Norma desnecessária

Convenção da OIT sobre demissão imotivada é rejeitada

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2 de julho de 2008, 20h41

A Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados rejeitou nesta terça-feira (2/7) a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho, que proíbe a demissão imotivada. Por 20 votos a um, a comissão acolheu parecer do relator, deputado Júlio Delgado (PSB-MG), que foi contrário à ratificação da convenção pelo Brasil.

O relator entende que a legislação trabalhista atual já protege o trabalhador. Por isso, a ratificação da norma é desnecessária. Com a rejeição na comissão, a mensagem presidencial que pedia a sua aprovação é arquivada, segundo Delgado. Uma nova mensagem presidencial com esse conteúdo só poderia ser apresentada na próxima legislatura, em 2011.

Há divergências, no entanto, sobre a interpretação do relator em relação ao arquivamento. Defensores da convenção argumentam que somente duas comissões (Constituição e Justiça e Finanças e Tributação) podem rejeitar projetos. Ainda afirmam que mensagens presidenciais só podem ser arquivadas pelo plenário. O presidente da Comissão, deputado Marcondes Gadelha (PSB-PB), disse que também vai fazer uma consulta à CCJ, a fim de examinar o pedido do relator.

A Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio) divulgou nota comemorando a decisão da comissão. A entidade concorda como o relator. Para ela, os trabalhadores já têm um sistema de proteção. Ele é composto por quatro elementos: aviso prévio de 30 dias, FGTS, 40% de multa e seguro-desemprego. A Fecomercio lembra ainda que dos 181 países que compõem a OIT, apenas 34 ratificaram a Convenção 158.

A aprovação da norma era defendida, por exemplo, pelos juízes do Trabalho. No congresso da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) deste ano, os juízes defenderam a ratificação da convenção.

Caminho do Supremo

Existe outra possibilidade de a convenção voltar a vigorar no Brasil. O Supremo Tribunal Federal discute a constitucionalidade do decreto presidencial que denunciou a convenção e a retirou do ordenamento jurídico nacional em 1996. O julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa.

Editada em 1982, em Genebra, a convenção proíbe a dispensa arbitrária do trabalhador pelo empregador. Em 1992, o Congresso votou um decreto legislativo que colocou a norma no ordenamento jurídico brasileiro. Mas três anos depois, o presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) editou uma denúncia revogando-a.

Leia o relatório contra a convenção

Mensagem 59 de 2008

Submete à consideração do Congresso Nacional o texto da Convenção n° 158, de 1982, da Organização Internacional do Trabalho – OIT, sobre o Término da Relação de Trabalho por iniciativa do Empregador.

Autor: PODER EXECUTIVO

Relator: Deputado JÚLIO DELGADO

I – Relatório

O Excelentíssimo Senhor Presidente da República encaminha ao Congresso Nacional a Mensagem N° 59, de 2008, acompanhada da Exposição de Motivos do Exmo. Sr. Ministro de Estado das Relações Exteriores, para apreciação legislativa em concordância com o art. 49, inciso I, combinado com o art. 84, inciso VIII da Constituição Federal, o texto da Convenção N° 158, de 1982, da Organização Internacional do Trabalho – OIT, sobre o término da relação de trabalho por iniciativa do empregador.

A Mensagem foi despachada para apreciação desta Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional; assim como para a Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público; e para Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, estando sujeita ainda a apreciação do Plenário da Casa.

Em sua Exposição de Motivos, o Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim informa que o presente instrumento “dispõe sobre a proteção do trabalhador contra a despedida sem justa causa e enumera os motivos que não constituem motivos válidos de dispensa por justa causa: filiação sindical; exercício de mandato de representação dos trabalhadores; apresentação de queixa ou participação em processos contra o empregador por violações da legislação; razões relacionadas a raça, cor, sexo, estado civil, responsabilidades familiares, gravidez, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social; ausência do trabalho durante licença-maternidade; e ausência temporária por força de enfermidade ou acidente”.

