de decisão redutiva. Ou, melhor ainda, na acepção Jean-Claude Béguin (Le controle de la constitutionnalité de lois em République Fédérale d´Allemagne), trata-se de “anulação parcial qualitativa” (quando a norma, no seu conjunto, não deve ser aplicada a certa situação, por tal aplicação ser inconstitucional). Nesse sentido, há um interessante precedente jurisprudencial da então Comissão Constitucional (que antecedeu o Tribunal Constitucional português): em face de uma norma que regulava as atenuações extraordinárias previstas no art. 298, prevendo certas atenuações obrigatórias, verificadas determinadas circunstâncias, entendeu-se declarar a norma parcialmente inconstitucional na parte em que consagrava as referidas atenuações extraordinárias obrigatórias (ou legislativas, como são designadas no texto do acórdão) considerando-se que seriam, porém, admitidas como meramente facultativas para os juízes (Diário da República de 29 de dezembro de 1978, p.40).[23]

IV. Palavra final:

Como advertência derradeira —necessária em face dos mal-entendidos que podem ser gerados a partir de leituras ideológicas (no sentido tradicional da palavra) à aplicação da tese da proibição de proteção insuficiente, mormente se feitas sem o devido contexto constitucional e constitucionalizante em que deve ser posta a discussão – e o faço com base no alerta do pesquisador e professor de Sociologia Jurídica da Universidade Federal do Pernambuco, Luciano Oliveira, por vezes parece que nos esquecemos da relevante circunstância de que a segurança é, ela também, direito humano:

“E não estou falando retoricamente, estou falando textualmente… Entretanto, geralmente nos esquecemos disso. Na verdade, tão raramente nos lembramos disso que seria o caso de perguntar se algum dia “soubemos” de tal coisa — isto é, que a segurança, a segurança pessoal, é um dos direitos humanos mais importantes e elementares. E, como disse, estou falando textualmente, com base nos documentos fundamentais dessa tradução, sejam as Declarações inaugurais da Revolução Francesa de fins do Século XVIII, seja a Declaração da ONU de 1948. Está lá, já no artigo 2º da primeira Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: os direitos ‘naturais e imprescritíveis do homem’ são ‘a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão’ — grifei. Declaração tipicamente burguesa, dir-se-ia. Mas é bom não esquecer (ou lembrar) que em 1793, no momento em que a Revolução empreende uma guinada num sentido social ausente na primeira —uma guinada a esquerda, na linguagem de hoje -, uma nova Declaração aparece estabelecendo, em idêntico artigo 2º, praticamente os mesmos direitos: ‘a igualdade, a liberdade, a segurança, a propriedade’ (in Fauré, 1988: 373) — grifei. Mais adiante, o artigo 8º definia: ‘A segurança consiste na proteção acordada pela sociedade a cada um de seus membros para a conservação de sua pessoa, de seus direitos e de suas propriedades” (idem p. 374).

E acrescenta o jurista pernambucano:


“Cento e cinqüenta anos depois a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU — na qual figuram, ao lado dos direitos civis da tradição liberal clássica, vários direitos sócio-econômicos do movimento socialista moderno — repetia no seu artigo 3º: ‘Todo indivíduo temo o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. E, no entanto, esse é um direito meio esquecido. No mínimo, pouco citado. Ou, então, citado em contextos onde o titular dessa segurança pessoal aparece sempre como oponente de regimes ditatoriais atingido nesse direito pelos esbirros de tais regimes. Dou um exemplo significativo: numa publicação patrocinada pela UNESCO em 1981, traduzida entre nós pela Brasiliense em 1985, seu autor, ao comentar esse direito dá como exemplo o caso de Steve Biko, ativista político negro torturado e morto pela polícia racista da África do Sul em 1977. E comenta: ‘O caso Steve Biko é apenas um exemplo bem documentado de uma situação em que o Estado deixou de cumprir sua obrigação de assegurar e proteger a vida de um indivíduo e em que violou este direito fundamental que, infelizmente, tem sido violado pelos governos em muitas partes do mundo’ (Levin, 1985: 55 e 56). Ou seja: por razões que são, reconhecemos, compreensíveis, a segurança pessoal como direito humano, quando aparece na literatura produzida pelos militantes, é sempre segurança pessoal de presos políticos, ou mesmo de presos comuns, violados na sua integridade física e moral pela ação de agentes estatais. Ora, com isso produz-se um curioso esquecimento: o de que o cidadão comum tem também direito à segurança, violada com crescente e preocupante freqüência pelos criminosos.” (grifei)[24]

