Chame o ladrão

Invasão de domicílio sem ordem judicial garante indenização

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30 de janeiro de 2008, 13h21

Invasão de domicílio, mesmo que seja por suspeita de crime, deve ser sempre autorizada por ordem judicial. Motivo: sem ordem judicial, há violação da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio. Com esta consideração, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça mineiro condenou o estado de Minas Gerais a pagar R$ 7,6 mil de indenização por danos morais para José Anastácio de Barcelos.

Ele foi acusado de criar pássaros irregularmente. A Polícia Militar entrou em sua casa, sem ordem judicial, e apreendeu os animais. Quando ele conseguiu comprovar a inocência, um dia depois dos fatos, descobriu que os pássaros foram furtados mesmo estando dentro de abrigos da Polícia Militar.

Os fatos aconteceram em 2001. De acordo com o processo, 11 pássaros criados por Barcelos foram apreendidos. O motivo da invasão foi uma denúncia anônima, que apontava irregularidades na criação dos pássaros. Foi apurado que Barcelos tinha toda a documentação pertinente aos pássaros, inclusive registro de criador junto à Sociedade Ornitológica Mineira e ao Ibama.

O juiz Carlos Márcio de Souza Macedo, da comarca de João Monlevade, determinou a responsabilidade do Estado de Minas Gerais pela atuação irregular e imprudente da Polícia Militar e estabeleceu o pagamento da indenização. O estado recorreu. Alegou que a atuação da Polícia Militar foi legal porque havia suspeita de crime ambiental, o que tornaria desnecessária a expedição de mandado judicial.

Quanto ao sumiço dos pássaros, a polícia admitiu que houve furto, mas praticado por terceiro. Este fato excluiria a responsabilidade estatal.

A desembargadora Maria Elza, relatora do processo, entendeu que o estado deve, sim, ser responsabilizado pela invasão e pela apreensão indevidas. “Não há justificativa para que o Estado de Minas Gerais não seja responsabilizado civilmente pela atitude arbitrária de sua Polícia Militar, que, baseada em denúncia anônima, invade domicílio e apreende bens, sem que houvesse autorização judicial para tanto. A Constituição da República não consagrou um Estado Marginal, mas um Estado Democrático de Direito, o qual não se coaduna com a política criminal de invadir e apreender, para depois investigar”, considerou.

Para a desembargadora, “a invasão de domicílio, em razão de suspeita de crime, deve ser sempre procedida de todas as cautelas, sob pena de a garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio ser desprezada pelo arbítrio da autoridade policial.”

A relatora determinou o ressarcimento pelos danos materiais decorrentes da perda dos onze pássaros, cujo valor será apurado na fase de liquidação de sentença. Votaram de acordo com a relatora os desembargadores Nepomuceno Silva e Mauro Soares de Freitas.

Processo 1.0362.02.016932-6/001

Leia a decisão

Número do processo: 1.0362.02.016932-6/001(1)

Relator: Maria Elza

Relator do Acordão: Maria Elza

Data do Julgamento: 13/12/2007

Data da Publicação: 29/01/2008

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INVASÃO DOMICILIAR E APREENSÃO DE PÁSSAROS. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. A Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, motivada por denúncia anônima que apontava irregularidade na criação dos pássaros, invadiu, sem que houvesse autorização judicial, a residência de José Anastácio de Barcelos e apreendeu os pássaros de sua criação. O mais grave é que depois se apurou que o José Antônio de Barcelos possuía toda a documentação pertinente aos pássaros, f. 10 e 11, inclusive, registro de criador junto à Sociedade Ornitológica Mineira e ao IBAMA, estando regular a sua situação para criação de pássaros. Tal fato é um exemplo de que a invasão de domicílio, em razão de suspeita de crime, deve ser sempre procedida de todas as cautelas, sob pena de a garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio ser desprezada pelo arbítrio da autoridade policial. Deste modo, não há justificativa para que o Estado de Minas Gerais não seja responsabilizado civilmente pela atitude arbitrária de sua Polícia Militar, que, baseada em denúncia anônima, invade domicílio e apreende bens, sem que houvesse autorização judicial para tanto. A Constituição da República não consagrou um Estado Marginal, mas um Estado Democrático de Direito, o qual não se coaduna com a política criminal de invadir e apreender, para depois investigar.

APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO N° 1.0362.02.016932-6/001 – COMARCA DE JOÃO MONLEVADE – APELANTE(S): ESTADO MINAS GERAIS – APELADO(A)(S): JOSE ANASTACIO DE BARCELOS – RELATORA: EXMª. SRª. DESª. MARIA ELZA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REFORMAR A SENTENÇA PARCIALMENTE, NO REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO.

Belo Horizonte, 13 de dezembro de 2007.

DESª. MARIA ELZA – Relatora

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

A SRª. DESª. MARIA ELZA:

VOTO

Cuida-se de recurso de reexame necessário e de recurso apelação cível interposto pelo ESTADO DE MINAS GERAIS contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de João Molevade que, nos autos de uma ação de indenização por danos materiais e morais proposta por JOSÉ ANASTÁCIO DE BARCELOS, ora parte apelada, em face do apelante, julgou, parcialmente, procedente o pedido inicial, para condenar o apelante a pagar ao apelado a quantia de vinte salários mínimos por força de danos morais, mais os prejuízos materiais decorrentes do desaparecimento de onze pássaros, a ser apurado em fase de liquidação de sentença.