No documento, Sua Excelência menciona ainda que a referida Convenção ora em análise já havia sido ratificada pelo Governo Brasileiro em 5 de janeiro de 1995, passando a vigorar no país um ano depois, mas que foi denunciada à OIT em 20 de novembro de 1996, por alegado conflito com o art. 7°, inciso I, da Constituição Federal.

Após ser ratificada, a presente Convenção entrará em vigor doze meses após a data de seu registro na OIT, e só poderá ser denunciada a cada dez anos da data inicial de sua vigência, ocorrida em 1985, o que significa que a próxima denúncia só poderá ocorrer em 2015 (Artigo 17, item 1).


É o Relatório.

II – Voto do relator

A Convenção n° 158, de 1982, da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que ora apreciamos, é denominada Convenção sobre o Término da Relação de Trabalho, e restringe as dispensas sem justa causa. Naquela época, durante as votações, o Brasil se posicionou de maneira contrária à aprovação da matéria.

Em seu texto estão elencados os motivos pelos quais o empregador pode ou não despedir um funcionário. Basicamente, a Convenção 158 permite apenas três formas de dispensa: uma se a empresa demonstrar que passa por dificuldades financeiras, outra se houver mudanças tecnológicas e a última se ficar comprovado que o empregado não tem mais condições de exercer suas funções. Caso não concorde com o motivo apresentado para a dispensa, o empregado tem o direito de contestá-lo na Justiça do Trabalho. Se a mesma julgar que não há razão procedente, o empregador fica obrigado a reintegrar o funcionário em seus quadros, pagar os salários e demais benefícios referentes ao tempo em que este ficou afastado, além de, conforme entendimento do juiz, indenizá-lo por perdas e danos, inclusive morais.

Os defensores da ratificação, entendem que a Convenção é importante para frear a rotatividade do mercado de trabalho brasileiro, considerada excessiva, assim como a estratégia de muitas empresas de dispensar empregados de maior custo para contratar outros, para os mesmos cargos, com salários menores. Argumentam ainda que a proteção contra a dispensa sem justa causa eleva a qualidade de vida dos trabalhadores e da sociedade de modo geral.

Já os críticos da matéria, consideram a Convenção antiquada para os tempos modernos. Tendo sido aprovada em 1985, quando a economia era mais fechada evidentemente, não podia ter atualidade no mundo globalizado, que requer renovações contínuas para fazer frente às inovações nas tecnologias e nos modos de produzir. Seu impacto principal no mercado de trabalho tem sido o de inibir a geração de novos empregos, o que é danoso para os jovens e adultos. A dificuldade para despedir leva os empresários a relutarem para criar novas vagas, sem falar na eventual onda de demissões que ocorrerá durante os doze meses que antecederão o início da vigência da Convenção. Ou seja, mais importante dos que os impactos econômicos são os problemas sociais decorrentes da estagnação do emprego.

A seguir, analisaremos os principais pontos que envolvem a ratificação desta Convenção pelo Governo Brasileiro:

1) O Quadro Internacional – dentre os 181 países que compõem a Organização Internacional do Trabalho, apenas 34 adotam a Convenção 158, a saber: Antígua e Barbuda, Austrália; Bósnia e Herzegovina; Camarão; Chipre; República Democrática do Congo; Eslovénia; Espanha; Etiópia; Finlândia; França; Gabão; Iêmen; Lesoto; Letônia; Luxemburgo; Macedónia; Maluí; Marrocos; República da Moldávia; Montenegro; Namíbia; Nigéria; Papua Nova Guiné; Portugal; República Centroafricana; Santa Lúcia; Sérvia; Suécia; Turquia; Ucrânia; Uganda; e República Bolivariana da Venezuela.