É nesse contexto que se inserem as presentes reflexões. E para não haver mal-entendidos, faço minhas as duas advertências enfáticas de Oliveira (ibidem) sobre o assunto: a primeira é a de que, com isto, não estou aderindo ao conhecido e, no contexto em que é dito, estúpido slogan “e os direitos humanos da vítima” — com o que os inimigos dos direitos humanos procuram desacreditar a dura luta a seu favor num país como o Brasil. Já a segunda remete ao fato de que de forma alguma estou considerando com a mesma medida as violações de direitos humanos perpetrados por regimes ditatoriais e as violências praticadas por bandidos — mesmo se ambos são celerados.


[1] Nesse sentido, ver Streck, Lenio Luiz e Copetti, André. “O direito penal e os influxos legislativos pós-Constituição de 1988: um modelo normativo e eclético consolidado ou em fase de transição?”, In: Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNISINOS. São Leopoldo, Editora Unisinos, 2003, pp. 255 e segs.

[2] Cf. Baratta, Alessandro. La política Criminal y el Derecho Penal de la Constitución: Nuevas Reflexiones sobre el modelo integrado de las Ciencias Penales. Revista de la Faculdad de Derecho de la Universidad de Granada, n. 2, 1999, p. 110.

[3] Cf. Baptista Machado, João. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador. Coimbra, Coimbra Editora, 1998.


[4] Cf. Roxin, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3ª. Ed. Lisboa, Coleção Veja Universitária, 1998, p. 76 e segs.

[5] Cf. Sarlet, Ingo. Constituição e Proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência. In: Revista de Estudos Criminais n. 12, ano 3. Sapucaia do Sul, Editora Nota Dez, 2003, pp. 86 e segs. Refira-se, também, do mesmo autor, o texto revisitado: Direitos Fundamentais e Proporcionalidade: notas a respeito dos limites e possibilidades da aplicação das categorias da proibição de excesso e de insuficiência em matéria criminal. In: Revista da Ajuris, ano XXXV, n. 109, Porto Alegre, mai. 2008, pp.139-161. Frise-se que o mencionado autor admite a extensão da proibição de proteção deficiente ao processo penal.

[6] Cf. Cunha, Maria da Conceição Ferreira da. Constituição e Crime. Porto, Universidade Católica do Porto, 1995, pp. 273 e segs.

[7] Cf. Grimm, Dieter. A função protetiva do Estado. In: A Constitucionalização do Direito. Lumen Juris, 2007, pp. 149 e segs.

[8] Nesse sentido, ver Canaris, Claus-Wilhelm. Direitos Fundamentais e Direito Privado. Coimbra, Almedina, 2003.

[9] Ver, para tanto, Richter, Ingo; Schuppert; Gunnar Folke. Casebook Verfassungsrecht. 3.ed. München, 1996, p. 33 e segs; Klein, Eckart. Grundrechtlicheschutzplichtdesstaates, In: Neue Juristische Wochenschrift, 1989; ver também voto Min. Gilmar Mendes na ADIn 3510, em que o assunto é invocado na questão das células embrionárias.

[10] Veja-se, para tanto, os diferentes modos de proteção já citados: Verbotspflicht, Sicherheitspflicht e Risikopflicht.

[11] O voto do Min. Gilmar Mendes refere doutrina de Ingo Sarlet, (Constituição e Proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência. In: Revista de Estudos Criminais n. 12, ano 3. Sapucaia do Sul, Editora Nota Dez, 2003, pp. 86 e segs) e de Lenio Streck (Bem jurídico e Constituição: da Proibição de Excesso (Übermassverbot) à Proibição de Proteção Deficiente (Untermassverbot): de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. Boletim da Faculdade de Direito, vol 80, ano 2004, pp. 303-345).


[12] E, com o advento da Lei 11.313/06, não mais há dúvidas sobre isso, uma vez que suprimido o parágrafo único do artigo 2º da Lei 10.259/01 e alterada a disposição do artigo 61 da Lei nº 9.099/95.

[13] Ver, para tanto, Dworkin,Ronald. Law’s Empire. Londres, Fontana Press, 1986, cap. VI.