Em razões recursais de f. 178/2081 – TJ, o apelante alega que a atuação da polícia militar foi legal, pois havia suspeita de crime ambiental, o que tornava desnecessária a expedição de mandado judicial. Aduz que os pássaros foram apreendidos em ação regular da polícia militar. Assinala que o furto dos pássaros apreendidos foi praticado por terceiro, fato que exclui a responsabilidade estatal. Defende a inexistência de prejuízos morais e materiais. Assevera que o Estado de Minas Gerais não pode ser condenado em custas processuais. Cita jurisprudência favorável ao seu alegado. Pede, por tais motivos, seja provido o recurso.

Em resposta ao recurso, a parte apelada, à f. 210/222 – TJ, pugna pelo não-provimento do recurso.

É o relato. Decido.

Conheço do reexame necessário e do recurso de apelação, visto que presentes os requisitos legais.

A Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, motivada por denúncia anônima que apontava irregularidade na criação dos pássaros, invadiu, sem que houvesse autorização judicial, a residência de José Anastácio de Barcelos e apreendeu os pássaros de sua criação.

O mais grave é que depois se apurou que o José Antônio de Barcelos possuía toda a documentação pertinente aos pássaros, f. 10 e 11, inclusive, registro de criador junto à Sociedade Ornitológica Mineira e ao IBAMA, estando regular a sua situação para criação de pássaros.

Tal fato é um exemplo de que a invasão de domicílio, em razão de suspeita de crime, deve ser sempre procedida de todas as cautelas, sob pena de a garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio ser desprezada pelo arbítrio da autoridade policial.

Deste modo, não há justificativa para que o Estado de Minas Gerais não seja responsabilizado civilmente pela atitude arbitrária de sua Polícia Militar, que, baseada em denúncia anônima, invade domicílio e apreende bens, sem que houvesse autorização judicial para tanto.

A Constituição da República não consagrou um Estado Marginal, mas um Estado Democrático de Direito, o qual não se coaduna com a política criminal de invadir e apreender, para depois investigar.

Há outro fato a ensejar a responsabilização do Estado, que é a perda dos pássaros apreendidos. Não se sabe como, mas os pássaros sumiram. Tal fato, além de causar prejuízo material ao apelante, trouxe-lhe evidente prejuízo moral, pois eram pássaros de estimação.

O desrespeito aos direitos e garantias individuais não pode ficar impune. O apelado faz jus ao ressarcimento dos danos materiais decorrentes da perda dos onze pássaros, cujo valor será apurado em liquidação de sentença, nos termos do artigo 475-D do Código de Processo Civil, e aos danos morais sofridos pela indevida invasão ao domicílio, pela irregular apreensão dos pássaros e pela perda destes. Tais acontecimentos lhe causaram sério e grave abalo moral, provocando-lhe angústia, sofrimento, tristeza, revolta e inconformismo.

O valor arbitrado de vinte salários mínimos está proporcional à gravidade e à repercussão do fato. É importante que o Poder Judiciário fixe rigor o valor do dano moral, para se evitar a reiteração da conduta ilícita. No caso, causa perplexidade saber que como se invade um domicílio e se apreende bens de forma tão arbitrária e sem o mínimo de cuidado e diligência.

Não obstante a proporcionalidade da fixação do valor do dano moral, a orientação do Superior Tribunal de Justiça é a de que é inadmissível a vinculação do montante indenizatório em salários mínimos, na conformidade, por sinal, com a legislação infraconstitucional (art. 1º da Lei nº 6.205, de 29.4.1975 e art. 3º da Lei nº 7.789, de 3.7.1989).” (AG n.° 493.951/RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 04.06.2003 e REsp n.° 443.095/SC, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ 14.04.2003). Na mesma linha o REsp n.º 332.576/RS (DJ 19.11.2001) e AgRg no REsp nº 401.688/MG (DJ 24.06.2002), ambos de minha relatoria; REsp n.º 345.807/MG (DJ 12.08.2002) e 401.309/RS (DJ 12.08.2002), ambos de relatoria do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; e REsp n.º 252.760/RS (DJ 20.11.2000), Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito.

Portanto, em razão de ofensa ao art. 3.° da Lei n.° 7.789/89, reformo a sentença, neste ponto, para fixar a indenização por danos morais no valor de R$ 7.600,00 (sete mil e seiscentos reais). Os juros moratórios incidem a partir do evento danoso, sobre o valor correspondente ao dano moral, ao teor da Súmula n.° 54 do STJ.

Reformo a sentença também para isentar o Estado de Minas Gerais do recolhimento das custas processuais, nos termos do inciso I, art. 10, da Lei Estadual n. 14.639/2003.

Pelo exposto, em reexame necessário, reformo, parcialmente, a sentença para: a) fixar a indenização por danos morais no valor de R$ 7.600,00 (sete mil e seiscentos reais) e; b) isentar o Estado de Minas Gerais do recolhimento das custas processuais, nos termos do inciso I, art. 10, da Lei Estadual n. 14.639/2003. Fica prejudicado o recurso voluntário.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): NEPOMUCENO SILVA e MAURO SOARES DE FREITAS.

SÚMULA: REFORMARAM A SENTENÇA PARCIALMENTE, NO REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO Nº 1.0362.02.016932-6/001

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