Basicamente, estes países podem ser divididos em dois grupos. Em um extremo estão os de baixo nível de desenvolvimento que, na falta de qualquer mecanismo de proteção ao trabalho, agarram-se nesta Convenção. São países que têm uma expectativa de vida muito baixa e uma taxa de desemprego muito alta, alguns, inclusive, não tem nem sequer Justiça do Trabalho, levando as demandas trabalhistas a serem tratadas, quando possível, na Justiça comum. Já o Brasil tem cerca de 8,5% da população economicamente ativa desocupada, ressaltando que temos agora o menor índice dos últimos 14 anos, enquanto o desemprego no Gabão, Santa Lúcia e Sérvia está em torno de 20%; em Camarões, 30%; no Iêmen e na Macedónia, 35%; em Lesoto, 45%.

No outro extremo, encontram-se os poucos países da Europa Ocidental, que possuem economias muito fortes, renda per capita elevada, contratos especiais de trabalho, benefícios previdenciários e seguro desemprego generosos. São nações de população bem menor do que a do Brasil e, em muitos casos, declinante. A França tem 64 milhões de habitantes, uma taxa de crescimento demográfico de 0,5% ao ano e uma taxa de fertilidade de 1,9 filhos por mulher; a Espanha tem 40 milhões, 0,09% e 1,3, respectivamente. Portugal, tem 11 milhões, 0,30% e 1,5; a Suécia, tem 9 milhões, 0,16% e 1,6; a Finlândia, possui 5 milhões, 0,11% e 1,7 filhos por mulher. Como se sabe, países que têm menos de 2,1 filhos por mulher perdem população em termos absolutos. O Brasil, com 191 milhões de habitantes tem uma população uma vez e meia maior do que os cinco países da Europa (somados) que ratificaram a Convenção 158, assim como uma taxa de crescimento demográfico de 1% e dois filhos por mulher.

Portanto, o Brasil encontra-se entre estes dois extremos. Não comunga com os países africanos o baixo nível de desenvolvimento e a falta de garantias trabalhistas e nem é tão rico quanto os países europeus que possuem, ademais, instituições trabalhistas e previdenciárias altamente desenvolvidas. Com uma população numerosa e que continua crescendo, o país necessita gerar um grande número de empregos todos os anos.


Assim, no quadro internacional se o Brasil decidir não ratificar a Convenção, não ficará à margem da maioria das nações e nem nos colocará mal perante a comunidade mundial. Tampouco será uma exceção motivadora de críticas como ocorreu, por exemplo, com os Estados Unidos que se negaram a assinar o Tratado de Kyoto. Afinal menos de 19% dos Estados membros da OIT ratificaram a Convenção, o que reflete a sua desnecessidade para a maioria dos países. Com a farta legislação trabalhista de que dispomos, o Brasil não pode ser acusado de desproteger os empregados. Em outras palavras, no relacionamento com as demais nações do mundo, não haverá o menor constrangimento se a opção for pela não ratificação daquela Convenção.

Em relação aos blocos econômicos que integra, o Brasil está em sintonia com os demais membros. No caso do Mercosul, nenhum dos países que fazem parte da formação original – Argentina, Paraguai e Uruguai – são signatários da Convenção 158, assim como os chamados emergentes que compõem o BRIC -Rússia, Índia e China – e que atualmente disputam intensamente o comércio internacional, que também não a assinaram. O crescimento destes é mais do que o dobro dos países desenvolvidos, sendo que o Brasil é o país com o menor crescimento entre os quatro. O engessamento provocado pela possível adoção da Convenção poderia somente agravar essa posição. A opção entre colocar dinheiro em uma economia dinâmica ou em uma engessada se faz muito clara.

2) Conseqüências nos países que ratificaram a Convenção – alguns dos impactos sofridos pelos países que ratificaram a Convenção 158 podem lançar luz sobre o que pode ocorrer se o Brasil vier a adotar o Tratado. Na Espanha, por exemplo, a Convenção inibiu a geração de novos empregos e o desemprego subiu para níveis perigosos. Em 1994, cerca de 24% da população estava desempregada, o que levou o país a realizar sucessivas reformas para conter a rigidez da Convenção 158. Os resultados dessas mudanças começaram a ser sentidos a partir de 1996. Entre 1996-99, a economia cresceu quase 20%, o emprego aumentou 13% e o desemprego despencou para 15%, tendo descido em 2003 para menos de 10%. A atual política restritiva de imigração, por exemplo, serve para garantir que os poucos empregos gerados no país sejam disputados unicamente pelos nascidos naquela terra.

