História de família

Livro sobre imigração japonesa corre risco de ser censurado

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26 de janeiro de 2008, 23h01

No ano do centenário da imigração japonesa, o Judiciário brasileiro terá de decidir se uma parte dessa história pode continuar a ser contada pelo jornalista Jorge J. Okubaro. A família Kakazu pediu à Justiça que o livro O Súdito — Banzai, Massateru! — indicado como finalista do Prêmio Jabuti 2007 — seja recolhido das livrarias.

A acusação é de ofensa à honra de Seijin Kakazu. Segundo seus familiares, “o bem mais precioso que deixou como legado a seus sucessores”. Por enquanto, o juiz da 41ª Vara Cível de São Paulo negou o pedido de liminar para impedir a circulação da obra.

A idéia de Okubaro, editorialista do jornal O Estado de S.Paulo, foi a de fazer uma homenagem ao pai, Massateru Hokubaru, que chegou ao Brasil em 1918. Entrevistas, documentos do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), arquivos de jornal, processos judiciais e museus foram as peças do quebra-cabeça encaixadas para escrever a biografia do imigrante. A pesquisa começou em 2000, depois do lançamento do livro Corações Sujos, de Fernando Moraes. O Súdito foi lançado em 2006.

A história que deu causa à ação se passa na década de 30, quando Massateru casou-se com Fussako, a mãe do jornalista e de outros seis irmãos dele. A família vivia do cultivo de milho em uma chácara em Paraguaçu Paulista. Foi nessa época que Seijin Kakazu, pai dos autores da ação, deixou a primeira mulher — prima do jornalista.

Kakazu descobriu que nenhum dos três filhos era seu. Deixou a mulher com as duas filhas menores e levou o mais velho, de seis anos, para que ele cuidasse de sua alma após a morte. Essa é uma crença dos nascidos em Okinawa, província formada por um grupo de ilhas ao sul do Japão, de acordo com o autor da biografia.

Massateru e Fussako acolheram a mulher abandonada e as suas crianças. Eles viviam no quarto dos fundos da chácara, com dois funcionários da família. Por algum tempo, a ex-mulher de Seijin Kakazu manteve relacionamento amoroso com os dois companheiros de quarto. Até que um deles, cego de ciúmes, matou a mulher e o outro. A família do jornalista decidiu adotar as duas meninas, que nunca mais poderiam ser chamadas pelo antigo sobrenome: Kakazu.

A família de Seijin Kakazu pede indenização pela publicação do livro sem a sua autorização e pelas “inverdades” relatadas na obra. Os Kakazu dizem que nunca conversaram com o autor sobre os fatos narrados e contestam o fato de que a história possa ter sido contada através de depoimentos de pessoas que não conviveram com o seu pai na época.

Na versão dos filhos, Kakazu foi traído por um cunhado. A família diz que ele não abandonou as crianças. Deixou sob os cuidados do cunhado, o pai verdadeiro. Como ele não teve condições financeiras de criá-las, teve de deixar as meninas com os pais do autor do livro, Massateru e Fussako.

“A vida de seu genitor foi exposta de maneira covarde, indevida, falseada e não autorizada, com a agravante de ter sido invadida post mortem, não lhe sendo possível nem a defesa de sua honra, que tentou preservar durante toda sua existência”, diz na ação a advogada dos Kakazu, Ana Paula Leiko Sakauie.

Para o jornalista Jorge J. Okubaro, o processo ajuizado pelos filhos só revela o inconformismo por não terem sido mencionados no livro. Esse é apenas um dos argumentos apresentados pelo advogado José Rubens Machado de Campos, no recurso.

Além do que, segundo o advogado, os filhos não têm legitimidade para discutir judicialmente, 70 anos depois, “fato isolado de nítido contorno personalista (o abandono familiar)”. De acordo com o recurso, o fato narrado há muito é conhecido pela comunidade japonesa e, no mais, é relacionado à história de vida do autor do livro.

“Os autores não podem, portanto, em nome próprio, exercitar direitos que o pai não desejou exercer, na espécie não se qualificando — diante da veracidade dos fatos enunciados — nenhuma ofensa à memória dos mortos, enquanto exceção viabilizadora da demanda.”

Para o advogado de defesa, eles também não conseguiram demonstrar a ofensa post mortem alegada. E, por fim, disse que deve prevalecer a garantia de livre manifestação intelectual, independentemente de licença, como prevêem os incisos IV e IX da Constituição Federal e a Lei de Direitos Autorais.

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