Armas da lei

Entrevista: Flávio Bierrenbach, ministro do Superior Tribunal Militar

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26 de janeiro de 2008, 23h01

Flávio Bierenbach - por SpaccaSpacca" data-GUID="flavio_bierenbach.jpeg">Flávio Bierrenbach não fica constrangido em dizer que julga 25 processos por mês como ministro do Superior Tribunal Militar enquanto um ministro do Supremo Tribunal Federal julga mais do que esta mesma quantidade por dia. Para ele, a comparação, em vez de desmerecer a Justiça Militar, serve para demonstrar que todos os tribunais e juízos do país deveriam funcionar como o STM e não como o Supremo. “Qualquer processo que eu levo para julgamento, eu leio da primeira à última página. E é assim que um juiz deve julgar”, diz.

Bierrenbach, em outros tempos menos bons, notabilizou-se por defender presos políticos e chegou a ser réu na Justiça da qual hoje é ministro. E é na condição de cliente e patrão que ele reconhece a importância deste ramo do Judiciário pouco conhecido, e por conseqüência, pouco prestigiado: “A Justiça Militar serve ao Brasil há 200 anos. E serve bem como a parte do Poder Judiciário encarregada de julgar crimes militares”, ensina.

No STM desde janeiro de 2000, Flávio Flores da Cunha Bierrenbach preside a Comissão de Planejamento das Comemorações do Bicentenário da Justiça Militar, criada por D. João em 1º de abril de 1808 com o nome de Conselho Supremo Militar e de Justiça. Já ocupou postos em todas as esferas de poder e tem sua assinatura em alguns dos mais importantes momentos da história do país.

Em 1977, por exemplo, na comemoração dos 150 anos da Faculdade de Direito da USP, ao lado de José Carlos Dias e Almino Affonso, foi o portador do convite ao professor Goffredo da Silva Telles para ler um manifesto em defesa da democracia. O manifesto, considerado o impulso inicial para a redemocratização, entrou para a história com o nome de Carta aos Brasileiros.

Anos mais tarde, como deputado federal (1983-1986), encampou e apresentou a proposta do jurista Ives Gandra de criação de uma Assembléia Constituinte exclusiva, ou seja, sem a participação de políticos que quisessem concorrer a cargo eletivo por pelo menos um mandato depois da promulgação da Constituição. A proposta, claro, não vingou. Bierrenbach é ainda apontado como um dos pais da Ação Civil Pública, uma das saudáveis invenções constitucionais de 1988.

Recentemente, foi nomeado coordenador da comissão de juristas do Itamaraty que elabora os projetos de onde sairão o Código Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar do Timor Leste. O fato reforça os laços de carinho que o ministro tem com aquele país, onde já esteve sete vezes — a última, como observador das eleições de 2007, que levaram ao poder o Prêmio Nobel da Paz José Ramos Horta.

Na entrevista à Consultor Jurídico, criticou a idéia recorrente de empregar as Forças Armadas em segurança pública e as afirmações de que o país vive em estado de guerra: “Se permitirmos a comparação da tomada do Morro do Alemão com a tomada de Monte Castelo, na Itália, logo iremos deixar que se comece a enfrentar o problema de segurança com barragem de artilharia”. O ministro se refere ao mais conhecido reduto do tráfico de drogas no Rio de Janeiro e à mais importante batalha travada pela Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial.

Reconhece que as Forças Armadas não estão preparadas para cumprir suas atribuições e que, desde 1870, com o fim da Guerra do Paraguai, não havia focos de tensão entre o Brasil e seus vizinhos. Hoje, graças a vizinhos como o venezuelano Hugo Chávez, o quadro é diferente: “Muitas vezes nós não sabemos bem o que é uma democracia. Mas sabemos o que ela não é. E mandar fechar imprensa não é democracia”.

Bierrenbach não poupa Chávez mas também não é menos duro com seu antípoda político-ideológico, George W. Bush, e sua política de suprimir direitos em nome do combate ao terrorismo: “Ao fazer de Guantánamo uma terra sem lei, os Estados Unidos desonram a geração de homens iluminados que deu ao mundo Thomas Jeferson, John Jay, James Madison, Alexander Hamilton”.