O caso francês foi ainda mais crítico. O país não conseguiu fazer o que foi feito na Espanha. Em 2005, a desocupação dos jovens bateu na casa dos 23%, e a proporção dos desempregados de longa duração chegou a 41,2%. Dada a sua tradição de excesso de regulação, a França resistiu às reformas propostas pelo Governo, o que comprometeu a sua competitividade e criou uma situação social de grande tensão no país. Em 2007, o crescimento do PIB francês (1,8%) ficou abaixo da média (3%) dos demais países europeus. Na verdade, o país usou as dificuldades da Convenção 158 para conscientemente dificultar o emprego aos jovens filhos de imigrantes, circunstância que continua causando distúrbios públicos naquele país. Para a França, a ratificação parece ter sido um caminho sem volta.

3) O sistema em vigor no Brasil – o país já dispõe de um sistema institucionalizado de proteção ao trabalhador, baseado em quatro pilares: aviso prévio, indenização de 40% sobre o saldo do FGTS, o próprio Fundo e o seguro-desemprego. Tal sistema proporciona uma proteção para o emprego e uma compensação monetária na dispensa sem justa causa.

Para garantir sua eficácia, há uma série de mecanismos que se juntam com o objetivo de proporcionar segurança adicional aos empregados. Alguns são assegurados por Lei, verbas rescisórias e restrições em casos especiais. Outros são estabelecidos por acordo ou convenção coletiva, como é o caso da regulação da dispensa dos que estão próximos da aposentadoria, os que são arrimo de família e os que têm muitos dependentes familiares. Afora isso, há proteção temporária para os casos das gestantes e dos acidentados e até mesmo estabilidade para os dirigentes sindicais, inclusive suplentes.

Com esse sistema, o trabalhador tem segurança e sabe exatamente o que receberá na hora da dispensa, sem necessitar passar por um extenuante e incerto processo judicial. A eventual opção pela Convenção, provocaria a saída de um sistema certo e a entrada em um sistema incerto cujo resultado, além de demorado, é desconhecido.

Essa travessia, mesmo que tentada – como se deu em 1992 – está impedida pela Carta Magna. A Constituição Federal, promulgada em 1988, três anos após o início da vigência da Convenção, recusou o sistema por ela proposto, por já estar ultrapassado e ser conflituoso, tratando nossos constituintes de adotar garantias mais modernas e mais efetivas de proteção ao trabalhador, modelo para outros países. Este é o caso dos países da América Latina que, do México até o Chile, com exceção da Venezuela, adotam o modelo de aviso prévio e indenização.


Naquela época, as propostas da Convenção 158 eram recentes e chegaram a empolgar alguns teóricos, por isso foram discutidas à exaustão. Ainda assim, o constituinte originário rejeitou a proposta, adotando para o país o princípio da indenização na dispensa imotivada (art. 7° da CF/88, e art. 10 do ADCT), afastando qualquer outro sistema, em especial a estabilidade e a reintegração.

A estabilidade que existiu no Brasil até 1966 entrava em vigor após dez anos de trabalho. A estabilidade que decorre da reintegração dos empregados da Convenção 158 entra em vigor no primeiro dia de trabalho, passado o período de experiência. Este tende a ser curto, não dando tempo para o estabelecimento da necessária confiança entre empregador e empregado. Na antiga estabilidade, empregador e empregado tinham dez anos para se conhecer. É uma diferença colossal e que interfere profundamente nas relações do trabalho. Estabilidade a partir do primeiro dia é uma temeridade.