[14] Idem, ibidem.

[15] Idem, ibidem.

[16] Cf. Dworkin, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge, Mass., Harvard Universiy Press, 1978.

[17] Veja-se, nesse sentido, que os artigos 44, I e 33, §1, alínea “c”, ambos do Código Penal, respectivamente, autorizam a substituição da pena privativa de liberdade e o cumprimento da pena em regime inicial aberto quando de penas não superiores a 04 anos de reclusão.

[18] Em seu voto, o juiz Eugênio Zaffaroni chama a atenção para a relevante circunstância de que o art. 29 da Constituição Argentina (El Congreso no puede conceder al Ejecutivo nacional, ni las Legislaturas provinciales a los gobernadores de provincia, facultades extraordinarias, ni la suma del poder público, ni otorgales sumisiones o supremacías por las que la vida, el honor o las fortunas de los argentinos queden a merced de gobiernos o persona alguna. Actos de esta naturaleza llevan consigo uma nulidad insanable, y sujetarán a los que los formulen, consientan o firmen, a la responsabilidad y pena de los infames traidores a la patria..) é uma cláusula de obrigação de criminalização, e, exatamente por isso, não poderia o Legislativo ou o Executivo conceder a anistia.

[19] A Suprema Corte Argentina frisou que “la consagración positiva del derecho de gentes en la Constitución Nacional permite considerar que existe un sistema de protección de derechos que resulta obligatorio independientemente del consentimiento expreso de las naciones que las vincula y que es conocido actualmente dentro de este proceso evolutivo como ius cogens. Se trata de la más alta fuente del derecho internacional que se impone a los Estados y que prohíbe la comisión de crímenes contra la humanidad, incluso en épocas de guerra […]Que, en consecuencia, de aquellas consideraciones surge que los Estados Nacionales tienen la obligación de evitar la impunidad. La Corte Interamericana ha definido a la impunidad como "la falta en su conjunto de investigación, persecución, captura, enjuiciamiento y condena de los responsables de las violaciones de los derechos protegidos por la Convención Americana" y ha señalado que "el Estado tiene la obligación de combatir tal situación por todos los medios legales disponibles ya que la impunidad propicia la repetición crónica de las violaciones de derechos humanos y la total indefensión de las víctimas y sus familiares" […]Que lo cierto es que los delitos que implican una violación de los más elementales principios de convivencia humana civilizada, quedan inmunizados de decisiones discrecionales de cualquiera de los poderes del Estado que diluyan los efectivos remedios de los que debe disponer el Estado para obtener el castigo”. [M. 2333. XLII]


[20] Refira-se, nesse sentido, as críticas de doutrinadores internacionalistas ao entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, a partir de 1977, consubstanciado no que se pode chamar de monismo nacionalista moderado, ou seja, na paridade hierárquica entre tratados/convenções internacionais e a lei federal.

[21] Cf. Jescheck, Hans-Heirich. Lehrbuch des Sttrafrecht. Berlin, Duncker u. Humbolt, 1988, p.678 (a pena privativa de liberdade continua sendo a coluna vertebral do sistema penal, porque é a única reação que pode ser adequada para a criminalidade grave e para a criminalidade média não coberta pela multa, assim como para a reincidência freqüente).

[22] Parafraseando Medeiros e Prüm, não se justifica aplicar o regime de fiscalização concreta, ou seja, suscitar o incidente de inconstitucionalidade – que é o modo previsto no sistema jurídico brasileiro de aferir a constitucionalidade no controle difuso de forma stricto senso – aos casos em que esteja em causa tão somente a inconstitucionalidade de uma das possíveis interpretações da lei, pois o juízo de inconstitucionalidade de uma determinada interpretação da lei não afeta a lei em si mesma, não, pondo em causa, portanto, a obra do legislador. Cf. Medeiros, Rui. A decisão de inconstitucionalidade. Lisboa, Universidade Católica, 2000; PRÜM, Hans Paul. Verfassung und Methodik. Berlin, 1977.

[23] Ver, para tanto, CANAS, Vitalino. Introdução às decisões de provimento do Tribunal Constitucional. Os efeitos em particular. Lisboa: Cognitio, 1984, p. 42.

[24] Cf. Oliveira, Luciano. Segurança: Um direito humano para ser levado a sério. Em Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito n.º 11. Recife, 2000., p. 244/245.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!