Leia a entrevista

ConJur — As Forças Armadas devem fazer segurança pública?

Flávio Bierrenbach — A Constituição responde a essa pergunta: para empregar as Forças Armadas na garantia da lei e da ordem decreta-se a falência do poder local. O governador do estado faliu? Decreta-se intervenção federal, o governador deixa o Palácio — ou vai para a cadeia — e aí as Forças Armadas entram pontualmente, para cumprir uma missão pelo tempo necessário. Depois voltam para o quartel. Não é admissível pedir que a atuação do Exército seja submetida à Secretaria de Segurança Pública. Isto é um absurdo.

ConJur — E eventuais excessos em ações das Forças Armadas têm de ser julgados pela Justiça Militar…

Bierrenbach — Claro. Recentemente dei uma palestra no Clube Naval do Rio de Janeiro sobre missões de paz. O Brasil vem se envolvendo cada vez mais com isso e já participou de mais de 40 missões de paz desde 1948. Atualmente, o Brasil tem mais de mil soldados no Haiti. Até um ano atrás, tinha 150 soldados no Timor Leste. Diante desses dados, um almirante me pergunta: “O Brasil pode mandar soldados para a favela no Haiti, mas não pode mandar para os morros no Rio de Janeiro? Nós estamos em guerra”. Esse é um equívoco gravíssimo. Confundir a tomada de Monte Castelo com a tomada do Morro do Alemão é tripudiar na memória dos pracinhas que morreram na guerra. Aquilo era guerra. O que temos aqui é problema grave de ineficiência em segurança pública. Se compararmos o Morro do Alemão ao Monte Castelo, na Itália, logo iremos permitir que se comece a enfrentar o problema de segurança com barragem de artilharia. Faz-se uma barragem de artilharia, arrasa o Morro do Alemão e aí ocupa. Porque na guerra é assim que se faz.


ConJur — O Brasil está, hoje, bem preparado para operações militares?

Bierrenbach — O Brasil não dispara um só tiro contra seus vizinhos desde o fim da Guerra do Paraguai, em 1870. Mas de 1870 para cá o país não tinha um só foco de tensão, até agora. Hoje, há focos de tensão. E as Forças Armadas estão preparadas para cumprir o artigo 142 da Constituição, para defender a pátria? Não, não estão. E ainda querem que suba o morro atrás de bandido?

ConJur — O que o senhor chama de focos de tensão? O litígio entre Brasil e Bolívia em torno do patrimônio da Petrobras, os arroubos autoritários de Hugo Chávez…

Bierrenbach — Hugo Chávez tem um arco de aliança potencialmente problemático na América do Sul. Uma vocação autoritária que esperávamos ter eliminado, com eleições periódicas limpas, com partidos políticos funcionando, com imprensa livre. Muitas vezes nós não sabemos bem o que é uma democracia. Mas sabemos o que ela não é. E mandar fechar imprensa não é democracia.

ConJur — Mas o fato de Chávez ter aparentemente aceitado o resultado do plebiscito que impediu mudanças constitucionais perigosas na Venezuela não é um sinal positivo?

Bierrenbach — Ele esperava ganhar o plebiscito. Por isso, na véspera, ele foi à televisão e disse que os perdedores tinham de aceitar o resultado. Não esperava perder. Mas eu não sei o que vai acontecer porque não sou especialista em relações internacionais. Eu venho estudando muito dois temas que têm interface com a minha vida profissional: missões de paz e terrorismo. O Brasil vem trabalhando bastante e deve se envolver cada vez mais em missões de paz. Já o terrorismo é um problema crescente. Sua existência na atual escala muda a natureza dos exércitos, o perfil dos soldados e a substância do equipamento militar. É um tema que envolve um grande desafio para os juristas, porque não existe tipificação de terrorismo. E se nós não tipificarmos esse crime, teremos de engolir o tipo penal que vai ser imposto pela potência hegemônica.

ConJur — E o tipo penal imposto pela potência hegemônica é perigoso porque solapa o direito de defesa.

Bierrenbach — Sem dúvidas.