4) A Questão da Rotatividade – para alguns dos defensores da adoção da Convenção 158, a alta rotatividade no país se deve ao fato do empregador buscar dispensar trabalhadores com bons salários para contratar em seu lugar outros com um custo menor. No entanto, é preciso levar em consideração que grande parte da rotatividade decorre da natureza da atividade, como acontece com a construção civil (acabando as obras, acabam-se os empregos), a agroindústria (regida pelos períodos de plantio, cultivo, colheita e produção) e o setor de comércio e serviços (afetados pela sazonalidade do turismo e datas comemorativas). Além disso, parte desta rotatividade é induzida pelas dispensas provocadas pelos próprios empregados, que buscam um acordo com os empregadores (não revelado pelas estatísticas por ser ilegal) para levantar seu saldo do FGTS e o seguro-desemprego.

Argumenta-se que, no Brasil, demitir é barato. Essa afirmativa requer muita qualificação. Na verdade, por força da regulação legislativa, a dispensa de um trabalhador brasileiro implica a despesa de valores de grande monta, já que o custo de admissão e dispensa no país é muito alto, mais de 100% do salário. São despesas que não podem ser negociadas por estarem estabelecidas em Lei ou na própria Constituição Federal. Tal realidade já é um forte inibidor de dispensas no país. Além disso, praticar a rotatividade rotineiramente gera um grande tumulto na empresa e até mesmo no lar. Basta pensar nos problemas que surgem em uma família que decide trocar de empregada doméstica a cada seis meses por razão de salário. Será que existe alguma dona de casa que pratique deliberadamente a rotatividade de sua auxiliar só para pagar salário mais baixo? Não se justifica, portanto, a demissão para contratação por salários menores. Na simples conta matemática, fazer isso é mais oneroso e prejudicial para o empregador.

Em resumo, o alto custo e a restrição de dispensas, tendem a reduzir a rotatividade. Mas isso será uma decorrência da inibição da geração de empregos. Fechando-se a porta de saída, fecha-se a porta de entrada. Ao burocratizar o processo e aumentar as despesas, as empresas evitarão contratar novos trabalhadores, comprometendo, assim, a geração de novos empregos. Trata-se, desse modo, de uma redução artificial e perniciosa da rotatividade.

Há que se considerar ainda que, segundo dados do SEBRAE, de cada 10 micro e pequenas empresas criadas no país, seis fecham as portas antes de completarem um ano de existência. Diante já desta realidade, a adoção da Convenção 158 e seu conseqüente engessamento, este número seria ainda mais catastrófico. Aquele que gera cinco, 10 empregos com carteira assinada, ao passar pela primeira dificuldade e não tendo outra postura para ajustar seu negócio, não terá ele outra opção a não ser demitir, fechar as portas e ir para a informalidade.

5) Emprego, Desemprego e Informalidade – o Brasil possui uma população grande e que continua crescendo e que demanda muitos empregos de boa qualidade. Em 2006, do universo de 97 milhões de pessoas economicamente ativas no país, 89 milhões estavam ocupadas. Entretanto, mais da metade trabalhava na informalidade, sem nenhuma proteção trabalhista ou previdenciária, agravado pelo fato de oito milhões estarem totalmente desempregadas. Ao mesmo tempo, mais de dois milhões e meio de jovens chegaram ao mercado de trabalho a procura de oportunidades. Esse quadro se repete de maneira crescente a cada ano.

A Convenção 158, ao estabelecer uma complexa burocracia nos procedimentos de dispensa sem justa causa, é inibidora da abertura de novas vagas. No caso de discordância em relação aos motivos alegados pela empresa, empregados e empregadores são envolvidos em negociações tensas e prolongadas, gerando incertezas para as duas partes, pois nunca se sabe qual será a decisão do juiz no final do processo, que se arrastará durante anos, posto que esta é a realidade do Judiciário brasileiro, o que acarreta despesas adicionais ao Poder Público.


Tudo isso eleva o custo do trabalho e aumenta a já congestionada Justiça do Trabalho. Em outras palavras, no campo do emprego, o sistema proposto em nada contribuirá para a tão sonhada harmonia nas relações de trabalho, que se espera da evolução dos costumes e das situações concretas criadas pelo crescimento dos setores produtivos nacionais. Poderemos estar, inclusive, determinando uma revolução das ações na Justiça trabalhista, já que o trabalhador, no conflito das leis, terá que demandar, a partir daqui, por direitos que hoje lhe são líquidos e certos.

