Intimidação policial

Violência no exercício da função pública tem conotação sedutora

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9 de julho de 2008, 13h30

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, censurou acremente atuação de uma parte da Polícia Federal enquanto aqueles agentes da autoridade, em investigações espalhafatosas, intimidam a cidadania, cercando tais providências de noticiário escandaloso. Além disso, na tramitação de aprisionamentos, os aprisionados são mostrados, ainda agora, com os pulsos trancados por algemas, convocando-se a imprensa antes, obviamente, a participar do espetáculo deprimente.

Muitos daqueles indivíduos submetidos à odiosa prisão temporária, recurso este advindo de conceitos herdados da Alemanha nazista, são absolvidos mais tarde ou, vencido o prazo desse tipo repugnante de prisão provisória, são postos em liberdade porque, se antes não havia indícios suficientes para a prisão, tais indícios não apareceram enquanto encarcerado o investigado.

O ministro presidente do Supremo Tribunal Federal não disse — mas poderia dizer — que uma parte dessa perseguição desenfreada advém da coonestação de membros do próprio Poder Judiciário, cuidando-se de juízes desatentos às conseqüências de atos que, uma vez determinados, não foram cercados dos pressupostos adequados à manutenção da dignidade dos perseguidos.

A presidência do Supremo Tribunal Federal tomou, certamente, atitude rude, mas o fez quando, por via indireta, tinha na consciência o evoluir de agressões à própria Suprema Corte, sabendo-se que tempos atrás houve suspeita de grampeamento de telefones de membros do Supremo Tribunal Federal, isso sem se cuidar de malévolas insinuações sobre a conduta de ministros reconhecidamente inatacáveis, quer em razão do comportamento funcional, quer mesmo na própria vida privada.

Aqueles escritores que estudam ou estudaram o poder e seu dimensionamento cuidam, rotineiramente, dos excessos a que chegam as autoridades porque não coibidas oportunamente. Vem acontecendo, no Brasil, um contágio incrivelmente satânico que envenena desde o agente policial de elevada estirpe até o soldado colocado no primeiro degrau da repressão. A razão é simples: a violência no exercício da função pública, nisto entendida a atividade atrabiliária, tem conotação incrivelmente sedutora. É mais ou menos como acontece às coleções de inverno ou verão lançadas pelos grandes costureiros. Fenômeno imitativo leva o modismo do castelo da duquesa ao quarto humilde da mulher do povo. Entretanto, se é saudável a tentativa de igualamento entre uma e outra, tal exemplo não vale para os beleguins de alta ou baixa posição. O equilíbrio deveria ser imposto pelo próprio Poder Judiciário, mas, desgraçadamente, já há exemplos, felizmente raros, de enfrentamento, no primeiro grau de jurisdição, de decisões normativas da Suprema Corte.

O ministro Gilmar Mendes é intérprete, aqui, do sentimento da cidadania. Afirma-se, por aí, que quem não tem culpa não deve ter medo. Acontece, entretanto, que o juízo de valor quanto à legalidade da renitência do cidadão advém, seguidamente, dos próprios segmentos da autoridade perseguidora. Em outros termos, a reação contra a atividade investigatória discricionária é reprimida, agora, como se na própria resistência o renitente estivesse a cometer pecado grave. O ministro presidente do Supremo Tribunal Federal reagiu para impedir que o fluxo agressivo da intimidação policial chegasse a anomalias maiores, embora já se esteja em imensa extravagância autoritária.

Dentro do contexto, a Ordem dos Advogados do Brasil vem reclamando quase em solidão. Ressoa, no Planalto, a voz da dimensão máxima da jurisdição nacional. Deve valer como advertência. Há algum tempo, o cronista acentuou a existência de um conflito subterrâneo entre aqueles que têm poder demasiado e outros que precisam, por força da própria jurisdição, limitar os esgares do minotauro escabujante. Viu-se, na entrevista do ministro presidente da Suprema Corte, o enfrentamento aberto da situação. Desgraçadamente, a chegança à Corte Suprema é vagarosa e repleta de acidentes processuais, sendo necessário que as porções remanescentes do Poder Judiciário se convençam da necessidade de refrear, aqui e ali, o terror espalhado pelos eflúvios da investigação.

O reequilibrio democrático do um povo é lerdo. Às vezes, a própria globalização do medo leva a cidadania a cooperar na manutenção de básicos preceitos constitucionais. Para tanto, a imprensa precisa colaborar mas, esquisitamente, é um dos fautores sinuosos do aviltamento da dignidade dos cidadãos.

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