ConJur — Quando deputado, o senhor apresentou um projeto de lei que previa direito de defesa administrativa nos cartórios de títulos e protesto. Hoje, há casos em que não se respeita o direito de defesa nem em processos judiciais criminais. Como o senhor vê o respeito ao direito de defesa hoje?

Bierrenbach — O que é a Constituição? A Constituição pode ter um ou mil artigos, mas tem só uma finalidade: é um instrumento jurídico destinado a limitar o poder político. E hoje, no Brasil e no mundo, a maior ameaça que existe ao direito do cidadão é o poder público. O que acontece com os cartórios é um pequenino exemplo de abuso de poder.

ConJur — Advogados reclamam do avanço do que chamam de Estado Policial no Brasil. O senhor acha que há esse perigo?

Bierrenbach — Não. Em alguns lugares, sim, pode haver a influência do governo local ao estilo da República Velha. Mas, sistematicamente não. Vivemos em um Estado Democrático de Direito, com inúmeras mazelas, desvios, mas as instituições estão firmes. Temos um presidente da República eleito e reeleito em eleições limpas, assim como seu antecessor. A imprensa está livre para trabalhar. Como jornalista, você não corre riscos. Se você cometer um crime contra a minha honra, eu vou te processar, mas será respeitado o devido processo legal.

ConJur — Como o senhor vê a tendência mundial de redução de direitos civis com a justificativa de combate ao terrorismo e proteção a um suposto bem maior, que seria a coletividade?

Bierrenbach — É exatamente a extrapolação da pergunta que se fazia no Brasil na época do regime de exceção. Como se combate o crime? Com o emprego da lei. Outro dia participei de um seminário internacional no Itamaraty, promovido pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas. O representante dos Estados Unidos definiu Guantanamo como Law Free Zone (Região Livre de Lei). Mais estarrecedor é que isso acontece na pátria da Constituição. Os Estados Unidos são a pátria do constitucionalismo. Todos os paradigmas constitucionais dos povos civilizados saíram de lá. Os Estados Unidos estão desonrando uma geração de homens iluminados como Thomas Jeferson, John Jay, James Madison, Alexander Hamilton.

ConJur — Quando a lei e a realidade se chocam, o que o juiz deve levar em conta primeiro?

Bierrenbach — A lei. O sistema de separação de poderes que vigora no Brasil desde a primeira Constituição republicana em 1891 determina que quem faz a lei é o Poder Legislativo. Ao juiz, cabe aplicar a lei, não agir como legislador. Mas, claro, o juiz pode suprir a omissão do legislador quando não existe regra para disciplinar determinado tipo de questão.


ConJur — E isso vem acontecendo cada vez mais no Brasil.

Bierrenbach — Sim. Mas, por quê? Porque o Legislativo não cumpre nenhuma das suas três missões. Primeiro, falha na missão de legislar. Quem legisla no Brasil hoje é o Executivo. A segunda, que é fiscalizar o Executivo, também não vem fazendo. Aponte uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Brasil que resultou em algo concreto? Não há. A terceira missão, ele cumpre mal, que é a de representar o povo. Mas o Legislativo, bem ou mal, é uma caixa de ressonância do que acontece no país. Pior do que este Legislativo que nós temos, é ter nenhum.

ConJur — Mas ao ocupar esse espaço, o Judiciário é acusado de legislar. Foi assim no recente julgamento do Supremo em relação à greve dos servidores e no do TSE, ao regulamentar o processo de perda de mandato de políticos infiéis.

Bierrenbach — O Legislativo tem de cumprir esse papel porque não pode haver vácuo na sociedade. O conjunto do Direito — leis, regulamentos, normas, decisões judiciais, demandas, recursos — existe pra uma única finalidade: disciplinar a convivência humana. As pessoas vivem com regras. Quando não existe uma regra legal, terá de existir outro tipo de regra, uma regra judicial.

ConJur — Levantamento do Anuário da Justiça 2007 mostrou que de cada quatro leis submetidas ao crivo do Supremo Tribunal Federal, três são consideradas inconstitucionais. Como o senhor vê a qualidade das leis no Brasil?