No caso de países onde o crescimento demográfico é reduzido ou negativo, os prejuízos da não criação de empregos e do próprio desemprego são limitados. Mas, em um país que tem a dinâmica populacional do Brasil e que precisa gerar grandes quantidades de empregos formais, a não criação de vagas tem um efeito devastador para a vida das pessoas, para a rigidez do tecido social e para a formação da juventude.

Neste campo, o quadro já é dramático. Estudos do IPEA mostram que o desemprego entre os jovens brasileiros de 15 a 24 anos é 3,5 vezes maior que entre os adultos com mais de 24 anos. Do total de desempregados hoje existentes, 46% são jovens. A inibição de novos empregos agravará ainda mais a situação da juventude brasileira e o quadro social do país. Ademais, para admitir (poucos), as empresas passariam a exigir uma altíssima qualificação, bloqueando as chances dos menos qualificados e que precisam adquirir experiência profissional em serviço. Isso estimularia ainda mais a contratação informal que não garante nenhuma proteção aos trabalhadores além de prejudicar as finanças da Previdência Social.

Tais efeitos anulariam o grande esforço que o Brasil vem realizando no sentido de acelerar o crescimento econômico e, sobretudo, estimular o avanço dos empregos formais que desfrutam das proteções da legislação atual e dos acordos e convenções coletivas de trabalho. Ou seja, uma medida que é propugnada com a melhor das intenções, na prática, tornar-se-á contrária aos trabalhadores por aprofundar ainda mais as dificuldades existentes no mercado de trabalho para jovens e adultos. Adotar tal Convenção, em um momento tão propício ao crescimento do país, em que dispomos dos melhores índices de empregabilidade das últimas décadas, é remar contra a maré, mexer em caixa de marimbondo.

7) Dificuldades de Atualização da Convenção 158 – alguns dos defensores da ratificação da Convenção 158 pelo Brasil argumentam que esta pode ser adaptada às necessidades e especificidades do país onde está sendo adotada. Realmente seu texto legal permite algumas alterações, mas estas são muito complexas e de difícil aprovação antes da ratificação. Por exemplo, para se excluir determinadas categorias de trabalhadores assalariados das exigências impostas pela Convenção, há necessidade de que seja firmado um acordo prévio entre as organizações de empregadores e de trabalhadores nesse sentido. Mesmo assim, as leis nacionais precisam proporcionar a esses trabalhadores proteções iguais ou equivalentes às da Convenção 158 (Artigo 2° itens 4 e 5).

No caso de o país não estar satisfeito com o impacto e os desdobramentos causados pela vigência da Convenção, o eventual abandono desta só poderá ocorrer depois de dez anos. No Brasil seria em 2015. Isso porque o art. 17, item 1, determina que a denúncia só pode ser realizada a cada dez anos a partir da entrada em vigor da Convenção (1985).

Ressaltamos ainda que, em 1992, o Congresso Nacional chegou a aprovar a ratificação da Convenção 158 pelo Brasil. Em razão disso, foi impetrada, em 1996, no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI/1480). No julgamento da ação, o Plenário do Supremo Tribunal Federal examinou o mérito da questão declarando que o texto da Convenção era apenas uma norma programática, que deveria ser objeto de lei nacional com a devida adequação à Constituição do Brasil, deixando decretado que tratado internacional ou convenção não podem atuar como sucedâneo de Lei Complementar prevista na Constituição Federal, conforme reproduzido a seguir:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – CONVENÇÃO N° 158/OIT – PROTEÇÃO DO TRABALHADOR CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA – ARGUIÇÃO DE ILEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DOS ATOS QUE

