Reputação na era digital

Justiça de Mato Grosso está no banco dos réus, diz escritor

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3 de julho de 2008, 17h56

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso vive uma boa crise, apesar de estar em “uma situação de réu”. É o que pensa o jornalista e escritor Mário Rosa, que esteve em Cuiabá nesta quinta-feira (3/7) para discutir a reputação na era digital. Para uma platéia de juízes, desembargadores e outras autoridades locais, ele iniciou sua palestra, no TJ de Mato Grosso, sem meias palavras. “Não vou me esquivar da crise que vive este tribunal. Não sou político e vou começar logo constrangendo”, brincou.

Mário Rosa avaliou superficialmente a briga de dois grupos de desembargadores que envolvem desde acusações de desvio de verbas do TJ para a maçonaria até tráfico de influência. Questionado pela revista Consultor Jurídico sobre a reputação da instituição após o episódio, ele respondeu que “é melhor o debate às claras do que os segredos em caldeirões”.

Durante a palestra, ele afirmou: “O pior que pode acontecer é não acontecer nada”. O caso está no Conselho Nacional de Justiça e no Superior Tribunal de Justiça. O presidente do Tribunal de Justiça mato-grossense, desembargador Paulo Lessa, disse à ConJur que a imagem institucional não foi arranhada com a crise interna. “Foram dados nomes em tudo que foi dito. Então, a instituição ficou preservada”, avaliou.

Big Brother digital

Mário Rosa comentou as críticas recentes do ministro Gilmar Mendes sobre os vazamentos para a imprensa de inquéritos policiais. E alertou para o cuidado que se deve ter com a destruição de imagens públicas. Ele focou sua palestra nas pessoas e instituições que podem ter suas reputações abaladas com o que chamou de “novos perigos tecnológicos”. “Hoje, somos o homo bytes e não mais homo sapiens”, definiu.

Para o jornalista, não é possível viver agora como antes. O mundo, em sua visão, não tem mais fronteiras em quilômetros, mas sim em cliques da internet. Um dano local filmado por celular, por exemplo, se torna global ao ser jogado no site YouTube. Por isso, ele alertou que não se pode mais interpretar as situações com velhos condicionamentos. Ele explicou que, no velho condicionamento, as pessoas encaram um elevador cheio de câmeras apenas como uma cabine privada. No novo condicionamento, é preciso entender que as pessoas viram até notícia no Jornal Nacional se cometerem crimes e pegarem o elevador como se nada tivesse acontecido. As provas filmadas identificam uma troca de roupa entregue à Polícia, por exemplo, entre outros fatos.

Vários casos concretos foram mostrados por ele para embasar sua teoria de que a era digital expõe todos e a reputação está na velocidade do pensamento. Um dos casos mais mencionados foi o do ex-chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios, Maurício Marinho. Ele foi filmado por uma câmera dentro de uma mala recebendo R$ 3 mil de propina para facilitar contratos de empresas com os Correios. Mário Rosa arrancou risadas da platéia ao dizer: “Não tenho provas do que vou falar e posso até ser condenado, mas ouvi dizer que em Brasília há pagamentos maiores de propinas”.

Mário Rosa mencionou também o caso de Alexandre Nardoni e Anna Jatobá, pai e madrasta da menina Isabella, que teve o carro monitorado pelo sistema de GPS. Graças ao sistema, foi possível saber até a hora exata em que o casal desligou o carro no prédio antes da morte da menina Isabella. “Vivemos em um ecossistema digital e somos vigiados o tempo todo”, comentou, ao lembrar ainda vários outros casos de políticos e celebridades flagrados em conversas telefônicas ou filmados fazendo algo inapropriado.

E quem acha que os pequenos erros não são tão importantes, está enganado na visão do jornalista. “Vivemos uma era de proliferação de desgastes. É uma ética nova que se impõe em um novo ambiente”, disse. “Antes o tamanho de um erro era proporcional ao desgaste. Hoje, o pequeno erro tem um desgaste enorme porque se torna global”, afirmou, ao mencionar o caso de uma jovem que deixou de limpar as fezes do seu cão em um metrô na Coréia e o caso foi parar no YouTube. As imagens rodaram o mundo e também foram suficientes para gerar manifestações na porta da casa da jovem.

Ao parafrasear o pintor e cineasta americano Andy Warhol, que disse que “um dia, todos terão direito a 15 minutos de fama”, Mário Rosa afirmou que “hoje, todo mundo tem direito a 15 minutos de escândalo e execração”.

Mera coincidência

O tema abordado por Mário Rosa apenas coincidiu com a crise enfrentada no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, segundo o desembargador Paulo Lessa. A palestra, que teve o apoio da Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso (Esmagis-MT), faz parte da terceira etapa do projeto “Reputação e imagem institucional: compromisso de todos nós”, criado pela Coordenadoria de Comunicação do Tribunal de Justiça no ano passado.

A briga entre dois grupos do Tribunal de Justiça ganhou as páginas dos noticiários este ano. Conforme a revista Consultor Jurídico noticiou, em relatório enviado ao Superior Tribunal de Justiça, Orlando Perri, corregedor-geral de Justiça, afirmou que quatro juízes investigados receberam vantagens salariais irregulares na administração do desembargador José Ferreira Leite e usaram o dinheiro público para socorrer financeiramente investidores ligados à loja maçônica da qual faziam parte. Esses investidores aplicaram suas economias, incentivados pela maçonaria, na Cooperativa de Crédito Poconé-Sicoob Pantanal, de Poconé (MT), que quebrou. A defesa dos magistrados afirmou que as acusações não têm fundamento.

Depois que Perri levou o caso ao STJ, os juízes e desembargador resolveram pedir seu afastamento assim como o do presidente do TJ-MT. Na Representação (Clique aqui para ler) entregue ao Órgão Especial do TJ-MT, os magistrados questionaram a conduta do corregedor na investigação encaminhada ao STJ. O caso está agora no Conselho Nacional de Justiça.

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