Bierrenbach — É de baixíssima qualidade. A função legislativa está muito mal executada. O nível técnico da produção é baixíssimo e a quantidade desmesurada. Eu não conheço país em que haja tantas leis, tantas normas jurídicas, quanto no Brasil.

ConJur — Mudam-se com freqüência as regras do jogo. Hoje, por exemplo, há no Congresso propostas de emenda à Constituição que acabam com a reeleição e outras que instituem um terceiro mandato para o Executivo. Isso, dez anos depois de criarem a possibilidade do segundo mandato. O senhor não acha que é muita alteração em uma Constituição que não tem 20 anos ainda?

Bierrenbach — Sem dúvidas. Sou contra o segundo mandato, que dirá um terceiro. Quatro anos é um paradigma quase mundial. Não vejo razão para estender o mandato. Se o governo foi bom, o povo elegerá o partido do governo. Esses atos são anti-republicanos. Isso nos envergonha culturalmente. E farei campanha aberta contra isso.

ConJur — O senhor se candidataria ao Parlamento de novo?

Bierrenbach — Não. Nem mesmo se eu tivesse 20 anos menos. O Parlamento brasileiro não me faz vibrar mais, não me dá nenhuma emoção. Não tenho vocação para o tipo de política que se faz hoje. Quando eu sair do tribunal eu tenho outros projetos, todos de interesse público. A única coisa que eu quis ser na vida foi funcionário público. E é isso que eu sou.

ConJur — Quais projetos?

Bierrenbach — Um deles é escrever dez pontos para uma reforma política. Vou citar um ponto, simples e importante. O Brasil é o único país presidencialista do mundo em que o presidente da República recruta os seus auxiliares diretos entre os integrantes de outro poder. Senador e deputado não pode ser ministro, não pode ser secretário de Estado, não pode servir a dois senhores ao mesmo tempo. Ou é do Legislativo ou é do Executivo. Se um deputado é convidado pelo presidente da República para assumir um Ministério, e quer ser ministro, tem todo o direito. Mas deve renunciar ao mandato. Não pode ficar com um pé em cada canoa. Não pode fazer como fez o Francisco Dornelles, por exemplo, no governo Fernando Henrique. Era ministro, deixou de ser ministro, assumiu a sua cadeira de deputado, participou de duas votações, e voltou a ser ministro. Isso é uma fraude. Falta de decoro absoluto. O primeiro ponto de uma reforma política é estabelecer a efetividade do princípio da separação de poderes.

ConJur — O Superior Tribunal Militar é muito grande para a demanda que atende?

Bierrenbach — É um tribunal enxuto, compatível com o tamanho do ramo especializado do Poder Judiciário que representa. Cada um dos 15 ministros tem apenas um assessor. Irônico é que a crítica que alguns setores menos informados fazem à Justiça Militar é justamente porque ela funciona como todos os outros tribunais deveriam funcionar. Eu recebo 25 processos por mês no gabinete. No STF, um ministro recebe, por dia, muito mais do que isso. Mas eu leio todos os recursos, sem exceção. Qualquer processo que eu levo para julgamento, eu li da primeira à última página. E é assim que um juiz deve julgar.

ConJur — Esse deveria ser o paradigma para a Justiça.

Bierrenbach — Sim. Um número de processos que permita ao juiz conhecê-los de cabo a rabo. Outra circunstância interessante do STM é que há dez juízes leigos, que chegam ao tribunal sem nenhum conhecimento técnico de Direito. Chegam com 45 anos de carreira nas Forças Armadas, mas sem conhecimento técnico. E, de modo geral, se apaixonam pelo Direito. Há colegas aqui que não cursaram Direito, não têm a vivência de 40 anos que eu tenho na área, mas me trazem ensinamentos e dicas: “Olha, leia um livro novo sobre Mandado de Segurança…”


ConJur — Como foi o ano de 2007 para o tribunal?

Bierrenbach — Foi um ano melhor porque pela primeira vez uma mulher passou a ocupar vaga de ministra do tribunal. E trouxe com ela um pensamento fresco, novo. A posse da ministra Maria Elizabeth foi importante também porque completou a composição do STM, que ficou por mais de um ano com uma de suas cadeiras vagas. Maria Elizabeth nos traz grande experiência em Direito Público e um novo acervo de conhecimento.