INCORPORARAM ESSA CONVENÇÃO INTERNACIONAL AO DIREITO POSITIVO INTERNO DO BRASIL (DECRETO LEGISLATIVO N° 68/92 E DECRETO N° 1.855/96) (…) ALEGADA TRANSGRESSÃO AO ART. 7°, I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E AO ART. 10, I DO ADCT/88 – REGULAMENTAÇÃO NORMATIVA DA PROTEÇÃO CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA, POSTA SOB RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR – CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE TRATADO OU CONVENÇÃO INTERNACIONAL ATUAR COMO SUCEDÂNEO DA LEI COMPLEMENTAR EXIGIDA PELA CONSTITUIÇÃO (CF, ART. 7°, I) – CONSAGRAÇÃO CONSTITUCIONAL DA GARANTIA DE INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA COMO EXPRESSÃO DA REAÇÃO ESTATAL À DEMISSÃO ARBITRÁRIA DO TRABALHADOR (CF, ART. 7°, I, C/C O ART. 10, I DO ADCT/88)


(… ) PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR DEFERIDO, EM PARTE, MEDIANTE INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS.”

Assim, em sua preliminar, o STF decidiu duas das mais graves questões pertinentes a esta matéria – uma de forma e outra de mérito, a saber: 1) o texto da Convenção não pode substituir a lei complementar prevista na Constituição em seu art. 7O , inciso I; e 2) que a própria lei complementar, quando editada, não poderá alterar a garantia de indenização compensatória na dispensa sem justa causa e nem introduzir procedimentos que levam à reintegração e estabilidade. Uma, veta a conquista da outra, que foi inserida pelo constituinte originário na Constituição Federal de 1988.

Esses dois fundamentos constitucionais são absolutos e inalteráveis, segundo decretou nossa Suprema Corte, neles reconhecendo a existência de princípio constitucional. Portanto, a Carta Magna não admite a figura da reintegração e sim exige o mecanismo da indenização (art. 7°, I da CF/88).

O governo brasileiro, diante deste decreto judicial, admitiu o equívoco, recuou e denunciou a Convenção 158, dela se desligando conforme ela própria o permitia, sob os seguintes termos:

“Na verdade, a Convenção poderia, de um lado, ser invocada para justificar demissões excessivas e indiscriminadas, baseadas em motivos gerais e vagos do lado da empresa, estabelecimento ou serviço”, como indicado no Artigo 4, por outro lado, abriria a possibilidade para uma proibição ampla de dispensas o que não seria compatível com o programa atual de reformas econômicas e sociais e modernização. A Convenção foi vista como um retorno no esforço de reduzir a intervenção do Estado e estimular a negociação coletiva. (…)

Essa incerteza quanto ao alcance de aplicação do disposto na Convenção geraria, no contexto do sistema legal brasileiro, baseado na lei positivada, insegurança e conflitos, sem nenhuma vantagem prática para a melhoria e modernização das relações de trabalho.

Tradução da Denúncia apresentada à OIT pelo Embaixador brasileiro em Genebra, Celso Lafer, em 20/11/1996 “

“Despertam especial preocupação as disposições da Parte III, Artigos 13 e 14, que regulam o término da relação de trabalho por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos (…)

Tais preceitos traduzem abandono do modelo juslaboralista nacional e, sem embargo de possíveis vantagens da inovação, surge o inevitável receio de que o rompimento do vínculo de trabalho por motivos ligados à atividade da empresa, preste-se para a elevação vertiginosa das rescisões contratuais que não geram pagamento de tradicionais direitos rescisórios do empregado. De fato, poucas empresas nacionais ou internacionais, no contexto da acirrada competitividade que se impôs sobre a economia mundial, deixam de ter motivos econômicos ou tecnológicos ou ainda estruturais para dispensar trabalhadores. (… )

Ante o empenho de modernizar a legislação trabalhista, situado no objetivo maior do Governo Federal de otimizar produtividade e qualidade no âmbito das empresas, e negociação entre estas e seus empregados, a Convenção 158 da OIT tem inspirado movimento oposto, que fomenta a intervenção estatal e reduz o círculo de mobilidade dos interlocutores. (… )

