Modo chavista

TV Educativa foi degradada na briga entre Requião e Lippmann

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24 de janeiro de 2008, 19h23

Editoral publicado em O Estado de S.Paulo desta quinta-feira (24/1)

De há muito se sabe que o governador paranaense Roberto Requião é um político autoritário e, como costumam ser os seus similares, truculento. Essa nefasta combinação acaba de desencadear naquele Estado uma crise provocada pela apropriação, para seus fins pessoais, de uma instituição destinada a servir à coletividade – a Rádio e TV Educativa (RTVE). O desvirtuamento deu origem a uma decisão judicial equivocada e desembocou numa atitude provavelmente sem precedentes num governo estadual: a humilhação pública infligida por seu titular a ninguém menos do que a autoridade incumbida de defender os interesses da administração na chefia da Procuradoria-Geral do Estado (a professora Jozélia Nogueira Broliani, que renunciou em seguida).

Transformando a TV Educativa em patrimônio próprio, e ainda em janela de oportunidade para investir contra os seus desafetos, Requião se vale do programa semanal Escola de Governo. Nele, à maneira do coronel Hugo Chávez, de quem decerto é a versão nativa mais próxima do original, se põe diante dos refletores para dar vazão ao seu gosto pela demagogia. No cenário emoldurado por secretários estaduais e prefeitos convidados, anuncia o que apresenta como iniciativas em benefício da população paranaense, entre uma e outra agressão àqueles que não se submetem aos seus propósitos ou denunciam o seu populismo primário. Tantas aprontou que, em 11 de dezembro, o Ministério Público o acionou na Justiça (bem como a emissora, União e Anatel) a fim de ‘impedir o uso indevido’ da RTVE para ‘promoção pessoal, ataques à imprensa, adversários e instituições públicas’.

No último dia 9, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região proibiu-o de aproveitar a TV para as suas ‘críticas ácidas’ aos que toma por inimigos. Deliberadamente alheio ao dever dos ocupantes de cargos na esfera estatal de respeitar o princípio democrático da separação entre o público e o privado, Requião reagiu com a mão pesada de sempre. ‘Voltamos ao AI-5 e à obscuridade da ditadura’, disse, sem se preocupar com o ridículo. Além disso, mandou levar ao ar, sobrepondo-se à sua imagem, de microfone em punho, a tarja ‘Censurado’ – com o complemento ‘pelo desembargador Edgard Lippmann Jr., Tribunal Regional Federal’. A partir daí, o confronto esquentou. Quatro dias depois, o magistrado multou o governador em R$ 50 mil por ofensa à Justiça. Requião retrucou com uma manifestação do presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azedo, em seu favor.

Estavam criadas as condições para degradar um meio de comunicação educativo, que, aliás, transmite programas da TV Cultura de São Paulo, em ringue para o pugilato entre o governador e o magistrado. Este, tendo recebido a solidariedade dos seus pares da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), resolveu exigir da emissora que divulgasse a nota de desagravo da entidade corporativa a cada 15 minutos, o que interromperia a programação durante toda a terça-feira, dia do show chavista de Requião. Ele cumpriu, a seu modo, a decisão descomedida: ordenou a suspensão de todas as emissões, incluindo a da Escola de Governo, mantendo no ar, entre uma inserção e outra, apenas a logomarca da RTVE; a cada repetição do texto, iam ao ar em seguida as gravações da réplica do governador e do pronunciamento do presidente da ABI.

Se dependesse da procuradora-geral, preocupada em deter a escalada do conflito, a programação seria mantida e a nota da Ajufe seria divulgada a seco. ‘Fiquei com receio de que o desembargador interpretasse (os acréscimos) como nova provocação’, explicaria Jozélia mais tarde. Informado de que ela orientara a emissora nesse sentido, Requião perdeu as estribeiras, como é do seu feitio. Em palácio, na frente de auxiliares, políticos e jornalistas, se pôs a acusá-la, aos berros, de desautorizá-lo. ‘Nunca mais faça isso’, destratou-a. À procuradora, única protagonista do imbróglio que não fez nada de errado, só restou se demitir. Por sinal, a OAB paranaense, ao condenar o comportamento do governador, também deplorou o ato do desembargador que obrigou a TV Educativa a divulgar o desagravo a ele. ‘A OAB considera necessário o resgate do equilíbrio, da serenidade e do respeito.’

O problema é que Requião não considera.

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