ConJur — O senhor sente que o papel do STM é bem compreendido?

Bierrenbach — Nem sempre. Muitas vezes, mesmo os magistrados não sabem bem o que o STM faz. Em seminários e congressos, é comum ouvir a pergunta: “Vocês julgam militares”? Não, nós não julgamos militares. Nós julgamos crimes militares. E crimes militares podem ser cometidos por civis. E vêm sendo cometidos cada vez mais.

ConJur — Com que freqüência e quais os crimes mais comuns?

Bierrenbach — Estou no tribunal há oito anos. Quando cheguei, os casos envolvendo civis eram raros. Hoje são corriqueiros. Há tráfico de drogas dentro de quartel, assalto a quartel para roubar armas, receptação de material roubado das Forças Armadas, fraudes previdenciárias. Hoje, não há sessão na qual não se julgue um civil. Mas isso é um reflexo. Quando a criminalidade aumenta na sociedade, ela aumenta nas Forças Armadas. Ainda assim, a taxa de criminalidade dentro dos quartéis é pequena. E isso é ótimo porque as Forças Armadas, por definição, estão armadas.

ConJur — Quais as questões nas quais o tribunal mais se divide?

Bierrenbach — Há uma clara divisão no tratamento de crimes que envolvem drogas dentro dos quartéis. O artigo 290 do Código Penal Militar, que tipifica o tráfico de drogas, é excessivamente genérico, não acompanhou as novidades da legislação comum. Ele joga na mesma vala onze condutas diferentes: ter, guardar, portar, distribuir, consumir, entre outras, é tudo igual. Por isso, o tribunal tem duas correntes. Eu faço parte da corrente minoritária, que entende que uma quantidade insignificante de maconha apanhada no coturno ou no bolso de um soldado, por exemplo, não é crime, mas sim infração disciplinar muito grave. A outra aplica a letra do Código Militar.

ConJur — A divisão se dá, geralmente, entre civis e militares?

Bierrenbach — Não. Praticamente em todas as matérias polêmicas, o tribunal não se divide com civis de um lado e militares do outro. Os juízes mostram independência de opinião. O primeiro requisito para ser um bom juiz é ser independente. O segundo é perceber que é melhor não saber nada a ter a cabeça cheia de idéias fixas.

ConJur — Qual sua opinião sobre os projetos de lei que ampliam a competência da Justiça Militar para julgar infrações disciplinares e outras questões administrativas?

Bierrenbach — Sou radicalmente contra. A Justiça Militar serve ao Brasil há 200 anos. Claro que no período do Império era diferente. Mas a partir da República e, sobretudo, a partir de 1934, quando ela passou a fazer parte do Poder Judiciário, a Justiça Militar serve bem ao país. E deve julgar apenas crimes militares. Continuar como Justiça penal especializada. No momento em que começar a julgar questões administrativas, ela vai virar Justiça de exceção. O princípio constitucional da igualdade vai por água abaixo. Por que ter uma Justiça exclusiva para os militares? Logo teremos uma Justiça só para os advogados. A Justiça Militar não sobrevive a isso.

ConJur — Mas o que justifica, então, a existência de uma Justiça Penal Militar?

Bierrenbach — O servidor público militar — soldado, marinheiro, aviador — é o único ser humano no Brasil de quem se exige o sacrifício da vida. O militar jura defender a pátria com o sacrifício da vida. Da sua vida e da dos outros, eventualmente. Porque, muitas vezes, é até mais fácil dar a própria do que tirar a vida alheia. E para defender a pátria com o sacrifício da própria vida, ele tem de estar sujeito a regras especiais. Trata-se de fato, valor e norma: a velha teoria tridimensional do Direito. Na Constituição brasileira, que é das mais analíticas e extensas do mundo, só se encontra a palavra pátria em um dispositivo: no artigo 142, que dispõe sobre as atribuições das Forças Armadas e sobre sua missão de defender a pátria. Essa é a sabedoria do constituinte.

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