É preciso que a adesão a Tratados e a outros ditames da ordem jurídica internacional seja precedida de uma avaliação prospectiva do comportamento econômico e político do País ante a comunidade internacional ou perante os seus parceiros regionais. Nesse ponto, ressalta-se que no Mercosul, somente o Brasil aderiu a esta Convenção, procedimento aliás só ocorrido, em toda a América, pela Venezuela. Tal análise, porém, não deve ser única, mas reiterada periodicamente, para que a constante alteração das circunstâncias não isole ou escravize a Nação por conta de compromissos assumidos no passado, os quais, se puderam ter algum apelo positivo ao momento de sua assunção, representam, depois, obstáculos ao bom desenvolvimento das diretrizes governamentais.

Exposição de motivos do Ministro do Trabalho Paulo Paiva em carta enviada ao Presidente da República em 14/11/1996″

A busca pela proteção dos trabalhadores é assunto importante para a grande maioria dos países do mundo, mas não com medidas restritivas como as observadas na Convenção 158 da OIT e sim através de prazos de notificação de dispensa, indenizações e outras compensações, como já ocorre no Brasil. Sem falarmos nas dispensas reguladas por acordos ou convenções coletivas, muitas vezes bem mais detalhadas do que a legislação vigente no país, e que têm o mérito de serem elaboradas e aprovadas pelos maiores interessados, os trabalhadores. Nesse sentido, o Brasil está em harmonia com a maior parte das nações não havendo, portanto, nenhum constrangimento de ordem internacional, se o país continuar com o sistema atual.

Hoje, nosso país, por meio do FGTS (criado justamente para substituir o mecanismo de estabilidade, análogo ao proposto pela Convenção 158), da multa rescisória e do seguro desemprego, já conta com um sistema mais eficiente do que o proposto pela Convenção. É mais simples, menos conflitivo, com benefícios para o empregador e para o empregado. Um sistema que estaria ameaçado com a ratificação desta Convenção, ou seja, estaremos colocando em risco a permanência desses benefícios.

A eventual adoção da Convenção 158, ao contrário, criaria um verdadeiro conflito de interesses sem o necessário processo de solução. São problemas graves que afetam as empresas e os trabalhadores. Como pode uma empresa obter crédito de uma instituição financeira se é obrigada a declarar perante um juiz que sua situação econômica não está boa? Como fica a sua imagem diante seus fornecedores e consumidores?

Por outro lado, como fica a carreira de um empregado quando é sentenciado por um juiz como incapaz de exercer determinadas funções? Não estaremos descredenciando-o para ocupar um novo posto de trabalho?

O constituinte brasileiro foi mais sábio em recusar esses permissivos retrógados e prejudiciais para ambas as partes, preferindo criar princípios modernos no próprio texto constitucional concretizados no conjunto de proteções fundamentais: a compensação indenizatória pelo empregador, o sistema intocável do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e o seguro desemprego pelo Estado. Este regramento comprovadamente eficiente e moderno, aplicável por força dos comandos constitucionais sem debates judiciais, é excludente, por sua natureza institucional, de qualquer outra solução regressiva por absoluta impossibilidade de cumulação.

Em função do enorme prejuízo para os trabalhadores, para a geração de empregos, para o crescimento interno e a competitividade internacional do país, aponta-se para a desnecessidade da adoção da Convenção 158. Em seu texto, está claro que esta não se aplica quando se chocar com as leis nacionais (artigo 1°) e, no caso do Brasil, isso ocorre com a própria Constituição Federal. Pelo fato da ratificação vir carregada de inconstitucionalidade, não poderia, como legislador e, principalmente, pela nossa formação, manifestarmo-nos favoráveis à tal proposta, justamente quando nós, constituintes derivados, comemoramos 20 anos de promulgação de nossa Carta Magna. Pelas razões descritas acima e diante das mesmas, somos pela rejeição da Mensagem n° 59, de 2008.

Sala da Comissão, em

Deputado JÚLIO DELGADO

Relator

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